quarta-feira, 29 de março de 2023



E eu? O que sabes tu de mim? Da minha Lua, da minha carne, do meu Ocaso, das chamas, dos mapas que se abrem na minha pele?


terça-feira, 28 de março de 2023

Mercadores de Gelo, ou também

Li João Gonzalez (o rapaz que colocou este pequeno país no mapa dos Óscares) dizer que é fascinado por sonhos, que nunca esteve nem nunca vai estar em locais da sua vida tão interessantes como nos sonhos, que o ponto de partida para Ice Merchants (que, ao contrário do que também ele diz, suportaria condignamente o título português) foi uma casa no precipício que, deduzo eu, lhe terá surgido na antecâmara de um sonho; e eu, que raramente recordo o que sonho, se sonho sequer, que, quando recordo, o que recordo não passa de um fragmento minúsculo, um toca e foge do meu inconsciente enfadonho que não enche duas linhas de ilusão, eu, dizia, deixo-me encantar por gente capaz de agarrar os sonhos com duas mãos cheias de vontade, arranca-los de lugar nenhum e fazê-los viver, vibrar, sonhar outra vez.

Não sei se Ice Merchants perdeu um Óscar imerecidamente, se lhe faz falta a insígnia, não é o meu género de filme, não sou de curtas-metragens, nem de Óscares, por sinal, e percebo pouco daquilo que faz estremecer a crítica, tudo em todo o lado ao mesmo tempo faz-me desistir só pelo nome, mas Mercadores de Gelo é um sonho espantoso.

Entretanto, fui abalroada por este “A Gaffe Censurável”. Por falar em talentos espantosos. Querida Gaffe, como não consigo comentar aí, por minha culpa, minha tão grande culpa, desisto; trago-te para aqui. Pergunto-me se não terão excomungado as irmãs, se aquela alegria desapiedada pelos mármores de David não será demasiado para os padrões da debilidade moderna. Verdadeira maravilha. A propósito, o diretor da Galleria dell'Accademia resolveu não deixar os pais da Florida na paz da sua ignorância e convidou-os a ver David ao vivo, enfim, tão vivo quanto possível, e muito mais casto do que um ou outro verso de Álvaro de Campos.

Agora, vou ouvir Lana Del Rey; consertar-me e concertar-me em tons dourados de orquídea que florescem no jardim.



segunda-feira, 13 de março de 2023

sábado, 11 de março de 2023


 

Do outro lado da rua os canteiros encheram-se de flores de jasmim. A meio da manhã e a meio da tarde – não sei se me distraio no tempo restante ou se os jasmins são realmente caprichosos nos seu desabrochar –, pela minha janela quase sempre aberta, o ano inteiro quase sempre aberta, entra o cheiro adocicado e forte das pequenas flores brancas e estreladas. Enjoa-me, o cheio do jasmim, e acho muitas das flores desengraçadas. Enjoa-me o cheiro do jasmim, como me enjoa o cheiro dos jacarandás, mas do outro lado da rua não há jacarandás. Há uma árvore baixa, de coroa aparada e rasa, e um coro de pássaros em assobios repenicados, que o motor engasgado de um carro velho teimando em não pegar acabou por espantar. Calaram-se os pássaros, calou-se o motor. Só o cheiro do jasmim ainda persiste. Ia contar que os jasmins cheiram-me sempre a morte, mas também não estou bem certa de que a morte cheire ao mesmo em cada canto escuro do mundo. 


sexta-feira, 10 de março de 2023

Papa Don't Preach

De todos os crimes mais ignóbeis entre os crimes mais ignóbeis, o abuso sexual de menores é o que me causa maior repulsa e repúdio. O abuso sexual de menores cometido por sacerdotes sobre crianças à sua guarda e com a cumplicidade da Igreja, pregadora de uma moralidade quase perversa, hipócrita demasiadas vezes, está muitos degraus abaixo dessa repugnância – é infame e não merece perdão. Mas não é só de perdão que se trata, porque não é só de pecado que se trata. As declarações, aviltantes, que têm vindo a público por parte de altos representantes dessa Igreja em Portugal só são possíveis sem que rolem cabeças porque Portugal é este país pequeno, de brandíssimos costumes e corredores estreitos, onde é difícil aquela separação que dizem de poderes e que faz dos Estados Democráticos pessoa de bem. A vizinhança promiscua permite e perpétua um leito lodoso de interesses onde se deita a nata de uma suposta representatividade da nação, de onde a Igreja saiu mas não muito. É a mesma razão por que Miguel Pinho pôde confessar, com quase candura, que sim, que fugia ao fisco cumprindo a normalidade histórica que corria pelo grupo Espírito Santo, ámen. Ou melhor, hélas. O homem está profundamente arrependido. O arrependimento é novo ópio de um certo povo. O esquecimento está um pouco gasto, e não dá o mesmo gozo. Para não falar dos últimos episódios da TAP, outra tragicomédia muito portuguesa.

O bispo de Beja resolveu lembrar-nos que todos somos pecadores, um AVC impediu-o de responder ao pedido de entrevista da Comissão Independente e o episódio deixou-lhe mazelas, que deve ser uma forma de se lhe entender os desígnios de perdão para os padres pedófilos – a outra é a principal, e a que levou à degradação a que se vem assistindo. Diz D. José Ornelas que a Igreja não é um antro de pedófilos, mas a Igreja talvez seja um reduto de homossexualidade mal resolvida, ou intencionalmente não assumida por vários motivos, nem todos muito católicos. E o cardeal-patriarca de Lisboa preferiu fazer tábua rasa do trabalho da Comissão Independente, brandindo a banalidade de uma “lista de nomes”, como se essa lista de nomes fosse inócua, rabiscada num intervalo qualquer de afazeres mais elevados. Se a presunção de inocência é um direito inviolável, a protecção das crianças e jovens à guarda da Igreja não pode sê-lo menos. Deve haver um caminho menos odioso do que permitir que tudo fique na mesma. 


sábado, 4 de março de 2023



Não te esqueças de ouvir a noite. No seu canto de sereia. O vento varrendo as ruínas de um tempo que não volta, o vazio a ausência, o canto escuro das palavras por abrir, botões de orquídeas no terraço, fechados por dentro como pequenos punhos, pequenos campos de batalha, as palavras, ama-se sangra-se morre-se. A sombra que tomba e se estilhaça sobre a laje fria das minhas páginas em branco. Às vezes. Talvez te procure aí.


sexta-feira, 3 de março de 2023



quarta-feira, 1 de março de 2023

O Pássaro de Ouro

 



"Photograph: Issei Kato/Reuters", The Guardian