"O sol está raso com a cumeada dos montes, adivinha-se o
mar do outro lado. A estrada desce em curvas, duas colinas parecem
estrangulá-la lá em baixo, mas é ilusão dos olhos e da distância. Em frente, a
meia encosta, há uma casa grande, de arquitectura simples, tem um ar de
abandono, antigo, apesar de haver sinais de cultivo nos campos que a rodeiam.
Parte da casa está já na sombra, a luz vai-se amortecendo, parece o mundo todo
que se afunda em desmaio e solidão. Joaquim Sassa parou o carro. Todos saíram.
O silêncio ouve-se, vibra como um eco final, talvez não seja mais que o bater
distante das ondas nos penhascos, é sempre a melhor explicação, até dentro dos
búzios a lembrança interminável das vagas ressoa, porém não é este o caso, aqui
o que se ouve é o silêncio, ninguém deveria morrer antes de conhecê-lo, o
silêncio, ouviste-o, podes ir, já sabes como é."
A Jangada de Pedra, José Saramago
Um amigo que, infelizmente, já não está entre nós – como é comum dizer-se dos que morreram – defendia, meio a brincar, meio a sério, que a Península Ibérica deveria ser um único país, com capital em Lisboa. Era de Múrcia e adorava o mar. Ríamos muito, e a brincar discutíamos quanto à escolha da língua: ele achava que, nesse país que sonhava, devia falar-se castelhano, e, claro, eu achava que o que devia era falar-se português.
Um abraço, onde quer que estejas.