terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Oh, sôtor...

Ando eu de volta aqui do blogue e calho em começar a ouvir As Causas do senhor Júdice. Sobre a "Ana" e o "André"...
Que asco. Ao que se pode chegar para tentar salvar a face.

Fidalgos, e outros géneros


Li um bonito tributo a Vasco Polido Valente. E, sim, também li os Fidalgos da Casa Mourisca, de Júlio Dinis, embora nunca tenha estudado Ciência Política. Em contrapartida, cresci numa casa cheia de livros, e estes sempre foram grandes companheiros de férias, demasiado longas no Verão, e eu sem grande paciência para dias de praia. Pode ler-se na praia, eu sei, mas é arte que não está ao meu alcance. Leio ou releio com a avidez dos loucos, impelida por uma certa obsessão ritualista que me impede de ler de qualquer maneira ou em qualquer lugar. Não leio na cama, não leio para descontrair – pelo contrário, preciso de estar no pleno uso dos meus sentidos, alerta como um vigilante – e sou incapaz de ler naqueles dez ou quinze minutos perdidos numa pausa entre labores; eventualmente, uma ou outra notícia de jornal, mas só. Caprichos. Como não beber vinho num copo sem pé, nem tomar café num copo de plástico. Já o escrevi, exactamente assim, num outro canto. As férias grandes eram  são, ainda  o meu tempo e espaço de leitura de eleição.

Para que conste, não nutria  nem antes, nem depois  especial simpatia pela pessoa de Vasco Pulido Valente. Não sei se do ar demasiado desleixado com que o via nos últimos tempos, se do eterno cigarro entre os dedos – uma mácula arrogante como ele de um vício que sempre me causou uma despropositada repulsa –, se do mau feitio que cultivava com propositado brio no trato e na prosa que vertia em colunas de opinião. Dizem que fora delas, também. E era precisamente, a prosa que me enlevava, suspensa de um delicioso enguiço bailado entre letras, e verbos, e pontos, e vírgulas, e uma inteligência ácida, assertiva e indecorosa que não poupava ninguém; nem o próprio. Não se faz. Não voltará a fazer-se. Não com tamanha indecência e desfaçatez, e a primorosa e aprimorada arte de nos manter atentos à forma, mesmo discordando, no limite, de tudo o resto.

Mas, a morte foi apenas um pretexto. Tenho passado pouco por cá, e creio ser verdade o que já ouvi dizer, mais de uma vez: parte da inspiração para escrever, vem da rotina de fazê-lo assiduamente. A outra parte – a que realmente faz a diferença – vem do génio, do género de gente como Vasco Pulido Valente, a quem as palavras obedecem com resignada humildade, sem nunca perderem, porém, a insolência, ou a elegância. Também dizem que não se trata só de jeito ou de um dom soprado à nascença; antes, de esmerado labor, de disciplina intransigente e uma busca insaciável pela perfeição. Seja. Continua ao alcance de poucos, de mau ou bom feitio. Imperdoável.

Os últimos dias trouxeram outras mortes, outros elogios fúnebres que dão sempre boas linhas. Como se, de repente, os mortos suscitassem simpatias impossíveis em vida, qualidades subitamente descobertas, inusitadas, antes, qual bela adormecida na apatia da nossa existência rude e indígena, de matizes ignorantes, trôpegas, anestesiada pela espuma dos dias mornos, peçonhentos. Tenho tido muitos desses.

Sendo a morte inevitável, também, mas não por isso, se falou de eutanásia. Essa morte que tantos como eu entendem como boa, sem o sofrimento desnecessário e vil que nos torna pouco mais que um corpo em fim dessa extraordinária viagem que é a vida vivida plenamente.
Não é um tema fácil, e merece que se discuta com a elevação própria, sem ruído de fundo, popularucho, obsceno, até, como se o que houvesse fosse um punhado de gente à espera de permissão para assassinar velhinhos fastidiosos, ou uma imposição aos médicos para que realizem execuções sumárias, convenientes e sob receita. A pedido. Outra coisa, bem diferente, é questionar a legitimidade de se aprovar em Assembleia da República uma lei que, aparentemente, nenhum partido político inscreveu no seu programa eleitoral. 
Temos sempre uma certa tendência para alimentar polémicas para lá do necessário. Dispensava-se. Mais ainda, quando o assunto é realmente sério e envolve toda a sociedade.

E também houve aquele outro episódio de racismo que, a princípio, todos fingiram não ver. Não fosse Moussa Marega insurgir-se contra os insultos, batendo a porta com estrondo, e seguiria a dança, embalada pelos costumeiros urros grotescos a que uns jornaleiros – por imbecilidade ou ignorância – tendem a apelidar de cânticos, como nos meninos de coro, de gente imprudente, apenas, toldada de exaltações futebolísticas avassaladoras e, por isso, perdoáveis no calor desmedido da paixão. Isso sim, com a bênção de alguns juízes que consideram admissível a injúria cuspida dentro de campo, uma espécie de permissão paternalista e higiénica à barbárie, ao abrigo de fervores (anti)desportistas. Finda a orgia, aprumam-se casacas e gorros, e ruma-se a casa com a tranquilidade dos devotos, sem confissão nem penitência, que, quem assim grunhe, não merece castigo. Além disso, parece que Marega não é flor que se cheire, mas é preto que se enxovalhe, seguindo uma certa (des)ordem natural de etiqueta e más maneiras que parece que engrandecem a festa do desporto-rei. Fica o registo, para ir recordando.
A bem da liberdade de expressão e das boas práticas democráticas, a TVI resolveu convidar André Ventura a explicar-se sobre a hipocrisia dos portugueses indignados com o episódio e solidários com Marega, e foi o que se viu. Para quem viu. Ninguém vai calar o Ventura porque ele não deixa. Literalmente. Por muito que Miguel Sousa Tavares o tent(ass)e.

Entretidos entre umas e outras coisas, enaltecendo as nossas virtudes e denunciando os defeitos dos outros, carpindo escrupulosamente mágoas contra os pecados da globalização, e esquecemo-nos, outra vez, que há vicissitudes para lá do nosso umbigo. Um vírus manhoso resolveu destruir a pálida rotina dos dias, sem conta, nem peso, nem medida, tornando-se numa séria ameaça à saúde pública global, às ambições da China como nova-mas-não-tanto potência económica no mundo e ao fenómeno da tal globalização que tantos vêem como uma ameaça à soberania e sobrevivência dos Estados. É possível que Deus exista e não jogue, de facto, aos dados. Ou isso, ou os EUA descobriram a melhor forma de refrear as aspirações de Xi Jinping, mais efeito colateral, menos efeito colateral. É menos glamoroso do que mandar assassinar um general iraniano, mas, como teoria da conspiração, dava um filme. Não sei se precisa de asterisco. O texto, não o filme.

Por falar em filmes e nos EUA, Donald Trump continua a disparar em todas as direcções. Se Bernie Sanders(?) não for capaz de correr com o homem em Novembro, temo que aquela expressão assuma um sentido menos figurativo do que o desejável. Não tarda nada, os piedosos pastores evangélicos convencem-se e convencem-nos de que, mais do que enviado por ele, Trump é o próprio, sentado à direita de si mesmo, em eterna glória, julgando vivos e mortos, implacável, incansável e insaciável, esmagando todos quantos ousem contrariá-lo. R.I.P., America.