terça-feira, 12 de novembro de 2024



segunda-feira, 11 de novembro de 2024


À tarde, ouvi as preces dos pássaros. Há um sussurro de vozes carregadas pela brisa a que ofereço o rosto para que me mime. E a ladainha rouca do vento que me sopra ao ouvido segredos por revelar. Uma provocação dos meus sentidos. O mesmo vento imprevisto que faz gemer a rocha lascada num coro de penas. Uma expiação onde nem sempre te encontro.


A morte de dez pessoas a quem falhou, pelo menos, um primeiro socorro como consequência directa das greves no INEM é quase uma notícia de rodapé. O que agora tem ocupado horas e horas de emissão informativa é a transferência de Rúben Amorim para o Manchester United. Sabemos escolher “causas nacionais”. Os canais ditos de informação transformaram-se numa espécie de passadeira vermelha, um desfile de vaidades de gente maioritariamente presunçosa e medíocre. Tal qual este Governo parido por Luís Montenegro. Demissões porquê, para quê?

Sobre a desfaçatez do Presidente da República já tudo se disse. Marcelo Rebelo de Sousa é um impostor já muito pouco suportável: não gosta “de falar de problemas específicos da governação ou da Administração Pública, mesmo quando são muito urgentes ou muito prementes”, a não ser quando gostava e falava e exigia e ameaçava, vá lá, não lhe estraguem o final de mandato, a ver se o senhor recupera isso da popularidade. 


sábado, 9 de novembro de 2024

quarta-feira, 6 de novembro de 2024


Se eu gritar quem poderá ouvir-me, nas hierarquias dos Anjos? E, se até algum Anjo, de súbito, me levasse para junto do seu coração, eu sucumbiria perante a sua natureza mais potente. Pois o Belo apenas é o início do Terrível, que só a custo podemos suportar, e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
deste soluço obscuro. Ai de nós, mas quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e a felicidade continuada de um hábito
que a nós se afeiçoou e em nós permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços do mundo nos devora o rosto – a quem se furtaria ela,
a desejada, ternamente enganadora, que com tanto esforço se ergue em frente do coração solitário? Será ela mais leve para os que se amam?
Ah, apenas ocultam, um ao outro, a sua sorte.
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado nos teus braços
para os espaços que respiramos – talvez os pássaros possam sentir o ar mais dilatado, num voo mais comovido.

Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do passado profundo afluía uma vaga, ou
quando passavas sob uma janela aberta,
um violino d’amore se abandonava. Tudo isto era uma missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre
distraído, à espera, como se tudo
anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,
se grandes e estranhos pensamentos vão e vêm
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)
Se a nostalgia vier, porém, canta as amantes;
ainda não é bastante imortal a sua celebrada ternura.
Tu quase as invejas – essas abandonadas
que te pareceram tão mais ardentes que as apaziguadas. Retoma infinitamente o inesgotável louvor. Lembra-te: o herói permanece, a sua própria queda foi um pretexto para ser – nascimento supremo.

Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio esgotado, como se as forças lhe faltassem para realizar duas vezes a mesma obra.
Com que fervor lembraste Gaspara Stampa,
cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem
qualquer, abandonada pelo amante: por que não sou como ela? Frutificarão afinal esses longínquos sofrimentos? Não é tempo daqueles que amam se libertarem do objecto amado e,frementes, 
superá-lo?

Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no voo mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detém.

Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas os santos ouviam, quando o imenso clamor os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados,
os prodigiosos, 
e nada percebiam, 

tão absortos ouviam. Não que possas suportar a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,  a incessante mensagem que o silêncio prodiga.

Ergue-se agora, para que ouças, o rumor
dos jovens mortos. Onde quer que fosses,
nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz do seu destino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,
sublimes? A estela funerária em Santa Maria Formosa…
O que pede essa voz? A ansiada libertação da aparência de injustiça que às vezes perturba a agilidade pura de suas almas.

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,
abandonar os hábitos apenas aprendidos,
às rosas e a outras coisas singularmente promissoras não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;
o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,
não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome como se abandona um brinquedo partido.
Estranho, não desejar mais os nossos desejos. Estranho, ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,
desligado. E o estar-morto é penoso
e quantas tentativas até encontrar no seu seio um vestígio de eternidade. – Os vivos cometem o grande erro de distinguir demasiado bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes 
não sabem se caminham entre vivos ou mortos.

Através das duas esferas, todas as idades a corrente eterna arrasta. E a ambas domina com o seu rumor.

