terça-feira, 5 de março de 2019

Quem Engana Quem, Até Eu Sei...

Na terça-feira passada, António Mexia foi ao Parlamento dizer, entre outras coisas, que, não só não há nada disso de rendas excessivas na EDP, como a empresa a que preside é o abono de família do Estado.

 

Ricardo Salgado deu uma entrevista à TSF, na qual, como habitualmente, clamou por inocência sua e má vontade dos outros. Por entre as respostas às habituais perguntas fofinhas que este tipo de gente sempre inspira aos jornalistas – mesmo os mais prestigiados e competentes – voltou a dizer que os lesados do BES, em quem o próprio pensa todos os dias, coitado, são culpa do Banco de Portugal, de Pedro Passos Coelho e da maldita resolução, e não dos seus actos de gestão.

 

Entretanto, o Novo Banco – o tal que era bom – voltou a meter a mão no Fundo de Resolução para arrecadar mais 1,149 mil milhões euros, coisa pouca, para fazer face à toxicidade daqueles activos que tombam sempre para o mesmo lado, o do Estado, ou seja, o do aparentemente amplo e cheio (para alguns) bolso do contribuinte (eventualmente, de outros bancos que se portaram bem, se é que ainda sobra algum).

 

Há alturas em que se torna difícil expressar indignação com a mesma eloquência com que somos insultados. Isto, se quisermos manter o nível dois ou três patamares acima do gozo rasteiro e ordinário e, ao mesmo tempo, não deixar que nos tomem por parvos. É que, mesmo entre os brandos costumes, deveria haver limites para o desaforo.

 

As comissões parlamentares de inquérito têm servido, em grande parte, para deixar a nu a descomunal lata de alguns dos seus principais protagonistas. Nesse sentido, António Mexia não desiludiu. Falou de “demagogia” e “manipulação” para rejeitar as críticas aos chamados CMEC – custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual – e as suspeitas que recaem sobre a forma como esses contratos foram negociados. Para o gestor da EDP, tais contratos não vieram favorecer a sua, literalmente, empresa. Pelo contrário, até terá perdido dinheiro na passagem dos CAE (contratos de aquisição de energia) para os CMEC. Se não fossem os CMEC, as compensações que Estado deve (como não) à empresa teriam ascendido a muitos mais milhões de euros. O magnífico e competentíssimo gestor de um gigante monopólio (não sei se a ENDESA chega bem a ser concorrência) dedicado à distribuição e venda de um bem essencial para o funcionamento regular de uma sociedade mais ou menos civilizada, está, até, disponível para “para desfazer-se das barragens, se forem devolvidos os 2115 milhões de euros pagos, bem como para "fazer as contas" e reverter os CMEC”. E, para provar que a EDP até perdeu 200 milhões de euros com a tal troca dos CAE para os CMEC, António Mexia levava um estudo completamente independente e idóneo, encomendado à Nova School of Business and Economics, essa cujo campus foi patrocinado pela…EDP.

 

Ricardo Salgado, que consegue dormir apesar de não totalmente descansado, é outro mártir incompreendido da pátria. Não lhe cabe nenhuma culpa, nem no colapso do seu banco, nem na delapidação das poupanças de muitas vidas (alguns terão procurado lucros demasiado fáceis, é verdade). Era só mais uma injecçãozita de capital e resolvia-se o problema, mas, o que havia era uma enorme vontade de acabar com o Banco Espírito Santo, toda a gente sabe que somos um país de invejosos. Ou isso, ou o Diabo, mais as suas coincidências.

Bom, o caso que é Ricardo Salgado foi afastado da liderança do BES e de outros cargos em instituições financeiras nos próximos anos. Mas, ao ritmo a que se move a Justiça portuguesa, o banqueiro ainda é bem capaz de regressar em emocionada e ansiada apoteose, que é como quem diz, ainda volta a ser dono disto tudo, que há manias que nunca se perdem.

 

E, a provar como é fantástico fazer negócios com o Estado português – não para todos, é verdade – lá chegamos, então, à nova factura desse Novo Banco. Em princípio, não será a última, já nos descansaram quanto a isso. Afinal, ainda restam, parece, dois mil milhões lá no fundo desse Fundo de Resolução, que dificilmente resistirão até 2025, como se (calhar ninguém, seriamente) previa. Pelo sim, pelo não, o Governo, diligente, pediu uma auditoria. Deve ser parecida com a da Caixa Geral de Depósitos, mais grande devedor, menos grande devedor. Que nunca devem nada, aliás: investem dinheiro que não é seu, se correr bem, ficam com os lucros, se correr mal, o Estado paga. Quem disse que para ser empresário é necessário correr riscos?

 

Manuel Pinho inaugurou a tendência e continuam todos a fazer-nos corninhos. Seja na forma de comissões de inquérito, entrevistas ou auditorias...