sexta-feira, 26 de julho de 2024

Há sempre um certo grau vertigem na política americana. Das somas astronómicas que financiam as campanhas eleitorais, ao extremismo radical que elevou Donald Trump. É nessa vertigem, suponho, que cabem a atenção e o capricho que alguns de nós dedicamos àquele palco de guerra, para espanto dos mais sadios e sensatos, que aconselham – e muito bem – que se dê antes importância à ruína doméstica: mas como, se tudo aqui é tão cinzento, tão lamacento, tão previsível? “Grupo detrabalho da JMJ custa 35 mil euros por mês e mantém funções até final de 2024, equipa liderada por José Sá Fernandes deve custar mais de 1,3 milhões, em dois anos e meio e só em salários. A este custo, acrescem despesas com deslocação ou combustível.” A sério? Ninguém diria. Parece que ainda há muito que fazer. Valha-nos o estrondoso retorno que aquilo teve, não teve?, ninguém sabe ainda, mas há-de ser imenso, “absolutamente extraordinário”, não se espera menos de um palco e uma pala que estão para Lisboa como a Torre Eiffel está para Paris. Também há aquela auditoria que aponta para 60% de arrendamentos ilegais: "Autoridade tributária não tem um “plano abrangente” para controlar o arrendamento não declarado, mesmo conhecendo dados sobre os fornecimentos de água, energia e telecomunicações". Um país que se permite tal indolência, um país pobre que se permite tal indolência, é um país falhado; a vários níveis. Por isso, sim, volto as costas, deixo-me arreliar pelo duelo Trump vs Kamala Harris. 

De repente, parece-me possível que Kamala Harris venha a ser a 47ª presidente dos EUA. Na base da fé, confesso, preceito que, por estes dias, não deve andar totalmente arredado da mais apurada análise política, posto que se passou da impossibilidade de substituir Joe Biden – não havia tempo nem competência maior – para a impossibilidade de o manter na corrida, perdendo apoio e financiamento: seja o que Deus quiser, e, se Deus quis salvar um imbecil pela orelha, matando um bombeiro pelo caminho de uma bala católica apostólica romana, deve ser para não privar o mundo de assistir à derrota de um fanfarrão ignorante e machista por uma mulher estéril, louca, perigosa e mal resolvida (isto continua tão indigente que nem merece indignação), Deus não está para causas maiores, ou o Mundo itself seria já o Paraíso.

Barack Obama e a augusta Michelle (eu continuo a pensar que Michelle seria capaz de derrotar Trump com um elegantíssimo pestanejar de negro corvo, mas, e o depois, a tarefa é árdua) já declararam o seu apoio a Kamala Harris. Falta Taylor Swift: uma palavra sua, não sei se ainda dizem; outra radical sem filhos, exemplo péssimo para as novas gerações, de um mau role model para um mau role model, os EUA e o mundo entregues a perigosíssimas mulheres não reprodutoras. Tão patético, tão caótico, tão dramático. Explosivo. Há muito tempo que não havia tanto em causa. O próprio Trump pode não passar de um peão, se prestarmos mais atenção ao seu (espero) futuro ex-vice-presidente. 

Quem é que, no seu perfeito juízo, quer perder tempo com o rubor baço da política interna?


quinta-feira, 18 de julho de 2024

Da Vida de Brian

 

The shot is the sign…




O Partido Republicano está a um pequeno passo de se converter numa seita-maga-republicana. 



“It is absolutely necessary, for the peace and safety of mankind, that some of earth's dark, dead corners and unplumbed depths be let alone; lest sleeping abnormalities wake to resurgent life, and blasphemously surviving nightmares squirm and splash out of their black lairs to newer and wider conquests.”

At the Mountains of Madness,  H. P. Lovecraft


quarta-feira, 17 de julho de 2024

Vou cometer um pequeno crime. Mais ou menos. Este canto é demasiado modesto, na verdade, para que isto se possa chamar um crime crime. E não quero correr o risco de o perder, como aconteceu com o seu artigo sobre Michael Jackson, que nunca mais encontrei.

Tenho uma relação de amor-ódio com Clara Ferreira Alves, entre o ler e o ouvir, mesmo discordando com muito, frequentemente e em ambos os casos. Não neste, para que fique claro, em que concordo mais do que discordo.


