domingo, 26 de outubro de 2025

 


É tarde, e conduzo eu. À esquerda, há muitos anos a primeira vez, mas não esqueci. À esquerda, onde o corpo hesita antes da memória.

Ao meu lado dormes um sono tranquilo. Um corpo imóvel é uma forma de paz. Um álibi. O meu corpo vibra. Está desperto, alerta. Um desvio ligeiro antes da curva perfeita; do javali cor da noite, uma linha a tracejado na contramão do abismo recto. O ruído baixo do motor. Gosto. O vulto negro da montanha mesmo antes da dissolução sob o veio de luz macilenta.

A estrada é um animal dócil se a olharmos de frente.



quinta-feira, 23 de outubro de 2025

 


The acceptance of oneself is the essence of the whole moral problem and the epitome of a whole outlook on life.



Carl Gustav Jung



sábado, 11 de outubro de 2025

Amante devota (aprendiz, desastrada) da língua portuguesa, e, nela, da palavra escrita, há momentos em que a própria palavra me é ruído. Admito. Talvez leias o meu pensamento, não sei; às vezes, creio que sim. Ou não serei eu, apenas me revejo e, imaginando-me, encontro-me.

Abri um magnífico tinto do meu Douro. Celebrar. Vou acreditar que há realmente um plano de paz em marcha, capaz de estancar a orgia de sangue na faixa de Gaza e de normalizar a discussão sobre o "direito à defesa" de Israel. O que pode haver de condenável? E celebro também o Nobel de María Corina Machado. Ouço detractá-la, que é amiga de Abascal e admiradora de Trump; mas, entretanto, resiste, recusa, enfrenta o déspota Nicolás Maduro. Sempre me pareceu absurdo considerar a possibilidade de distinguir como agente da paz um homem como Donald Trump, capaz de incendiar o próprio país em nome da glória pessoal, messiânica, a política como uma horda de fanáticos subjugados a um deus menor. Uma seita. Mas, que sei eu? Movo-me entre muros de papel, sob uma lei esgotada.


sexta-feira, 12 de setembro de 2025

 



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"Billy Joel: And so it Goes": na HBO, para quem gosta de Billy Joel, e para quem ainda não sabe que gosta de Billy Joel. Dizem-me que "Piano Man" anda por todo o tik tok; não faço ideia, mas, se assim é, há esperança.




The Giant´s Causeway




A mim também me parece um enorme favo de mel, mais do que uma calçada de gigantes. 

A Natureza é artesã exímia – precisa, paciente, geométrica. Implacável. Não há lenda que lhe iguale o génio. Inventamos histórias para suportar a simplicidade da perfeição.

















quinta-feira, 11 de setembro de 2025

 

Seja tradição, misoginia, influência dos vikings, do alemão ou do latim, a verdade é que me seduz que, de um navio, em inglês, se diga she.  And she will, garantia o Mr. Andrews de James Cameron sobre o iminente naufrágio do Titanic. Por coincidência, (re)vi o filme a poucos dias de viajar para a Irlanda; intencionalmente, voltei a vê-lo no regresso. Gosto de histórias bem contadas, e o Titanic de Cameron é, essencialmente, uma história bem contada. Triste no que tem de real e trágico, medonhamente romântica, e muitíssimo bem contada. O museu que Belfast dedica ao magnífico e efémero navio é interessante, não sei se absolutamente imperdível, mas impressiona ler e ouvir testemunhos de sobreviventes e, sobretudo, perceber como pequenos erros e pequenas contrariedades concorreram para o desastre. Estava longe de imaginar que, daí a poucos dias, choraríamos os mortos do icónico e nosso elevador da Glória, mas lembro-me de pensar em desgraça no regresso, durante a aterragem desajeitada no aeroporto de Lisboa, a cidade tão perto que parece possível tocar.

A estátua de James Joyce é em Dublin, não em Belfast, Irlandas diferentes, eu sei, mas vou deixar aqui. Também por coincidência, a primeira “notícia” que me apareceu nada mais desligar o modo de avião foi a crónica de Miguel Esteves Cardoso sobre como ler Ulisses: ando a fazê-lo há um ano, há momentos em que me aborreço de morte e outros em que pasmo de admiração – como é que se consegue aquilo?


 


Irlanda encantada

 












Há tanta coisa extraordinária no que já se conhece sobre o acidente e sobre a empresa responsável pela manutenção do malfadado elevador da Glória – extraordinária e, ao mesmo tempo, tão desgraçadamente típica daquele oportunismo manhoso que nos (des)governa –, que mais extraordinário ainda é não ter havido mais e maiores tragédias. Ocorreu agora, com Carlos Moedas na presidência e assustado como uma lebre (pensar que houve um tempo em que o vi como alguém sério e capaz…), como poderia ter ocorrido com outro qualquer, talvez até com outra empresa: um descarrilamento em 2018, aparentemente, com “grandes falhas na manutenção dos rodados”, foi tratado com a complacência do costume, e que só se percebe pela demissão cívica, social, política, que aceitamos com a resignação dos derrotados. Tudo parece permanentemente improvisado; deve ser por isso que tanto rezam missas as ilustres trindades da pátria.

Para fazer diferente, Carlos Moedas não precisava de berrar contra Medina, uma paródia que há-de persegui-lo até em sonhos: podia ter começado por mandar analisar à lupa em que condições guarda Lisboa os seus barris de pólvora, por mais belos, apetecíveis e rentáveis.

A percepção – tão cara ao primeiro-ministro quando convém – é a de um país espoliado e exausto, que sobrevive apesar dos saqueadores do Estado e aos ombros de gente animada de boa vontade e solidariedade, como os médicos que interromperam férias para resolver e ajudar. Ainda se aprendêssemos, de facto, alguma coisa.


terça-feira, 12 de agosto de 2025