Também há belas lendas na história das ciências. Uma
delas narra Galileu expiando a humilhação numa tímida revelia: obrigado a
renegar a verdade científica para escapar à morte na fogueira que a Inquisição
mantinha acesa e reservada aos perigosos hereges da época,
terá suspendido num sussurro a sua crença mais profunda: “E, no entanto, ela
move-se”.
Quando, nos dias de hoje, observamos os avanços da
ciência, porque dela somos parte indissociável, pasmamos com tudo o que ela nos
permite, nas mais variadas áreas. Para a ciência, parece não haver impossíveis,
antes incompetências inconstantes, passageiras, que se
aligeiram com o tempo e com o progresso. Os prodigiosos avanços científicos
explicam hoje o que ontem espantava e, amanhã, lançarão luzes sobre as presentes
trevas. É assim que o mundo pula e avança, apoiado nos
ombros dos gigantes, enormes, sagazes, que, não só sonham, como procuram,
questionam e experimentam. Se a ciência o permitir, cedo ou tarde, o Homem
alcançá-lo-á.
A ciência e a religião são totalmente
incompatíveis para muitos homens e mulheres da ciência. Peter Atkins
reafirmou-o, por estes dias, em Lisboa, como já Stephen Hawking sentenciara que
há-de chegar um momento em que não precisaremos de Deus para explicar a origem
do Universo.
Há, no entanto, os que crêem, sem remorsos ou
constrangimentos, em Deus e na ciência. E há os que, com inabalável tenacidade
e descaramento, crêem na ciência para se aproximarem do papel destinado
unicamente, pelos devotos, a Deus.
O mais recente dos intrépidos é o chinês He Jiankui.
“Silenciou” um gene matreiro. E nasceram, parece, os primeiros bebés editados.
Geneticamente. Lulu e a Nana possuem agora, eventualmente, a capacidade para
resistir a uma futura infecção por VIH. Nunca, até agora, dizem, um investigador
tinha conseguido fazer nascer um bebé com genes modificados e o geneticista já
fez saber que há um terceiro bebé editado a caminho. A
expressão continua a arrepiar, embora, a “edição genética” tenha nome – CRISPR-Cas9 – e haja algum trabalho experimental na área. Mas
nada com tanta audácia e ninguém arrisca muitas explicações. Nem o próprio, de
momento.
He Jiankui diz, pelo menos, em público, ser contra o uso da edição genética para melhorar características do ser humano, como a inteligência ou a cor dos olhos. Eventualmente, a beleza, a força física. Mas, se tiver conseguido o que reclama, é capaz de vir a mudar de ideias. Se não for ele, virão outros, mais destemidos, mais arrojados. Já não há fogueiras e, em breve, talvez deixe de haver consciências. Apenas vontades. Nem certas, nem erradas, nem boas, nem más.