"Trump Trauma

Trump entrou na história americana. Está convencido de que Deus o protegeu. Não Jesus, Deus Ele mesmo

 

“Money, money, money

Must be funny

In the rich man’s world”

Abba

 

Não se concebe um texto sobre a Convenção Republicana e o grande, o ciclópico Donald J. Trump, a citar Yeats e o poema sobre o centro que não segura, “Things fall apart; the centre cannot hold”. Abba é muito mais adequado e a canção ‘Money, Money, Money’ podia ser o hino da América. O mundo dos ricos é mais divertido do que o dos pobres, mas... os pobres querem eleger os ricos. Como é que isto aconteceu é o tema do livro de J. D. Vance, “Hillbilly Elegy”. Best-seller, topo da lista do “New York Times”, e quantos podem dizer o mesmo? Até os liberais acharam que era a melhor explicação para a vitória de Trump em 2016. J. D. é um convertido ao trumpismo, depois de o considerar hitleriano e um vácuo cultural. A divina América respira os vapores da religião, onde todos os conversos são bem-vindos. E não, Trump não é Hitler.

Disse J. D., vamos lá tentar perceber essa coisa dos pobres que repudiam a assistência social. Os desempregados pela automatização e o outsourcing das manufaturas no estrangeiro, os destituídos pelo fim dos modos tradicionais de cultivar e crescer, os agricultores falidos, os desempregados pela agonia do carvão e a quimera da transição energética dita “verde”, assoberbados por uma economia de serviços e gente qualificada que eles, os trabalhadores manuais, os operários, não acompanham. E aqueles de que ninguém fala, os desempregados da nova economia digital, tão distante das minas e das linhas de montagem, das oficinas e dos tratores, como Marte. Um mundo obscuro que não penetram e que utilizam para comunicar a raiva, o desespero, o rancor e a explicação implausível da realidade, conhecida por teoria da conspiração. O mundo da rede e das redes, onde se formam grupos orgânicos de interesses, ódios e ilusões, células que não param de crescer e se esquecem de morrer. Os pobres que detestam o Estado, os governos e o assistencialismo. Os que querem, como J. D., subir a pulso e ganhar um salário “honesto”. E estimam o sucesso dos ricos, também conhecido por sonho americano.

Quem viajar pela América dentro, aquela América que não aparece nos filmes e no streaming, que não emite em HD, e que nenhum realizador realista quis filmar ou observar, ao contrário do que fez o realismo italiano, de Rossellini a Fellini, de Visconti a Pasolini, verificará que ninguém por ali lê o “New York Times” ou vê a CNN americana. Ninguém sabe dos devaneios neste deserto das almas do europeu Wim Wenders ou do surrealista David Lynch, demasiado intelectuais. Ninguém viu os épicos de Terrence Malick, a tentativa de conferir poesia visual a um mundo parado no tempo, envolto no nevoeiro da dúvida e da identidade, amante de coisas simples, um Deus desconhecido, a família, as armas, a América como nação eleita.

Lembro-me de entrar numa loja do Iowa, uma loja junto a um motel daqueles do fim da estrada da solidão, como nas telas de Hopper, e de ver dois jornais à venda, dois exemplares do velho “New York Times” dos domingos, que pesava um quilo. Só o dos domingos era vendido, e quando perguntei se alguém lhe pegava foi-me respondido que não, nunca. Iam deixar de ter o mono. Quando muito, as pessoas dedilhavam o “USA Today”, gratuito nos hotéis.

Claro que a tropa elitista de Manhattan e os hipsters suburbanos, tal como a tropa da Califórnia, não passa férias no coração do Oklahoma e do Texas, onde só se come carne vermelha e os caniches das senhoras têm laços cor-de-rosa. Hollywood não visita o aço de Pittsburgh ou os campónios da Virgínia Ocidental. Nem Milwaukee ou Cheyenne. Não fazem churrascos aos domingos no quintal e não bebem grades de cerveja ao fim de semana. Não abanam os corpos nos cânticos evangélicos da igreja e do pastor de almas e nunca, nunca, pisam um saloon de música country e danças de cowboys. Nas cidades americanas dois mundos coexistem, duas épocas. O passado e o presente. A par dos que nasceram na economia digital vegetam os que só sabem usar as mãos e nunca estudaram. Que estes dois mundos se encontrem na promessa de um Presidente Trump é o milagre americano.

