terça-feira, 29 de julho de 2025

Li a entrevista de Pedro Paixão e corri a comprar o seu "Desvio da Memória”. Não compro muitas coisas por impulso, mas compro muitas vezes livros por impulso. E gosto do autor.

Nas últimas semanas tenho lido (e relido) muitos livros sobre os horrores do Holocausto. Consome-me perceber a dimensão do ódio de que fomos capazes – e como se ultrapassa tão facilmente essa fronteira. O horror chega muitas vezes de olhos limpos. Kathrine Kressmann Taylor escreveu “Desconhecido Nesta Morada” assediada pela perplexidade que lhe causava perceber como alguns dos seus amigos “alemães, cultos, intelectuais, generosos"de regresso à Alemanha depois de terem vivido nos EUA, rapidamente se tornavam "nazis convictos": "Recusavam-se a ouvir a mínima crítica a Hitler. Durante uma visita à Califórnia, encontraram na rua um velho amigo deles, que em tempo estimavam, com quem tinham uma relação estreita, e que era judeu. Não lhe dirigiram a palavra. Voltaram-lhe as costas quando ele estendeu os braços para os abraçar. 'Como isto é possível?', perguntei a mim própria.”. É um livro extraordinário. Quase um livro. Curto. Uma “ficção epistolar”. Lê-se como um catecismo. O de Pedro Paixão é como uma bíblia, difícil, denso, labiríntico. Vou saltando páginas, volto atrás, recomeço. O calor ígneo que larva lá fora concede-me desculpas para não sair e declinar convites.

Livros e viagens: são a minha ruína. Mais cem anos viveria, e ainda assim sem tempo de me saciar. E para cada viagem devo preparar os livros que quero levar. “Desvio da Memória” será impossível. 

Também gosto de preparar as viagens de carro com um mapa de papel, que abro no chão da sala para poder pensar melhores caminhos. Isso é tão século passado, mamã. Não é? Eu sei, mas gosto assim. É-me impossível traçar um percurso sem essa visão global, quase física, do espaço. Depois usarei os mapas virtuais; em tempo real. Agora não. Conforta-me o toque; a ausência de um écran. Imagino que o Armageddon há-de chegar por uma ordem primária, um desses apagões informáticos, dramático, igualmente implacável, quarenta dias e quarenta noites de silêncio absoluto para remissão dos nossos pecados, mas sem a ajuda de Deus. Até ele já desistiu de nós.