quinta-feira, 25 de abril de 2024

Nem só de cravos vive a Liberdade

 


São cicatrizes de bala, aquelas pequenas marcas aneladas no antebraço e na base da nuca. Teve sorte. É um rebelde. Passar a noite numa cela, por desobediência, em Espanha ou em Portugal? É tranquilo. Não imagino, nunca passei uma noite na cadeia. Não me parece nada tranquilo.

Pergunto porquê Portugal. Depois da Venezuela, Argentina, Chile, EUA, Espanha, cidadão do Mundo e de lugar nenhum, sobretudo depois de Espanha, porquê Portugal? Portugal é mais livre.

Não me deslumbro. Muitas vezes, essa propalada liberdade rasa o limite da incivilidade, da imbecilidade, que os nossos brandos costumes toleram, não raras vezes, com uma subserviência ao estrangeiro (rico, claro) capaz de me agoniar.

Sim, Portugal é um país livre. De uma liberdade muitas vezes puída, postiça, mas liberdade ainda. Se corrompida mais pelos órfãos de Salazar, ou pelo tanto que falta fazer pela paz, pelo pão, habitação, saúde e educação, não sei; mas, hoje é dia de celebração.


quarta-feira, 24 de abril de 2024

Por que não te calas, Marcelo?

Não sei bem quando é que Marcelo Rebelo de Sousa começou a irritar-me. Por altura do beijinho na barriga da grávida, já tudo nele me saturava. E, desde aí, em pior. Agora, acho, simplesmente, que o homem está senil. Não há outra explicação. Mãe, tiveste sempre razão. 


terça-feira, 23 de abril de 2024



Ainda sobre a desobediente Maria Teresa Horta, e apenas porque referi o livro de Patrícia Reis: a leitura revelou-se, afinal, muito menos interessante do que eu antevira. Que pena. Nem sou muito de biografias, mas algumas vidas intrigam-me, interessam-me. "Quando me proíbem, incandesço". É um pensamento magnífico.

É difícil escrever uma biografia de alguém ainda presente; mais que presente, amiga – é o primeiro alerta da autora. O segundo, igualmente verdadeiro, Maria Teresa Horta é a sua escrita, e, na sua escrita, a sua inimitável poesia: são uma só; conhecendo bem a sua obra, talvez não faça falta qualquer biografia. Seguramente. A vida de Maria Teresa Horta dará um livro, mas não é este.

Tenho uma admiração quase histérica por mulheres desta fibra. Desobedecer arriscando a vida. Vida com maiúsculas, mais do que respirar e habitar um corpo, embora essa também. É curioso como tem surgido tanta gente a amesquinhar o que o 25 de Abril nos trouxe, a digladiar-se entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, como se não fossem os dois acontecimentos construtores da Liberdade que não havia antes. 

O fosso Esquerda-Direita cresce voraz, e há agora quem determine que a repressão imposta pela ditadura de Salazar era coisa quase mansa. Podia-se fazer tudo, inclusive, viajar, ao contrário do que alguns patetas para aí dizem, felizmente, temos o Observador. Talvez porque não éramos o Irão dos ayatollah, cujos esbirros perseguem e espancam até à morte as mulheres que ousam mostrar-se; a PIDE era não era tão má como a pintam e parece que havia respeito. Tenho ouvido coisas espantosas.

Sinto-me estranha e à margem de tudo isto. Não sou dessa esquerda nem dessa direita, de trincheiras. Não preciso de uma cartilha para decidir o que me parece certo ou errado, e há certos e errados dos dois lados da barricada. Gosto do 25 de Abril, é um dos dias em que me reconcilio com este país falido, cujas dores tomo sempre como minhas, que me enraivece na sua mofina e a que não deixo de chamar casa.