Na marcha dos direitos civis e da wokeness, os brancos pobres e remediados ficaram atrás dos LGBT e dos negros, uma underclass sem representação. Até os asiáticos e alguns latinos escolhidos foram repescados como dignos de atenção e quotas, mas os rednecks não tinham peões neste xadrez. Ameaçaram retirar-lhes o direito a usar armas e a América elegeu um Presidente negro e, talvez, segundo Trump na primeira estaca política da escalada, um Presidente muçulmano. Talvez estrangeiro. Foi aqui que começou a jornada de Donald J. Na exigência de ver o bilhete de identidade de Barack Obama, onde tinha nascido.

Ninguém prestou atenção, muito menos os liberais, seguros na superioridade das intenções. Nessa América zangada e que soprava as cinzas do 11 de Setembro, essa América que nunca foi a Nova Iorque ou Los Angeles e que foi enviada para combater e morrer no Afeganistão e no Iraque, a pergunta de Trump ressoou.

Não podia durar.

O casal Obama era uma visão diária de tudo o que era repulsivo no mundo bem-pensante dos salões de Washington e dos relvados de Martha’s Vineyard. O “pântano”. Obama foi um lugar-comum. Tudo o que fez depois de sair da Casa Branca foi enriquecer à custa, comprar uma mansão em Washington e outra em Martha’s Vineyard, convidar as celebridades liberais para as festas de verão, o George Clooney do costume, e escrever livros cheios de piedades sobre a ascensão social americana. E receber milhões da Netflix. A mulher, que nunca fez nada na vida, tornou-se um ícone do feminismo e direitos civis, enquanto calçava umas botas Balenciaga de 3000 dólares, cravadas de lantejoulas, para falar ao povo e às outras mulheres. Convencidas de que também elas poderiam casar com o seu Obama. Uma atitude absolutamente trumpista. Estilo sem substância.

A grande ambição liberal desta gente foi emular o clã Kennedy e criar uma dinastia política. Esquecendo que os Kennedys fizeram coisas pela América, de facto, e que deixaram um legado democrata. Ted Kennedy, no meio dos escândalos, foi um dos grandes legisladores e reformadores do Congresso, Bob Kennedy, outro reformador, foi um político assassinado antes do tempo, e mesmo o mitológico JFK evitou uma guerra nuclear não evitando o atoleiro do Vietname. O legado de Obama é o resgate de Wall Street mais a legislação Obamacare, que afundou na burocracia e não chegou para mudar o sistema de saúde americano, refém das seguradoras e das farmacêuticas. O que não foi feito não será feito agora.

Os republicanos organizaram-se atrás de Trump, o seu candidato da Manchúria, o homem que controla os pobres e uma classe média descontente e crédula. O povo MAGA. Triunfante e reforçado pelo apoio do dinheiro americano, o de Wall Street e o de Silicon Valley.

Quando os gigantes da tech, de Peter Thiel a Elon Musk, decidiram que a Casa Branca teria de ser sua, apostaram em Trump. Money, money, money. E no seu homem, J. D. Vance, símbolo do sonho americano, nasce pobre morre rico, e símbolo do sucesso, um ex-marine vindo do mundo difuso do capital de risco e das startups, recusou o cargo de Satya Nadella na Microsoft, sintonizado simultaneamente com a miséria rural dos Apalaches e com o futuro da inteligência artificial. A IA não quer, não precisa e não terá nenhuma regulação política ou institucional. O inimigo é a China e a supremacia tecnológica chinesa, não é uma Rússia envolvida numa guerra congelada, que não ganhará nem perderá, e aguentará. Zelensky já clama por Putin nas negociações de paz, que sempre recusou.

