De
todos os crimes mais ignóbeis entre os crimes mais ignóbeis, o abuso sexual de
menores é o que me causa maior repulsa e repúdio. O abuso sexual de menores
cometido por sacerdotes sobre crianças à sua guarda e com a cumplicidade da
Igreja, pregadora de uma moralidade quase perversa, hipócrita demasiadas vezes, está muitos degraus abaixo dessa
repugnância – é infame e não merece perdão. Mas não é só de perdão que se
trata, porque não é só de pecado que se trata. As declarações, aviltantes, que
têm vindo a público por parte de altos representantes dessa Igreja em Portugal
só são possíveis sem que rolem cabeças porque Portugal é este país pequeno, de
brandíssimos costumes e corredores estreitos, onde é difícil aquela separação que
dizem de poderes e que faz dos Estados Democráticos pessoa de bem. A vizinhança
promiscua permite e perpétua um leito lodoso de interesses onde se deita a nata
de uma suposta representatividade da nação, de onde a Igreja saiu mas não muito. É a mesma razão
por que Miguel Pinho pôde confessar, com quase candura, que sim, que fugia ao
fisco cumprindo a normalidade histórica que corria pelo grupo Espírito Santo,
ámen. Ou melhor, hélas. O homem está profundamente arrependido. O arrependimento
é novo ópio de um certo povo. O esquecimento está um pouco gasto, e não dá o
mesmo gozo. Para não falar dos últimos episódios da TAP, outra tragicomédia muito portuguesa.
O bispo de Beja resolveu lembrar-nos que todos somos pecadores, um AVC impediu-o de responder ao pedido de entrevista da Comissão Independente e o episódio deixou-lhe mazelas, que deve ser uma forma de se lhe entender os desígnios de perdão para os padres pedófilos – a outra é a principal, e a que levou à degradação a que se vem assistindo. Diz D. José Ornelas que a Igreja não é um antro de pedófilos, mas a Igreja talvez seja um reduto de homossexualidade mal resolvida, ou intencionalmente não assumida por vários motivos, nem todos muito católicos. E o cardeal-patriarca de Lisboa preferiu fazer tábua rasa do trabalho da Comissão Independente, brandindo a banalidade de uma “lista de nomes”, como se essa lista de nomes fosse inócua, rabiscada num intervalo qualquer de afazeres mais elevados. Se a presunção de inocência é um direito inviolável, a protecção das crianças e jovens à guarda da Igreja não pode sê-lo menos. Deve haver um caminho menos odioso do que permitir que tudo fique na mesma.