Os mortos precoces não precisam de nós, eles que se desabituam do terrestre, docemente,
como do suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira música para lamentar Linos, violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem, quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações – que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.


Rainer Maria Rilker – Primeira Elegia


terça-feira, 5 de novembro de 2024



segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Degradação

Ontem ouvi Jaime Nogueira Pinto – um dos nossos apoiantes trumpistas – criticar Kamala Harris por não ter nada para dizer, excepto “dizer mal” de Trump. Só não dá para rir porque a coisa é realmente séria. Também não vale a pena arrancar cabelos: é o que é. Mulheres insultadas por Trump apoiam Trum; imigrantes insultados por Trump apoiam Trump. Não é estupidez, é economia, dizem os entendidos. Pode ser, em parte. Mas é, essencialmente, poder. Poder na sua forma mais primitiva. Os "homens fortes" querem continuar a sê-lo, e em crescendo. Como nem todos são completamente idiotas, Elon Musk há-de enxotá-lo como a uma varejeira assim que puder dispensá-lo – Trump pode ser "um tipo fantástico", mas não passa de um peão no xadrez do homem mais rico do mundo. 

Já não estamos em 2016. Quem vota em Donald Trump – quem votaria em Donald Trump se pudesse – já não o faz “apesar de”, “apesar dele”. Aceitam ser representados por um homem que elevou o insulto taberneiro, a perseguição, a vingança, a programa político. Normalmente, são os mesmos que rejeitam a “venezuelização” da pátria, o comunismo, a doutrinação das massas, os rebanhos e etc – Trump, evidentemente, é o oposto disso tudo: são sempre superiormente inteligentes os que pensam como nós.


domingo, 3 de novembro de 2024

«En España, lo mejor es el pueblo. (…) Siempre ha sido lo mismo. En los trances duros, los señoritos invocan la patria y la venden; el pueblo no la nombra siquiera, pero la compra con su sangre y la salva. En España no hay modo de ser persona bien nacida sin amar al pueblo.»

Antonio Machado

 

Só conheço espanhóis desses; dos melhores. Fico feliz por sabê-los bem, apesar da tristeza e do choque.


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Nick Cave and the Bad Seeds

 




Em palco, Nick Cave é um homem sem idade. Não se dá pelos seus sessenta e sete anos; como podia ter atravessado vários séculos como um Nosferatu. É imortal. Catártico. Um cantador de histórias, capaz de transformar um concerto com milhares de pessoas numa conversa íntima; um monólogo, muitas vezes. Há uma tensão permanente, tangível, entre a beleza e a dor, a alegria e a tragédia. É um homem exposto.

Warren Ellis é um druida. Podia ter saído das crónicas de Nárnia.


domingo, 27 de outubro de 2024

A modernidade desfez outro prazer antigo: o de atrasar uma hora o relógio mecânico e prolongar o prazer de fazer recuar o tempo. Mesmo que apenas uma vez por ano, e para recuperá-lo à entrada da Primavera. Restam-me os relógios de pulso – ninguém me apanha com uma bugiganga daquelas espertas que mede o humor, as horas de sono que permitem sonhar (desconfio que só tenho das outras), os níveis de stress e quantos passos demos ao fim de um dia. Prefiro o tique-taque compassado, circular, que marca o presente sem alarme. Sabe-me a renovação. Como o sangue que se regenera a cada ciclo. E a ilusão, também: de que posso atrasar-me, resgatar o tempo que me falta para tudo o que não fiz ainda, ler os livros que acumulo, os autores que descubro por feliz acaso. Sem segredo algum…

 

Rodeio-te de nomes, água, fogo, sombra,
vagueio dentro das tuas formas nebulosas.
Como um ladrão aproximo-me entre palavras e nuvens.
Não te encontrei ainda. Falo dentro do teu ouvido?
Entre pedras lentas, oiço o silêncio da água.

A obscuridade nasce. Tens tu um corpo de água
ou és o fogo azul das casas silenciosas?
Não te habito, não sou o teu lugar, talvez não sejas nada
ou és a evidência rápida, inacessível,
que sem rastro se perde no silêncio do silêncio.

O que és não és, não há segredo algum.
Selvagem e suave, entre miséria e música,
o coração por vezes nasce. As luzes acendem-se na margem.
Estou no interior da árvore, entre negros insectos.
Sinto o pulsar da terra no seu obscuro esplendor.”

 

António Ramos Rosa


É para ti. Pelas saudades que tenho de ti.