Trump, abençoado e sobrevivo ao atentado, perseguido nos tribunais, sabe que terá o derradeiro mandato. Interessa-lhe mais a marca, sempre interessou, do que a ação. Na verdade, Trump entrou na história americana. Está convencido de que Deus o protegeu. Não Jesus, Deus Ele mesmo. Salvou-o para salvar a América. Donald J. Trump acredita na lenda que criou e nunca recorre a Jesus, que na sua nomenclatura seria um falhado. A loser. Foi apanhado. Como o senador McCain.

A América muda e nessa mudança controla a mudança universal. Imaginar que um partido refém de duas guerras sangrentas e de um Presidente envelhecido conseguirá parar isto é uma fantasia liberal. Como a fantasia, subscrita em inúmeros artigos liberais, de que depois do dia 7 de outubro os palestinianos teriam um país e um Estado independente. Acredite quem quiser.

Mesmo que ganhasse as eleições, Biden estaria condenado à evanescência, a entrar lentamente nessa noite escura. A América mudou. O que vier depois do Trump trauma, um ser falível, humano, será mais invencível do que Trump."

Clara Ferreira Alves, no Expresso


Caminhos Cruzados

O cego vai batendo com a bengala nas pedras que dão forma à calçada bordada no passeio estreito e iluminado pelo radioso sol primaveril. Parece um pouco aflito, confundido, procurando algo que não se acha ali, mas devia, e, nessa ligeira angústia, roda sobre si próprio, ora à esquerda, ora à direita, sem nunca se distanciar demasiado daquele ruído metálico que a calçada devolve.

Do outro lado da rua, um homem atenta no desassossego urgente do cego. Dirige-se a ele.

   - Precisa de alguma coisa?

   - Estou à procura da lavandaria, mas, parece-me que não é por aqui…, a bengala batucando, ágil e certeira, no chão e no rebordo do passeio, soltando notas, compondo sílabas desencontradas.

    - Há aqui uma lavandaria, um pouco mais à frente, eu levo-o até lá, e pega-lhe no braço, suavemente, orientando-o no caminho adiante.

Não chegam a meia-dúzia de passos. O cego sobressalta-se, olhando em frente, atento ao diálogo que arranca do chão a golpes firmes, experimentados. Estaca, teimoso, no passeio, “não, não é por aqui”, enquanto o homem insiste, “está logo ali, a lavandaria, já lhe vejo a porta de entrada”. Mas, o cego não vacila, não duvida, “não é por aqui”, e logo volta atrás, arredio e decidido.

  - Ó amigo, tenha calma. Eu levo-o aonde o senhor precisar de ir. Diga-me, exactamente, que lavandaria é essa, porque, aqui, não conheço outra além desta…

E o cego explicou, apaziguado, confiando no seu instinto e na bondade do homem.

    - Eu saio do autocarro, viro à direita, caminho uns poucos de metros à minha frente, viro novamente à direita e encontro logo a lavandaria…há dois degraus à entrada…

Então, os dois homens voltam atrás, juntos. Retomam o caminho a partir da paragem do autocarro e vão seguindo a memória do cego. A bengala vai à frente, matraqueando, marcando o passo, astuta e ligeira, materializando acordes que apenas o cego pode ler e decifrar.

   - Ah, parece-me que, agora, sim, já vou no caminho certo, alegra-se o cego, estugando o passo. O homem segue-o, expedito, suspenso daquela melodia a que não é totalmente surdo, mas que nunca chega a compreender.

Só mais uns passos, à esquina direita da rua, e, lá está ela, sim, agora vou bem!, a lavandaria com os seus dois degraus à entrada. De fora, não se percebe que há uma lavandaria no interior, porque a loja tem várias secções. O cego conhece-a bem, o homem nunca antes havia reparado nela.

  - Obrigado!

  - Ora essa…boa tarde!

E o homem volta à sua rotina, uma admiração alegre e prazenteira estampada no rosto.






