quarta-feira, 29 de junho de 2022

“Ouve a luz

Como ainda tem o sabor das algas


Deixei-lhe escrito um recado

Das nuvens


Não te esqueças de ouvir a luz


Não te esqueças que ao sol pôr

Também eu morro


Não te esqueças

 

Daniel Faria



terça-feira, 28 de junho de 2022



Continua a ser uma das melhores músicas dos Xutos. Não tenho medo de envelhecer. Tenho medo de não saber envelhecer assim, como algumas das minhas músicas. Hoje é esta. Acordei, e estava lá.


sábado, 25 de junho de 2022


Ordo Ab Chao 

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Sou escrava do meu trabalho. Sou totalmente escrava do meu trabalho. Os últimos dois meses em particular têm sido uma loucura de que dou conta a pouca gente porque é coisa realmente indecente, o número de horas que cumpro escrupulosamente mergulhada em coisas chatas, e fórmulas e leis e contas e reactores e reagentes, números reais, outros imaginários, e que só não se tornam insuportáveis porque, um, adoro o que faço (provavelmente, porque não sei fazer outra coisa), dois, não tenho chefe (ou tenho, mas sou eu mesma, logo, aturamo-nos razoavelmente bem na maior parte dos dias), três, quando acabar, se não me acabar, tenho os dias de férias que mereço e alguns dos que não mereço também, quatro, entre todas as outras coisas imprescindíveis à vida que vale a pena ser vivida, pelo menos daquelas coisas que o dinheiro pode comprar, é o meu trabalho que me permite viajar. E eu preciso de viajar.

domingo, 19 de junho de 2022

A menina de cabelos de ouro claro, tranças longas de Rapunzel, sabe de cor todas as letras de Liam Gallagher. Dá-me pelos joelhos, pouco mais. É maravilhosa. Ainda há fãs de Oasis no público? Como assim, ainda há fãs de Oasis no público? Já não havia Oasis há anos quando a Rapunzel nasceu e a Rapunzel canta Wonderwall como quem canta uma canção de embalar. Liam Gallagher pode tê-la odiado, enjoado, o que seja: continua a ser uma bela canção.

Depois há, e houve, Muse. Adoro Muse. É oficial. Não sou fiel, não são os únicos, mas adoro-os. Apostei que não chovia. Choveu. Se não fosse porque não me sobrou pedaço de pele ou de roupa secos, nem tinha dado por isso.




sexta-feira, 17 de junho de 2022



Perguntem-lhe com bons modos. Vá lá...

Aquela amiga que me lamenta porque não tenho Twitter envia-me, de tempos a tempos, pequenos pedaços daquele outro admirável mundo – para me tentar, digo eu, para me mostrar o que ando a perder, diz ela.

Há dias (há mutíssimos dias, mas lembrei-me ontem a propósito de uma conversa com outros amigos), enviou-me uma conversa fantástica: “- Escribe una historia triste usando solo tres palabras; - Santiago Calatrava, arquitecto. Em Espanha precisam de saber quão detestada é a gare do Oriente em Lisboa”. Qualquer coisa assim. Muito bom. Temos um cardápio guloso, inesgotável, de histórias tristes; com menos palavras ainda. Falência do Estado usando apenas duas: José Sócrates. E podemos substituí-las sem comprometer o guião, sem subverter o enredo: Joe Berardo; Ricardo Salgado, e por aí adiante, entre os vivos e os mortos. Se calhar não vale, é batota aquilo das duas palavras apenas. Parece mais uma espécie de “Ocean’s Eleven” sem o glamour de outros patifes. Não se pode ter tudo, mas temos uma parte. Temos o George Clooney, é verdade; dizem as más-línguas que numa espécie de assalto às melhores praias da nossa costa, sob a forma de grande empreendimento turístico para português ver de longe. Em qualquer caso, o casino somos nós. Não sei se dá outro bom filme, mas, a vida de José Sócrates dava, seguramente, um bom livro. Alguém o escreva antes da minha morte. Não é seguro que se regresse, e eu gostava mesmo de saber a história toda.

