“O
Sonho do Celta” é um dos meus livros. Andou anos nas minhas estantes, a acumular
pó – porque sou compulsiva, já disse, a comprar livros, como sou a lê-los.
Quando, finalmente, o abri, consumiu-me. Não conseguia e não queria parar.
Não
lamento nada na minha vida, tão banal, excepto a flagrante inviabilidade de poder sentar-me uma tarde à conversa com os meus desconhecidos de eleição.
Vargas seria um deles, e Jorge Bergoglio também. Pesam-me as suas mortes. Devia
haver um limite para quantos desses vultos quasenossos podemos perder no mesmo
ano, também já disse; mas a Morte é astuta e caprichosa, e alheia ao meu
desgosto primário.
De
Bergoglio despedi-me no Domingo de Páscoa, quando, por acaso e pela televisão o
vi assomar à varanda na belíssima Praça de São Pedro, tão frágil, tão
desfigurado, e tive a certeza de que seria a última vez. Acontece-me às vezes: sei, e faço apostas com o destino, uma parvoíce.
Há
uma parte de mim que insiste em ver sinais onde apenas existem acasos. Voltei a
esbarrar numa exposição de Dali, desta vez em Cáceres: não sei se o persigo
inconscientemente, ou se ele me persegue a mim, lá do fundo do Inferno de Dante,
que foi o que me mostrou agora: a Divina Comédia em cem ilustrações febris,
alquímicas – como é que se faz aquilo? Já tinha visto, e foi como se nunca. É uma forma sublime de loucura, um exorcismo, tentar o abismo sem remorsos.