terça-feira, 13 de novembro de 2018

Não acredito, porque posso!

“Funcionário do PNR que publicou imagem falsa de Catarina Martins no Facebook foi afastado”.

A imagem em causa (vale a pena ler o Polígrafo) dava conta de que Catarina Martins teria afirmado que a cultura islâmica é “superior á nossa”, e nem o erro básico de ortografia foi suficiente para agitar a desconfiança do excelso membro do PAN, Partido Nacional Renovador. O secretário-geral do PAN acha que o colega se excedeu, o PAN não tem por hábito veicular fake news sobre quem quer que seja, mas, a autenticidade da imagem não foi confirmada porque, ao “colega”, “ela fazia sentido”. E é este “ela fazia sentido” que é um diabo de detalhe. Fazia sentido porque é mais fácil acreditar nas pessoas de quem gostamos e acusar aqueles de quem não gostamos. Para alguns, o gostar e não gostar é levado ao extremo. Mesmo que não sejam eles os autores do boato, não se importam de o espalhar, levianamente, porque o único critério é acreditar no que mais lhes convier.

Os que hoje se informam pelas redes sociais, em detrimento do jornalismo de referência (aproveito para subscrever tudo o que li neste texto), acreditando cegamente (muitas vezes, acefalamente) em tudo o que é veiculado pelo grupo a que pertencem, fazem-no porque podem, porque querem ou porque não se interessam, desde que isso garanta muita aceitação social, muitos gostos e muitos seguidores? O fenómeno da propagação da mentira como forma de alcançar um determinado objectivo não é novo. O perigo actual talvez não esteja tanto na facilidade-barra-rapidez com que essa mentira se espalha, mas na indiferença com que consumimos essa mentira. E consumimo-la tanto melhor quanto mais predispostos estivermos a aceitá-la.  A normalização de comportamentos que, não há muito tempo, escandalizariam mais de meia nação é só mais um degrau na alienação dos novos tempos. A indignação passou a ser medida, não pela indignidade do acto, mas pela importância de quem o pratica. E a importância também depende do grupo a que se pertence, das mulheres que se põem a jeito, aos deputados que pintam as unhas ou são contra touradas e que, entretanto, viajam - de avião ou não - entre moradas reais e moradas relevantes para os devidos efeitos.

A evolução tecnológica é uma das grandes conquistas da Humanidade. Não há qualquer dúvida e nem volta-atrás. Mesmo para os mais conservadores e inábeis (onde me incluo) são evidentes as suas vantagens. Mas – como dizia um professor meu – por cada patamar que subimos, pagamos um preço. A evolução também não é grátis, e há sempre alguém inteligente e competente o suficiente para se aproveitar da incapacidade dos outros, da sua ignorância ou, pior, da sua indiferença.

Há umas semanas, um quadro produzido por inteligência artificial foi a leilão na conhecida e reputada Christie's, acabando a ser vendido por mais de 400 mil dólares. A tecnologia GAN tanto permite pintar ou desenhar, como manipular imagens para colocar alguém a dizer ou a fazer algo que nunca fez ou disse. E, não, não estamos a falar da manipulação caseira do vídeo que a Casa Branca divulgou para justificar o afastamento de um incómodo Jim Acosta. É mais do género se o George Clooney (ou a Jennifer Lopez, ou o que a sua imaginação ditar) lhe oferecer flores e você não for a Amal Alamuddin, isso é capaz de ser o GAN.

Passaremos de acreditar em fake news para viver fake lives.  A não ser que passemos a ser mais exigentes com quem tem a responsabilidade de nos informar.