A (des)propósito, o que é isso de Sebastião Bugalho, de repente, ser cabeça de lista da AD às eleições europeias? Ouvi Montenegro, e parecia que estava a apresentar uma mascote... não percebo. "Mas para quê, Sebastião"?.


sexta-feira, 19 de abril de 2024



Tarde de chuva, a península inteira a chorar
Entro numa igreja fria como
Um círio cintilante
Sentada, imóvel, fumando em frente ao altar
Silhueta, um esboço
A esfinge de um anjo fumegante

Há em mim um profano desejo a crescer
Sinto a língua morta e o latim vai mudar
Os santos do altar devem tentar compreender
O que ela faz aqui fumando?
Estará a meditar?
Ai, ui, atirem-me água benta
Ajoelho-me, benzo-me, arrependo-me
Esconjuro-a atirem-me água fria
Por ela assalto a caixa de esmolas
Atirem-me água benta
Com ela eu desço ao inferno de Dante
Atirem-me água fria

Ai, ui, atirem-me água benta
Por ela assalto a caixa de esmolas
Atirem-me água fria
Por parecer latina calculo que o nome dela
É Maria
É casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da vossa fantasia

Por parecer latina suponho que o nome dela
É Maria
É casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da vossa fantasia


Um País Falhado

A resignação com que aceitamos não sei se a incompetência, a leviandade, o abuso, a agenda, ou tudo isso em um, do Ministério Público é coisa que não pára de me espantar.

Quando José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa pensei, como outros ingénuos, que seria impossível uma acção daquelas sem uma acusação sólida, assente em provas fumegantes: não poderia ser de outra maneira, arriscar um passo daqueles, mesmo sabendo quão difícil é provar alguns crimes, como os de corrupção. Passaram quase dez anos e o mais provável é Sócrates não chegar, sequer, a ser julgado. À parte todos os expedientes jurídicos com a intenção única de adiar, adiar, adiar, junta-se a bizarra inépcia da acusação, facilmente desmembrada por advogados competentes, capazes de arrancar a pele à Lei. Há crimes em risco de prescrever, claro, e com jeitinho, o Estado – ao que parece, somos nós – ainda virá a ser alvo de um pedido de indemnização capaz de liquidar todos os empréstimos generosos do amigo Santos Silva.

Claro que as acusações não podem ser tomadas por factos e a justiça faz-se nos tribunais; mesmo no caso de José Sócrates, em que só os mais ingénuos entre os mais ingénuos acreditam no era uma vez um amigo tão rico tão rico, que gostava tanto mas tanto de mim, que, apenas por amizade e generosidade, não só financiava todas as minhas despesas correntes e incorrentes, como me permitia uso e abuso de apartamentos em Paris com usufruto até dos humores sobre a decoração. Veremos.

Agora, a Operação Influencer, que fez cair um Governo, parece condenada a idêntico fracasso. As escutas a que João Galamba esteve sujeito durante quatro (q-u-a-t-r-o) anos, por exemplo, serviram para três juízes do Tribunal da Relação de Lisboa concluírem que o ex-ministro das Infraestruturas pudesse estar, apenas, preocupado com o “Interesse Nacional” (ainda lhe ficaremos a dever uma estátua). Há erros, especulação e ruído; o que não há é indícios de favorecimento indevido do tal megaprojecto Sines 4.0, como não há elementos que possam pesar contra António Costa, malgrado o último parágrafo, colado com cuspo no famoso comunicado da PGR. E a tudo isto, o Presidente da República reage com comentários quase jocosos, porque o país é a sua sala-de-estar e a pátria tolera-lhe todas as indisposições.

Quanto à Procuradora-Geral da República, move-se hirta e muda pelos corredores da tragédia, com o enfado dos soberbos, como se não tivesse a obrigação urgente de nos prestar contas. 


quinta-feira, 18 de abril de 2024

"A Desobediente"


Biografia de Maria Teresa Horta

por Patrícia Reis

 

Eu também aprendi a gostar da palavra "desequilíbrio"...


terça-feira, 16 de abril de 2024

True Detective


“Calmly we walk through this April’s day,   

Metropolitan poetry here and there,   

In the park sit pauper and rentier,   

The screaming children, the motor-car   

Fugitive about us, running away,   

Between the worker and the millionaire   

Number provides all distances,   

It is Nineteen Thirty-Seven now,   

Many great dears are taken away,   

What will become of you and me

(This is the school in which we learn ...)   