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Também eu precisava de falar-te ao ouvido. Contar-te, em segredo, das crateras lavradas de sombra onde me ausento e me demoro. O teu nome no meu nome. Também ardem, os nomes? É teu o rosto que soletro. Às vezes. Na ponta dos dedos. E teu o corpo que guia o meu corpo. São tuas as mãos que me desenham e adivinham. Sem urgência. Lenta e demoradamente. Num instante, tudo se desfaz. Mas eu não quero, não deixo, não consinto. É verdade, era mais fácil quando tudo era nada. Só se é como era uma vez.


terça-feira, 14 de junho de 2022

Herdou o pragmatismo do pai. A sua inteligência limpa, cirúrgica; bastante irritante, às vezes. Herdou os meus olhos e, gosto de pensar, também um pequeno pedaço do meu irrealismo e ausência, sem os quais o mundo seria bastante mais insuportável. E a minha paixão pela leitura. Ainda não a sente bem como paixão, mas eu já sei que é paixão.

Pergunta-me se eu não tenho uma conta no goodreads. Diz-me que tem uma conta no goodreads, que também é lá que descobre livros que quer ler, e pode impor-se metas de leitura, mas eu não quero metas de leitura, nem grupos de leitura – “grupos de” é coisa que não me convence.

Pediu-me para lhe comprar um livro que descobriu há uns dias, já não sei se no goodreads. É de Matt Haig – de quem creio que nunca antes ouvi falar – e conta a história de Nora, uma mulher infeliz que decide morrer e acaba por descobrir-se numa livraria onde cada livro conta a história de cada uma das vidas que poderia ter vivido se, a cada passo, tivesse feito uma escolha diferente. “É um conceito mesmo fixe, não achas?” É, é um conceito mesmo fixe, eu também acho. Quando acabares, também quero ler.


sexta-feira, 10 de junho de 2022

 



Nunca fui capaz de apreciar devidamente o génio e a arte de Paula Rego, creio. Há, naquele traço ostensivamente grotesco, uma evidência tão c(r)avada de realidade, de ausência intencionada de belo no sentido tradicionalmente estético do termo, que me esvazia. A violência rude das histórias de Paula Rego é o retrato perfeito de um mundo mais que imperfeito – hostil, tirano, abusador, acusador, tantas vezes insuportável. É realmente preciso coragem para pintar assim, para imaginar assim, mesmo que esse imaginar se alimente de todos os vícios, de todas as pestilências, de todos os mundos. E é preciso dominar – mais do que possuir – um imenso talento. Um talento absurdo. Posso não saber ver, posso não suportar ver, mas isso não significa que não seja capaz de me espantar, com desmedido assombro, quando olho um quadro de Paula Rego. É estranho, que não me entregue à sua obra como me entrego à das palavras que contam o mesmo mundo que contam os seus quadros, a mesma maldade e fealdade, os mesmos pecados (sete, mais de sete, outros sete que não aqueles), os mesmos demónios. Ler não é o mesmo que ver. Ou, talvez, as palavras não me impressionem assim tanto, afinal, e esse desassossego em que me escondo quando leio seja apenas uma farsa que ergui para fugir de todas as mulheres que sou, com que me cruzo e reconheço, nas telas e nas teias dos mundos de Paula Rego.

Seja lá o que isso for, hoje é dia de Portugal. Não é o jubileu britânico – que somos mais cinzentos, apesar de dispormos de mais dias de sol – mas ainda é dia de celebração de qualquer coisa que ameaça com sê-lo cada vez menos e de que, entretanto, me perdi. Para qualquer lado que olhe, assalta-me o país por reformar. Incompetente e pequeno, de várias maneiras. Nem o hino, hoje, me tranquilizou. Viva Portugal, suponho.

quarta-feira, 8 de junho de 2022

"Acabo de escribir infinita. No he interpolado ese adjetivo por una costumbre retórica; digo que no es ilógico pensar que el mundo es infinito. Quienes lo juzgan limitado, postulan que en lugares remotos los corredores y escaleras y hexágonos pueden inconcebiblemente cesar, lo cual es absurdo. Quienes la imaginan sin límites, olvidan que los tiene el número posible de libros. Yo me atrevo a insinuar esta solución del antiguo problema: La biblioteca es ilimitada y periódica. Si un eterno viajero la atravesara en cualquier dirección, comprobaría al cabo de los siglos que los mismos volúmenes se repiten en el mismo desorden (que, repetido, sería un orden: el Orden). Mi soledad se alegra con esa elegante esperanza."

