quarta-feira, 25 de junho de 2025


"I Believe

I believe in steep drop-offs, the thunderstorm across the lake
in 1949, cold winds, empty swimming pools,
the overgrown path to the creek, raw garlic,
used tires, taverns, saloons, bars, gallons of red wine,
abandoned farmhouses, stunted lilac groves,
gravel roads that end, brush piles, thickets, girls
who haven’t quite gone totally wild, river eddies,
leaky wooden boats, the smell of used engine oil,
turbulent rivers, lakes without cottages lost in the woods,
the primrose growing out of a cow skull, the thousands
of birds I’ve talked to all of my life, the dogs
that talked back, the Chihuahuan ravens that follow
me on long walks. The rattler escaping the cold hose,
the fluttering unknown gods that I nearly see
from the left corner of my blind eye, struggling
to stay alive in a world that grinds them underfoot."

Jim Harrison


sábado, 21 de junho de 2025

sexta-feira, 20 de junho de 2025

 

Ainda a propósito da fotografia de Sebastião Salgado.

Uma das minhas preferidas é a daquela impressionante mancha de búfalos em movimento, captada com precisão lapidar; ou a do homem de turbante e túnica, berbere, talvez, sentado só, na areia das dunas de Ma’or Tadrart, comungando da vastidão do deserto; os baobás de Madagáscar que parecem flutuar sobre a paisagem nevoenta, ou os meninos Dinka, pastores, em sombras de cinza-claro, guardando o gado zebu. A pata da iguana, o antebraço escamoso como um guerreiro da Idade Média com a sua cota de malha de ferro. São mais do que fotografias, e nessa transcendência perene parecem quadros pintados à mão. Tal como o corpo de Cristo no túmulo de Hans Holbein parece menos uma tela e mais uma escultura, com as suas pinceladas refractadas e pontiagudas. Há talentos assim, sobrenaturais, como nos contos de fadas: de mim, recebe o dom de esculpir o assombro. Gravar na carne do tempo a sua própria memória.

De resto, também gosto de Arvo Pärt, da chuva vertical e lisa como contas de rosário, que molha apenas quem se permite. Aqui, a guerra ainda é uma sombra parda, possível de dissipar com um movimento amplo de pensamento. Não se ouve o zunir das bombas, não se vive no limiar do horror. Há um espaço entre notas onde a beleza ainda perdura. Por um momento, nada no meu mundo parece seriamente ameaçado.


domingo, 15 de junho de 2025

 

É esplêndido, o meu luar. Vertido sobre o mar argênteo defronte, em noites de Lua cheia, nacarada como uma pérola rara. Não me cansa nunca. O cheiro do mar pousado na pele, o silêncio absoluto da noite que nem as gaivotas ousam pontuar. A autoridade ainda intacta da natureza, soberana, imperando sobre o humor dos homens.


Anomalia

Não o agora, mas o até aqui. O Homem é intrinsecamente mau, a bondade tem raízes biológicas menos fundas, e as conquistas civilizacionais esvaem-se com inquietante facilidade no conforto da liberdade vilipendiada. Emerge uma força antiga, ambígua, que nunca cessou de pulsar sob a crosta das convenções; o impulso de criação e de destruição, um desejo de ruptura mascarado de necessidade. Desvelação. A civilização é uma pele demasiado fina, sob a qual o monstro permanece alerta, incorrupto. “A crosta terrestre que esconde e abafa as explosões magmáticas”, enquanto, no seu ventre, a convulsão fermenta com vagar mineral, alheia à fé dos homens.

As novas tecnologias não inauguraram perigos: expandiram-nos, aceleraram-nos, refinaram-nos. Manipular a verdade, controlar a narrativa, construir um inimigo são instrumentos antigos de poder. Foi a escala que mudou. A volatilidade do tempo que demora a digerir a infâmia. Nessa pequena mudança, ampliou-se o bater de asas que fará ruir as democracias.


sábado, 14 de junho de 2025


Na verdade, o que celebro é a Língua Portuguesa. Nenhuma outra serve tão bem o amor, o ódio, a saudade, a volúpia. A imensidão da serra cujo dorso vejo à janela do meu quarto, ondulado, leito de nuvens plúmbeas em finais de Abril. A língua como pele. Macerada. Há nela um tempo que se alonga, uma memória viva. Covil de silêncios, porto de abrigo, palavras que guardam estilhaços e outras que se desfazem no ar como pólen. Posso ler em mais três línguas, mas só esta me alimenta. Só esta me despe. Só nesta cabe a vontade que tenho de ti.


terça-feira, 10 de junho de 2025

Tenho um exemplar belíssimo d’ Os Lusíadas. Já contei. Um livro magnífico, velho e pesado, uma edição de MDCCCLXXX, assim, em romano, comemorativa dos trezentos anos da morte de Luiz de Camões, publicada por Emílio Biel com uma dedicatória “A Sua Majestade, o Senhor D. Pedro II, Imperador do Brazil”, em letra manuscrita, redonda e gorda, maiúsculas altas e elegantes de rabos longos e encaracolados. De vez em quando, retiro-o do seu abrigo e adoro-o. 

Também já escrevi isto no dez de Junho do ano passado; mas ando exausta e não queria deixar em branco este dia, apesar de razoavelmente zangada, por motivos vários, nem todos muito nobres.


sexta-feira, 6 de junho de 2025

 


"Se Eu Quisesse, Enlouquecia"


Biografia de Herberto Helder

 João Pedro Jorge


Leio sempre "Se Eu Pudesse, Enlouquecia", que era o que me apetecia, sei lá, aí uma meia dúzia de vezes por ano.



quinta-feira, 5 de junho de 2025

 

Também havia o professor de Mecânica Quântica. 

Enchia a sala e olhava através de nós. Creio que nunca esteve totalmente presente — habitava várias dimensões em simultâneo. Escrevia no quadro negro com uma urgência religiosa, enchendo espaços vazios numa geometria febril que só ele era capaz de decifrar, e apagava o excesso com a manga esquerda da camisa branca: dois segundos e estávamos perdidos.

Falava da cisão do átomo como um corte no tempo. Do equilíbrio impossível da matéria aprisionada nas forças que a mantinham inteira, para se desfazer na lassidão eterna do tempo. Uma atracção incontida em si mesma. Entrelaçamento. Decaimento. Alfa, a constante de estrutura fina.

Ouvem o murmúrio do mundo subatómico?

A fragmentação silenciosa em ondas invisíveis, o colapso mudo da matéria. Partículas entrelaçadas na ausência, ligadas através de distâncias impossíveis, uma e outra carregando memórias; a transmutação que desafia o tempo e o espaço. A observação que cria a realidade; a realidade que se dissolve no acto de ser observada.


quarta-feira, 4 de junho de 2025

 

E, acima de tudo, é livre no pensamento.

É o mais belo cumprimento que me dirigiram hoje; não sei bem por que me senti tão frágil...