“Funcionário do PNR que publicou imagem
falsa de Catarina Martins no Facebook foi afastado”.
A imagem em causa (vale a pena ler o Polígrafo) dava conta de que Catarina Martins teria afirmado que a
cultura islâmica é “superior á nossa”, e nem o erro básico de ortografia foi
suficiente para agitar a desconfiança do excelso membro do PAN, Partido
Nacional Renovador. O secretário-geral do PAN acha que o colega se excedeu, o
PAN não tem por hábito veicular fake news sobre quem quer que
seja, mas, a autenticidade da imagem não foi confirmada porque, ao “colega”,
“ela fazia sentido”. E é este “ela fazia sentido” que é um diabo de
detalhe. Fazia sentido porque é mais fácil acreditar nas
pessoas de quem gostamos e acusar aqueles de quem não gostamos. Para alguns,
o gostar e não gostar é levado ao extremo.
Mesmo que não sejam eles os autores do boato, não se importam de o espalhar,
levianamente, porque o único critério é acreditar no que mais lhes convier.
Os que hoje se informam pelas redes
sociais, em detrimento do jornalismo de referência (aproveito para subscrever
tudo o que li neste texto), acreditando cegamente (muitas vezes, acefalamente) em
tudo o que é veiculado pelo grupo a que pertencem, fazem-no porque podem,
porque querem ou porque não se interessam, desde que isso garanta muita
aceitação social, muitos gostos e muitos seguidores? O
fenómeno da propagação da mentira como forma de alcançar um determinado
objectivo não é novo. O perigo actual talvez não esteja tanto na facilidade-barra-rapidez
com que essa mentira se espalha, mas na indiferença com que consumimos essa
mentira. E consumimo-la tanto melhor quanto mais predispostos estivermos a
aceitá-la. A normalização de comportamentos que, não há muito tempo,
escandalizariam mais de meia nação é só mais um degrau na alienação dos novos
tempos. A indignação passou a ser medida, não pela indignidade do acto, mas
pela importância de quem o pratica. E a importância também
depende do grupo a que se pertence, das mulheres que se põem a jeito, aos
deputados que pintam as unhas ou são contra touradas e que, entretanto, viajam
- de avião ou não - entre moradas reais e moradas relevantes para os devidos
efeitos.
A evolução tecnológica é uma das grandes conquistas da
Humanidade. Não há qualquer dúvida e nem volta-atrás. Mesmo para os mais
conservadores e inábeis (onde me incluo) são evidentes as suas vantagens. Mas –
como dizia um professor meu – por cada patamar que subimos, pagamos um preço. A
evolução também não é grátis, e há sempre alguém inteligente e competente o
suficiente para se aproveitar da incapacidade dos outros, da sua ignorância ou,
pior, da sua indiferença.
Há umas semanas, um quadro produzido por inteligência
artificial foi a leilão na
conhecida e reputada Christie's, acabando a ser vendido por mais de
400 mil dólares. A tecnologia GAN tanto permite pintar ou desenhar, como manipular
imagens para colocar alguém a dizer ou a fazer algo que nunca fez ou disse. E,
não, não estamos a falar da manipulação caseira do vídeo que a Casa Branca
divulgou para justificar o afastamento de um incómodo Jim Acosta. É mais do
género se o George Clooney (ou a Jennifer Lopez, ou o que a sua imaginação
ditar) lhe oferecer flores e você não for a Amal Alamuddin, isso é capaz de ser
o GAN.
Passaremos de acreditar em fake news para
viver fake lives. A não ser que passemos a ser mais exigentes
com quem tem a responsabilidade de nos informar.