Besides the photo and the memory?

(... that time is the fire in which we burn.)

 

(This is the school in which we learn ...)   

What is the self amid this blaze?

What am I now that I was then

Which I shall suffer and act again,

The theodicy I wrote in my high school days   

Restored all life from infancy,

The children shouting are bright as they run   

(This is the school in which they learn ...)   

Ravished entirely in their passing play!

(... that time is the fire in which they burn.)

 

Avid its rush, that reeling blaze!

Where is my father and Eleanor?

Not where are they now, dead seven years,   

But what they were then?

                                     No more? No more?

From Nineteen-Fourteen to the present day,   

Bert Spira and Rhoda consume, consume

Not where they are now (where are they now?)   

But what they were then, both beautiful;

 

Each minute bursts in the burning room,   

The great globe reels in the solar fire,   

Spinning the trivial and unique away.

(How all things flash! How all things flare!)   

What am I now that I was then?   

May memory restore again and again   

The smallest color of the smallest day:   

Time is the school in which we learn,   

Time is the fire in which we burn.”

Delmore Schwartz

 

Gostei particularmente da terceira temporada e da primeira temporada. Por esta ordem.


Em Decomposição

O país mudou, o mundo mudou, tanto e tão vertiginosamente, que é sensato escolher a ruína a que nos entregamos. Podemos seguir as “polémicas” caseiras – ninguém, do primeiro ao quarto poder, parece minimamente preocupado com o estado de coisas que não sejam as suas, comezinhas –, discussões circulares, miseravelmente estéreis, como o cão que tenta apanhar a própria cauda, do logotipo esdrúxulo (logotipo é esdrúxulo?), ao “embuste” do IRS e de um jornalismo sensacionalista, ávido de escândalos de alcova: é claro que Luís Montenegro e Miranda Sarmento foram intencionalmente vagos e omissos, como é claro que quem assinou aquela notícia do Expresso, mais o seu director João Vieira Pereira, foram, no mínimo, de uma ingenuidade amadora e confrangedora – aquela “nota do director” é risível.

Entretanto, Passo Coelho, barítono, unívoco, imolou o ministro do irrevogável. Com que intenção ninguém sabe. Uma pequena vingança. O recato acabou com estrondo e promete. Dá uma boa teoria da conspiração: Passos Coelho  quem sabe, umas dessas forças vivas que prometeu o colo a André Ventura  apostado em minar o terreno por onde se move a AD de Luís Montenegro, e o país em eleições lá para Novembro.

Há um mundo a ruir. Não sobreviverá a Novembro. Donald Trump, ganhe ou não as próximas eleições nos EUA, é o epicentro do terramoto, e não há pontos nem portos seguros. Ainda me espanta; tanto quanto a impossibilidade de os Democratas encontrarem outro candidato a presidente. Parece que Joe Biden é o melhor, diz quem percebe do assunto. Quem não percebe, não acredita. Mas não importa: ainda que Biden volte a vencer, a América perecerá, e, com ela, o nosso mundo. Acordaram a Besta, alimentaram-na. Donald Trump não vai aceitar outra derrota. O infame 6 de Janeiro parecerá um passeio no parque. E se Donald Trump ganhar? Como será um segundo mandato de Trump?

Israel promete responder ao ataque do Irão. Retaliação sobre retaliação. Outra boa teoria da conspiração. Israel vinha a enfrentar duras críticas sobre a forma como vem dizimando o povo palestiniano em resposta ao hediondo ataque do Hamas. O ataque do Irão, como resposta ao ataque de Israel à embaixada iraniana em Damasco – é nisto que andamos, jogos de guerra em directo –, reconciliou os aliados de Israel com o horror que grassa na faixa de Gaza. Tenho sentimentos contraditórios sobre tudo isto.

E já pouco se fala sobre a miséria da Ucrânia. Donald Trump entregá-la-á de bandeja a Vladimir Putin, se ganhar as eleições nos EUA.

Consola-me pensar que, se tudo correr menos mal, pelo menos, viverei tempo suficiente para ver morrer alguns destes homens maus.




segunda-feira, 15 de abril de 2024