domingo, 24 de fevereiro de 2019

Venezuela contra Venezuela

Ouvir falar Nicolás Maduro causa-me o mesmo asco que escutar Donald Trump ou Jair Bolsonaro. Talvez não sejam os três iguais, mas parecem, embora, neste caso, pareçam não estar exactamente do mesmo lado. Mas, isso, é outra história. E, claro que há mais do mesmo género, mas, ouvir e entender alguém na sua própria língua tem outro impacto.

O impasse na Venezuela começa a ser surreal e algo vergonhoso. Mais de quarenta, creio, países reconhecem Juan Guaidó como presidente da Venezuela, e depois? Os militares continuam fiéis a Nicolás Maduro, que não tem qualquer pudor em mandar as tropas atirarem sobre os manifestantes, sobre o povo venezuelano.  

Parece ser já evidente que houve uma espécie de erro estratégico, ou, pelo menos, de intenção, por melhor que fosse. Se alguém pensou – que é como quem diz, essa tal comunidade que dá pelo nome de internacional – que bastava manifestar apoio público a Guaidó para que uma massa significativa de militares atirasse ao chão as armas e se curvasse à bondade e vontade do presidente interino, já se percebeu que o plano falhou estrondosamente. A próxima pergunta é: e agora?

Nicolás Maduro ainda domina. E goza. Chama palhaço a Guaidó, o presidente da oposição da Wikipédia, bromea, infame, e instiga o seu adversário a marcar as eleições que ele próprio rejeita, obviamente. Entre insultos e discursos, ainda tem tempo e ânimo para dançar salsa com a primeira-dama. Dava vontade de rir, não fosse o caso de a situação ser, como é, demasiado – insuportavelmente – trágica.

Entre indignações selectivas e relaxadas sobre a inadmissível ingerência de países estranhos sobre a soberania de cada Estado, vamos assistindo à miséria das condições de vida(?) do povo venezuelano, que implora por ajuda que chega, mas não chega. Que tipo de chefe de Estado deixa que o seu povo morra de fome e de abandono, por puro e mesquinho despeito? É mais que evidente que Maduro está menos preocupado com o possível golpe de Estado de que acusa os países apostados em fazer entrar as caravanas de ajuda humanitária na Venezuela, do que em perder o poder que usurpou numas eleições que ficaram marcadas por denúncias de fraude, boicote à oposição e uma elevada abstenção. Não teme nada, nem lhe treme o pulso, fanfarrão, a não ser, claro, que venha a ser obrigado a sujeitar-se a sério escrutínio por parte dos seus pares.

Enquanto os militares se mantiverem fiéis a Nicolás Maduro, não parece haver solução à vista, a não ser que se intente a intervenção militar externa que ninguém deseja. Resta saber até quando resistirá Juan Guaidó e o seu povo faminto e esgotado. 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

A Palermice Plena, e a Terra Que Não é Plana

Parece que há cada vez mais gente a acreditar que a Terra é plana. Dizem que a culpa é de um vídeo que anda a circular no YouTube. Agonia-me, mas não me estranha. Decidir “não acreditar” na ciência virou uma espécie de moda requintada.

As vacinas provocam autismo. Não interessa nada que esteja mais que provado que o suposto "estudo" que suportava tão erudita ideia não passou de uma fraude encomendada, bem paga e que o seu mentor tenha sido impedido de continuar a exercer medicina.

A água tem memória. E, nessa suposta memória, cabem as curas milagrosas que os promotores das águas açucaradas homeopáticas vendem aos mais frágeis, comprometendo, tantas vezes irremediavelmente, a saúde dos doentes. Não sei é considerado crime, mas devia.

O Homem nunca pôs os pés na Lua. Nos la colaran, que é como quem diz, enfiaram-nos o barrete, já dizia o Casillas, que é famoso, logo, percebe imenso de tudo o que importa perceber. A fama, aliás, tornou-se requisito necessário e mais que suficiente para atestar a fiabilidade de uma qualquer teoria da conspiração. É tudo uma enorme patranha. Qual Lua. É só olhar para a bandeira, esticadinha, e, isso toda a gente sabe – até os pindéricos dos cientistas – na Lua não há ar. E, claro, o aquecimento global, simplesmente, não existe. Já viram o frio que se tem feito sentir? Principalmente, na América? Se tiverem dúvidas, perguntem a Donald Trump, não se esqueçam que o homem até tem, ou tinha, um tio que era cientista, com bons genes, fantástico e que percebia imenso de ciência.

Alguns cientistas parecem defender que se deve promover mais a ciência. No caso da suposta planura da Terra, por exemplo, publicar mais vídeos e outros recursos que provam que a Terra é uma esfera, mais ou menos, pois ligeiramente achatada nos pólos, sendo o raio equatorial um pouco superior. É tão absurdo e improvável que a confusão venha daí - não faço a menor ideia - como de outra coisa qualquer, mas é absolutamente indiferente para quem quer achar o que quer que lhe apeteça.

Pergunto-me se valerá a pena o esforço. De promover a ciência junto destas sumidades. Esta gente, que desdenha das evidências científicas, está-se nas tintas para o conhecimento. Se quiserem acreditar que, afinal, é o Sol que gira à volta da Terra, fá-lo-ão sem quaisquer hesitações ou pruridos. É só levantar o nariz, não se está mesmo a ver o Sol a mexer-se, e não a Terra? Qual “e no entanto ela move-se”, que tamanha idiotice. Vamos, mas é, refazer os manuais de ciências. E de história, já agora. Resolve-se tudo de uma penada.

Uma coisa, no entanto, podíamos fazer. Não dar palco a estas imbecilidades e, muito menos, espaço partilhado para discutir, em pé de igualdade, ciência e crendice (às vezes, fraude intencional) como se fosse possível comparar o que não é comparável. Já faltou mais para voltarmos às teorias criacionistas, nos bancos da escola...