quinta-feira, 29 de novembro de 2018

"E pur si muove..."

Também há belas lendas na história das ciências. Uma delas narra Galileu expiando a humilhação numa tímida revelia: obrigado a renegar a verdade científica para escapar à morte na fogueira que a Inquisição mantinha acesa e reservada aos perigosos hereges da época, terá suspendido num sussurro a sua crença mais profunda: “E, no entanto, ela move-se”.

Quando, nos dias de hoje, observamos os avanços da ciência, porque dela somos parte indissociável, pasmamos com tudo o que ela nos permite, nas mais variadas áreas. Para a ciência, parece não haver impossíveis, antes incompetências inconstantes, passageiras, que se aligeiram com o tempo e com o progresso. Os prodigiosos avanços científicos explicam hoje o que ontem espantava e, amanhã, lançarão luzes sobre as presentes trevas. É assim que o mundo pula e avançaapoiado nos ombros dos gigantes, enormes, sagazes, que, não só sonham, como procuram, questionam e experimentam. Se a ciência o permitir, cedo ou tarde, o Homem alcançá-lo-á.

A ciência e a religião são totalmente incompatíveis para muitos homens e mulheres da ciência. Peter Atkins reafirmou-o, por estes dias, em Lisboa, como já Stephen Hawking sentenciara que há-de chegar um momento em que não precisaremos de Deus para explicar a origem do Universo.

Há, no entanto, os que crêem, sem remorsos ou constrangimentos, em Deus e na ciência. E há os que, com inabalável tenacidade e descaramento, crêem na ciência para se aproximarem do papel destinado unicamente, pelos devotos, a Deus.

O mais recente dos intrépidos é o chinês He Jiankui. “Silenciou” um gene matreiro. E nasceram, parece, os primeiros bebés editados. Geneticamente. Lulu e a Nana possuem agora, eventualmente, a capacidade para resistir a uma futura infecção por VIH. Nunca, até agora, dizem, um investigador tinha conseguido fazer nascer um bebé com genes modificados e o geneticista já fez saber que há um terceiro bebé editado a caminho. A expressão continua a arrepiar, embora, a “edição genética” tenha nome – CRISPR-Cas9 – e haja algum trabalho experimental na área. Mas nada com tanta audácia e ninguém arrisca muitas explicações. Nem o próprio, de momento.

He Jiankui diz, pelo menos, em público, ser contra o uso da edição genética para melhorar características do ser humano, como a inteligência ou a cor dos olhos. Eventualmente, a beleza, a força física. Mas, se tiver conseguido o que reclama, é capaz de vir a mudar de ideias. Se não for ele, virão outros, mais destemidos, mais arrojados. Já não há fogueiras e, em breve, talvez deixe de haver consciências. Apenas vontades. Nem certas, nem erradas, nem boas, nem más.