Era Outra Vez na América

Os mais histéricos apoiantes de Donald Trump – como Marjorie Taylor Greene – acusam os meios de comunicação social e o partido Democrata de promoveram o atentado contra o mestre. É absurdamente anedótico. Donald Trump nunca fez outra coisa que não fosse incitar à violência e ao ódio mais primário contra todos os que lhe recusaram, e recusam, o beija-mão. Escarneceu do ataque sofrido pelo marido de Nancy Pelosi, usou e abusou do insulto e do vil escárnio contra vários dos seus opositores políticos – “crazy Nancy, Sleepy Joe” –, ridicularizou as limitações físicas de um jornalista do New York Times, insinuou que as pessoas da segunda emenda pudessem fazer qualquer coisa para deter a sua então adversária Hillary Clinton: se há um responsável pela degradação do discurso que conduziu àquele acto dramático é o próprio. Se o alvo tivesse sido Joe Biden, Trump teria ensaiado uma qualquer piada despudorada sobre a incompetência do atirador, sob o aplauso alarve dos seus vassalos. É um homem desprezível sob qualquer ponto de vista. Não há qualquer equivalência moral entre aquela criatura e Joe Biden, coisa de uma clareza evidente e absoluta para qualquer pessoa dotada de um mínimo de decência. Deveria ser suficiente, e, no entanto, é de uma ingenuidade confrangedora pensar que seria suficiente, estando em causa a presidência dos Estados Unidos da América em tempos de Apocalipse. É aterrador pensar no que aí vem, seja um segundo mandato de Trump, seja uma segunda vitória de Biden, porque Trump jamais a aceitará. Jamais. E, desta vez, não haverá um Mike Pence para estancar a raiva.

Como não é meu o hábito de rezar, vou, pelo menos, tentar manter-me de dedos cruzados até Novembro.


terça-feira, 16 de julho de 2024


Gostas mais de escritores vivos ou de escritores mortos?

Não sei se sei responder a isto. Todos os escritores e escritoras de que gosto estão vivos, só permito que me morram os escritores maus. Quando (é) preciso, resgato-os do Inferno. O Céu não albergará bons escritores, suponho que seja impossível esconder de Deus omnisciente a pequena semente de corrupção que habita os lugares mais sombrios da alma de todos os que são capazes de deixar o subconsciente sangrar em tudo o que fazem.

Ainda não sei bem qual é o lugar de Benjamín Labatut, na sua escrita caleidoscópica, mas o seu MANIAC também é isso, maníaco, depressivo, obsessivo, intencionalmente provocador, Mathematical Analyzer Numerical Integrator and Automatic Computer mas não só. Entender, agarrar, racionalizar. Construir, destruir. Enlouquecer.




domingo, 14 de julho de 2024

Teatros




De todas as características que fazem de um bom actor de teatro um bom actor de teatro há duas que me seduzem mais do que todas as outras: a voz e a expressão corporal. Dos principais actores de “Um Eléctrico Chamado Desejo”, que o grupo “Primeiros Sintomas” levou ao palco pela mão de Bruno Bravo, é Joana Santos a que melhor combina as duas, embora apenas Sandra Faleiro pudesse estar ali na pele da deslumbrante Blanche DuBois; da mesma forma que Nuno Nunes encaixa perfeitamente, corporalmente, num Stanley Kowalski rude, violento e primário, mas cuja voz nunca foi capaz de me convencer, ao longo das três horas que dura a peça baseada naquela outra de Tennessee Williams.

Gostei bastante, no geral. Se não fosse pelo cartaz na parede – mais do que pelo GPS, que já por mais de uma vez me enganou –, jamais diria que ali, no ventre de um prédio desengraçado até na cor, na rua de Santa Engrácia, existia uma pequena sala de teatro. Nunca tinha lá estado.

Foi à saída, à procura de um lugar onde se pudéssemos comer fora de horas (lá acabámos no de sempre), que ficámos a saber do atentado contra (a orelha de) Donald Trump.

A Democracia tem várias fraquezas, uma das quais – provavelmente, a que acabará por ditar a sua morte, neste mundo bizarro onde encalhámos – obriga a lamentar a violência daquele acto e a condescender no júbilo: Donald Trump sobreviveu a uma tentativa de assassinato – o que seria se não, o que será a partir daqui. Os EUA estão sentados sobre um barril de pólvora, e Joe Biden não pode competir com fénix renascida das cinzas.

(ainda não alinho em teorias da conspiração, também sou obrigada a reconhecer uma certa coragem naquele punho erguido)


quarta-feira, 10 de julho de 2024

 



(e Putin não merece a Rússia)