outradecoisanenhuma
segunda-feira, 13 de março de 2023
sábado, 11 de março de 2023
Do outro lado da rua os canteiros encheram-se de flores de jasmim. A meio da manhã e a meio da tarde – não sei se me distraio no tempo restante ou se os jasmins são realmente caprichosos nos seu desabrochar –, pela minha janela quase sempre aberta, o ano inteiro quase sempre aberta, entra o cheiro adocicado e forte das pequenas flores brancas e estreladas. Enjoa-me, o cheio do jasmim, e acho muitas das flores desengraçadas. Enjoa-me o cheiro do jasmim, como me enjoa o cheiro dos jacarandás, mas do outro lado da rua não há jacarandás. Há uma árvore baixa, de coroa aparada e rasa, e um coro de pássaros em assobios repenicados, que o motor engasgado de um carro velho teimando em não pegar acabou por espantar. Calaram-se os pássaros, calou-se o motor. Só o cheiro do jasmim ainda persiste. Ia contar que os jasmins cheiram-me sempre a morte, mas também não estou bem certa de que a morte cheire ao mesmo em cada canto escuro do mundo.
sexta-feira, 10 de março de 2023
Papa Don't Preach
De
todos os crimes mais ignóbeis entre os crimes mais ignóbeis, o abuso sexual de
menores é o que me causa maior repulsa e repúdio. O abuso sexual de menores
cometido por sacerdotes sobre crianças à sua guarda e com a cumplicidade da
Igreja, pregadora de uma moralidade quase perversa, hipócrita demasiadas vezes, está muitos degraus abaixo dessa
repugnância – é infame e não merece perdão. Mas não é só de perdão que se
trata, porque não é só de pecado que se trata. As declarações, aviltantes, que
têm vindo a público por parte de altos representantes dessa Igreja em Portugal
só são possíveis sem que rolem cabeças porque Portugal é este país pequeno, de
brandíssimos costumes e corredores estreitos, onde é difícil aquela separação que
dizem de poderes e que faz dos Estados Democráticos pessoa de bem. A vizinhança
promiscua permite e perpétua um leito lodoso de interesses onde se deita a nata
de uma suposta representatividade da nação, de onde a Igreja saiu mas não muito. É a mesma razão
por que Miguel Pinho pôde confessar, com quase candura, que sim, que fugia ao
fisco cumprindo a normalidade histórica que corria pelo grupo Espírito Santo,
ámen. Ou melhor, hélas. O homem está profundamente arrependido. O arrependimento
é novo ópio de um certo povo. O esquecimento está um pouco gasto, e não dá o
mesmo gozo. Para não falar dos últimos episódios da TAP, outra tragicomédia muito portuguesa.
O bispo de Beja resolveu lembrar-nos que todos somos pecadores, um AVC impediu-o de responder ao pedido de entrevista da Comissão Independente e o episódio deixou-lhe mazelas, que deve ser uma forma de se lhe entender os desígnios de perdão para os padres pedófilos – a outra é a principal, e a que levou à degradação a que se vem assistindo. Diz D. José Ornelas que a Igreja não é um antro de pedófilos, mas a Igreja talvez seja um reduto de homossexualidade mal resolvida, ou intencionalmente não assumida por vários motivos, nem todos muito católicos. E o cardeal-patriarca de Lisboa preferiu fazer tábua rasa do trabalho da Comissão Independente, brandindo a banalidade de uma “lista de nomes”, como se essa lista de nomes fosse inócua, rabiscada num intervalo qualquer de afazeres mais elevados. Se a presunção de inocência é um direito inviolável, a protecção das crianças e jovens à guarda da Igreja não pode sê-lo menos. Deve haver um caminho menos odioso do que permitir que tudo fique na mesma.
sábado, 4 de março de 2023
Não
te esqueças de ouvir a noite. No seu canto de sereia. O vento varrendo as
ruínas de um tempo que não volta, o vazio a ausência, o canto escuro das palavras
por abrir, botões de orquídeas no terraço, fechados por dentro como pequenos
punhos, pequenos campos de batalha, as palavras, ama-se sangra-se morre-se. A sombra que tomba e se estilhaça sobre a laje fria das minhas páginas em branco. Às vezes. Talvez te procure aí.
sexta-feira, 3 de março de 2023
quinta-feira, 2 de março de 2023
Não É Crime Nenhum, diz ela
Fui procurar a publicação para ver eu mesma, e, ainda assim, parece-me impossível.
Um daqueles vídeos manipulados, deepfake e conterrâneos ou assim.
Há
gente que merece todas as injúrias que lhes possam atirar lá para a caixa de
comentários, o gozo, as piadas, tudo. Estou a tornar-me perversa.
quarta-feira, 1 de março de 2023
terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
Descobri, atrasada seguramente e como é hábito, que um “coveiro” passou a designar-se por “técnico de profundidade”, o que é ainda mais bizarro do que as mutilações de linguagem em empreitada aos livros de Roald Dahl e outros, porque tem a particularidade algo macabra de transformar um momento de enorme pesar numa abstrusidade quase cómica, tragicamente cómica, uma piada extravagante de gosto duvidoso.
Esta
perseguição justiceira à palavra entendida como lesiva em todas as suas variantes
mais extraordinárias há muito que deixou de ser apenas qualquer coisa de irritantemente palerma.