Tudo
no acto de votar me seduz. A antecipação, a solenidade, o poder de decidir, a
ilusão de mudança – mesmo que, muitas vezes, seja maior a ilusão do que a
mudança. É-me muito difícil compreender que alguém, conscientemente, abdique
desse direito; mais ainda, brandindo a sentença do “são todos iguais” etc. Não
concordo com a obrigatoriedade do voto, mas não entendo a desistência.
Os
portugueses votaram, e ver o mapa do país quase totalmente pintado a cor-de-rosa
causa-me quase tanta impressão como pensar nos doze deputados que o partido de André
Ventura acabou de eleger. Mas, é assim em Democracia. António Costa conseguiu a
maioria absoluta que o BE e o PCP juraram ser a sua intenção primeira ao não
ceder às reivindicações dos seus ex-parceiros de geringonça. Não sei se foi ou não foi, mas o PS, aparentemente, acabará por
aplicar o Orçamento detestado: aquela imagem de António Costa exibindo, sorridente, o seu encadernado azul, em frente às câmaras, no final do debate com Rui
Rio, vai demorar a esbater-se nos pesadelos de alguns. E só por muita
ingenuidade se pode pensar que António Costa estará aberto ao diálogo nos
próximos quatro anos.
Por
muito que me expliquem das razões da gente que vota no Chega "apesar de",
não chego lá. Como nunca percebi das razões idênticas no apoio a Donald Trump
ou a Jair Bolsonaro. Mas, se for esse o caso, se houver, realmente, algo de bom
na subida do Chega a terceira força política – ainda me custa escrever isto –, vamos, seguramente, ter oportunidade
de o comprovar nos próximos quatro anos. Até lá, gostaria que André Ventura
berrasse menos. O que se diria se aquele diabo vestisse saia.
Por
falar em diabo, o dito está mesmo nos detalhes. Se as sondagens não se enganaram,
outra vez, estrondosamente, se não houve manipulação grosseira dos cálculos,
Rui Rio é capaz de ter deitado tudo a perder nos detalhes, e nos detalhes ali da recta final. Do “em termos de eficácia, a justiça piorou desde o 25 de
Abril”, ao não há entendimento com o Chega, mas, se calhar até há, se uma
geringonça à direita assim o exigir, ensinou o dr. António Costa que se pode fazer diferente. Acho que foi o que levou muitos dos indecisos
a votar no PS: o medo de ver um Governo apoiado no Chega. De outra forma, não entendo um país que dá uma maioria absoluta ao PS que pariu alguém como Sócrates, ao mesmo tempo que abre os caminhos do Parlamento aos onze apóstolos de Ventura: mais um e era realmente bíblico.
Lamento
a saída de João Oliveira e de António Filipe do Parlamento e o fim do CDS. Também lamento o desnorte de Rui Rio naquela resposta disparatada a um jornalista, apesar de perceber a falta de paciência.
Desejo,
ainda assim e sobretudo, que a Oposição, toda a Oposição, saiba fazer o seu trabalho com a
responsabilidade que se exige: a partir de hoje, ainda mais.
Quanto ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, deve voltar ao beijinhos assim que a pandemia ou o fim dela o permitam: para o resto, resta pouco.