La Biblioteca de Babel

Jose Luis Borges

domingo, 5 de junho de 2022



sábado, 4 de junho de 2022

Deixo que me conte das portadas das lojas ancestrais, tão bonitas, de madeira entalhada em vivos relevos, os padrões geométricos, imperfeitos, versículos do Alcorão em rebordos tortuosos, arabescos dourados ou negros, esfumados, labirínticos como o bosque cinzelado de ruas estreitas, mudas sob o manto pesado da noite sem luar, e um silêncio macio e denso, tão denso que posso senti-lo latejar, arquejar, rastejar entre paredes e arcos, elevar-se, estrangular o eco vidrado dos cascos do cavalo contra a pedra polida, brilhante brilhante, como o hálito da lua que desde ali não se vê.


Tiananmen

 


Acho que é a isto que se chama entretenimento





A primeira vez que vi e ouvi Adam Lambert foi há mil anos, talvez: fui parar a um programa da Oprah e lá estava ele a cantar o “Whataya Want From Me”. Fiquei até ao fim, ouvi a música outras mil vezes, decorei-a, enjoei-a e acho que nunca mais ouvi falar de Adam Lambert até saber que seria o novo vocalista do Queen, ou qualquer coisa parecida com o novo vocalista dos Queen. Adam Lambert não é Freddie Mercury, mas não precisa; até porque Freddie Mercury é inimitável, é evidente que Freddie Mercury é inimitável.

Como foi possível que eu nunca antes tivesse ouvido James Corden cantar (cantar assim, pelo menos)?

Foi tão bom tropeçar nisto. Ando demasiado zangada.

quarta-feira, 1 de junho de 2022



Mesmo não sendo uma fã que se preste ao choro, tenho o Personal Jesus como toque de chamada no meu telemóvel desde que tenho telemóvel desses espertos, onde podemos escolher a música preferida como aviso de chamada de voz. Nunca pensei nisso, se Personal Jesus é ou não é a minha música preferida, até porque sei que gosto muito mais de outra, Enjoy de Silence: se me perguntassem, não saberia responder – de tantas músicas que gosto, nem todas dos Depeche Mode, escolhi aquela porque escolhi aquela, e nunca mais me apeteceu mudar. Como alguns dos livros já lidos e relidos e que gosto de manter à cabeceira da cama, mesmo que nunca leia na cama. Não é espantoso que, de todos os livros que mantenho à cabeceira da cama, três sejam aqueles três, incontornáveis, de Emile Cioran, “Nos Cumes do Desespero”, “Do Inconveniente de Ter Nascido” e “Breviário de Decomposição”? Na verdade, “Nos Cumes do Desespero” não está lá de momento – o meu filho pediu-me que lho emprestasse, curioso que anda com a descoberta da filosofia, ou, mais exactamente, com a descoberta de alguns filósofos, e não sei se devia deixá-lo tão precocemente entregue ao desespero de Cioran, mas, antes comigo do que sem mim, vou estando atenta, vou perguntando, vou ouvindo e observando, sempre e não de agora, na ilusão de poder protegê-lo dos mundos que nem eu entendo bem, como se fosse esse o primeiro dever da maternidade, protegermos os filhos das agruras dos mundos que se lhes revelam  e que mundos viveriam os filhos, se não vivessem esses?

Também vi Rebecca, na Netflix.

Rebecca, Rebecca, ias tão bem nos primeiros planos, uma vibrante ameaça de gótico, o romance inevitável, o despontar do mistério, a assustadora Sra Danvers, de olhos flamejantes e ar picante de corvo. E, depois, nada; menos que nada e, ao mesmo tempo demasiado, um drama esgotado. Dizem que o melhor Rebecca é o primeiro, o do “mestre do suspense”, mas esse eu não vi. Vou ver. Qualquer coisa que me livre de todos os outros mundos que, por ora, não quero ver nem ouvir.