De há uns anos a esta parte, vivo sem crenças religiosas,
de espécie nenhuma. Por nada de especial, só porque sim. E, talvez, porque
conheço ateus e agnósticos que têm mais honra, humildade, respeito pelo
próximo, etc, etc, etc, num dedo mindinho do que muitos católicos-cristãos e
por aí fora, em toda a sua devota vidinha repleta de grandes e pequenos
pecados. Até vivo com um, há vários anos. Ateu, quero dizer.
Adiante. Andava eu tão tranquila na minha vida descrente
de sobrenaturais endeusados e aparece-me o Francisco, esse Papa “herege”, na
boca de alguns teólogos conservadores. E o que fez o Papa Francisco para
merecer tal cognome, de homens de Deus, como ele (como ele?)? Parece que
escreveu um texto onde manifesta abertura aos católicos divorciados que voltaram
a casar, pasme-se! E autoriza os padres a absolverem as mulheres que tenham
feito um aborto. E admite a possibilidade de ordenação de homens casados.
Bom, na verdade, os ditos teólogos não chamaram o Papa
Francisco de herege. Acusaram-no, apenas, de “espalhar a heresia”. Não é bem a
mesma coisa. Todos sabemos que um herege é, assim, uma pessoa contrária aos
dogmas de determinada religião e, como tal, que não pratica os seus deveres
religiosos. E, também todos sabemos, não há teólogo, cardeal, bispo ou padre
que não viva de acordo com os ensinamentos da Igreja Católica ou que deixe, uma
vez que seja, de cumprir com todas as suas obrigações e deveres,
principalmente, os da castidade, da humildade e da pobreza. Não é? Pois, bem me
parecia.
Por isso, compreendo a indignação destes castos
representantes da fé católica. Onde já se viu, um Papa que quer abrir as portas
da “sua” Igreja aos divorciados, aos homossexuais, aos mais pobres de entre os
mais pobres, enfim, a toda essa gente nada “católica”.
O Papa Francisco, com a sua simplicidade e inteligência
desconcertantes, e apaixonantes, e hereges!, já veio dizer que ouve muitos
comentários “respeitáveis, porque são ditos pelos filhos de Deus, mas errados”.
O Papa Francisco foi mais longe e parece que também disse que, o tal texto,
para ser entendido, deve ser lido “de cima para baixo”, “começando no primeiro
capítulo, continuando para o segundo e assim por diante, reflectindo sempre”.
E, com total desplante, parece que ainda acrescentou que a teologia e a
filosofia não devem ser “reflexões laboratoriais”.
Eu, que não percebo nada disto, mas tenho opinião sobre
tudo, acho que o Papa Francisco terá muitos defeitos, mas há muito tempo que um
Papa não me tomava um segundo, sequer, do também muito meu precioso tempo. Como
há muito tempo que não ouvia falar de um Papa que tivesse abdicado de tantos
“direitos” e mordomias para estar mais perto daqueles que ainda creem na Igreja
Católica e que dela mais parecem precisar.
De modo que, continuo a não acreditar muito na Igreja, católica ou não, mas acredito muito nas qualidades humanas deste Papa. É perfeito? Não. Mas alguém é?