Por vezes, também penso “como é que pagam a este
tipo para escrever sobre rabanetes?”. Mas, no meu caso, é por pura inveja.
Adorava que me pagassem por escrever sobre qualquer coisa, eventualmente, sobre
rabanetes. Além disso, foi assim que, entre outras coisas, descobri dois ou
três bons restaurantes, perto de onde vivo. O que também é absurdo de dizer, eu
sei. Como se ler Miguel Esteves Cardoso fossem rabanetes, que, por acaso, nem
foi o que comi.
A desvantagem de não frequentar redes sociais – com
excepção deste singelo blogue e alguns apensos igualmente indignos – é que
chego mais tarde às apoplexias higiénicas e colectivas da
praxe. Li a entrevista no passado Domingo, mas, só ontem ao fim do dia –
um delay absolutamente parolo e imperdoável – é que dei conta
dos achaques com a indecorosa arrogância do Miguel Esteves Cardoso. O próprio
assume-se como alguém “extremamente inteligente”, com “grande sentido de humor”
e que escreve “muito bem”, e, toda a gente sabe, esse é o tipo de atrevimento
que não se tolera, a não ser, aos imbecis. Às vezes – só às vezes – aos génios
e, aparentemente, não é o caso. Imagino que quem cuspiu as entranhas ao ler o
título, não se tenha dado ao trabalho de ler o resto.
Só para que conste, não adoro Miguel Esteves Cardoso.
Pode ser um louco, pode ser um génio. Não aprecio em demasia. Seja como for,
gostei de o ouvir. Mais do que de ler as crónicas do Público. E
precisava de escrever qualquer coisa. Miguel Esteves Cardoso escreve sobre
política quando lhe faltam temas. A mim - a quem falta a genialidade necessária
para distinguir lucidamente os loucos dos outros, partindo do princípio de que
se pode - sobram-me temas, quando me falta o tempo. Os últimos dias foram
férteis. Em temas. Cumpriram-se dois anos sobre a tragédia de Pedrogão Grande
e não aprendemos nada. Um senhor comendador mostrou-se incrédulo com a falta de memória do um senhor Constâncio e, nos
entretantos, o primeiro prepara-se para abrir mais um museu, enquanto o segundo ameaça processar quem atenta contra a sua honra (acho que houve
desenvolvimentos, mas ainda não pude ler). Trump também ameaçou, no caso, o Irão com
um ataque correctivo, antes de se compadecer com a centena e meia de mortos, mais dano colateral, menos dano colateral, mais
faz-de-conta, menos faz-de-conta. Rui Tavares acha que Donald Trump se define pela
cobardia, eu acho que o homem exorta definições que talvez não caibam neste
espaço.
Noutro continente, num momento “E se fosse
consigo” da vida real, uma sala cheia de gente elegante assistiu, sem
sobressalto, ao selvagem ataque por um dos seus pares (que delícia de expressão) a
uma activista da Greenpeace. O Secretário de Estado Mark Field foi suspenso, mas, parece que ainda será necessário proceder a
averiguações. Terá reagido instintivamente, com receio de que a mulher estivesse armada. Eu
percebo. Uma mulher afoita, reivindicativa, enfiada num provocante vestido
vermelho pode ser uma arma perigosíssima. Valham-nos homens impecáveis e com o
sangue frio que falta ao resto da humanidade.
Entretanto, Boris Johnson começou a perder
popularidade na sequência de uma nada elegante altercação com a namorada. O homem que quase todos garantem que será o próximo
primeiro-ministro de um reino que ameaça desunir-se, que muitos garantem ser a
versão very british de Donald Trump e que até já ensaiou uma
ausência em debates televisivos – por azar, não está ao alcance de todos os
modelos – acabou por dar uma entrevista à BBC, onde voltou a assegurar que o Reino Unido deixará a
União Europeia a 31 de Outubro. Brexit means Brexit, como dizia a
senhora que o dito se prepara para substituir. Se houver problemas com as
fronteiras, o mais-ou-menos amigo Trump pode ter uma solução. Se não, Boris e Donald poderão sempre inaugurar uma
nova era hair stylists por esse mundo fora. Quem disse que só
a Coreia do Norte tem direito a assertivos líderes capilares?
Por falar em entrevistas, por cá, foi Mário Centeno a garantir que, entre outras
coisas, o SNS está melhor agora do que 2015. Às vezes, tenho a sensação que há dois portugais.
Adiante. O importante é que temos um excedente orçamental de 0,4%. É possível
que venhamos a assistir ao colapso dos serviços públicos, mas, talvez continue
a não faltar dinheiro para acudir à banca, em sendo caso disso. Nunca se sabe.
O que se sabe é que quem supervisiona, supervisiona pouco e que a mais não é
obrigado, nem pode, mesmo que quisesse. Também não será o caso.
Ramalho Eanes falou da corrupção como "uma epidemia que
grassa pela sociedade portuguesa", o que é uma profunda e leviana inverdade, como se sabe.
O ex-Presidente da República deve ter andado distraído; não se apercebeu de que
chegou, até, a ser necessário ponderar a eliminação do pernicioso vocábulo do
tal relatório da OCDE. Isso, e o Álvaro Santos Pereira.
Se não estou em erro, em Outubro próximo teremos eleições
legislativas. E o país está tão bem, que, ao que parece, nem faz falta
oposição...