quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A Política Mora ao Lado

Acho que a primeira vez que vi Joacine Katar Moreira foi no programa de Ricardo Araújo Pereira. Era o tempo do Gente que Não Sabe Estar, estávamos em vésperas das eleições legislativas de 2019 e Joacine Katar Moreira era candidata pelo Livre. Nesse programa, Joacine proferiu duas frases que me ficaram na memória. Já não sou capaz de reproduzi-las fielmente, mas, o que disse, traduz-se exactamente assim: gaguejava quando falava, mas, muitos havia que gaguejavam a pensar; e que ninguém esperasse que, confrontada toda a vida com a circunstância de ser mulher e negra, escondesse, agora, a evidência (eventualmente, a vantagem, subentendia-se) dessa condição. Depois disso, lembro-me de ter ouvido alguém (vários "alguéns", na verdade) sugerir que a eleição de Joacine Katar Moreira como deputada pelo partido que ainda representava ficou a dever muito a essa entrevista que deu a Ricardo Araújo Pereira (nunca cheguei a perceber se teria sido por culpa da entrevista ou por culpa da gaguez).

Uma ou duas declarações de interesse: eu ainda sou capaz de me render facilmente ao humor de Ricardo Araújo Pereira; e, na altura, fiquei bastante impressionada com a ousadia de Joacine Katar Moreira. Não, não votei no Livre na altura e não vou votar no Livre agora, mas, sim, foi necessária uma enorme ousadia para assumir-se como candidata a um cargo político sem possuir uma das competências mais importantes para desempenhar esse cargo político com sucesso. Podemos fazer piadas, seria mais do que uma a incompetência, tanta graçafingir que não há nada de extraordinário no facto de uma mulher negra guineense e gaga propor-se ao exercício de um cargo de representação política no seio da Assembleia da nossa República; mas há. Aliás, podíamos ficar logo ali apenas pelo gago, profundamente gago, mesmo no masculino, e já seria tarefa hercúlea. Outra coisa diferente é criticar a conduta política da deputada, nomeadamente, naquela penosa novela que acabou com a sua saída do Livre (o próprio Livre fez bastante pelo desastre, sejamos justos).

E tudo isto porquê? Porque começa a parecer-me absurda esta promiscuidade crescente entre o humor e a política; ou, pelo menos, entre alguns dos seus actores. Bem sei que é um exemplo admirável e inequívoco de simbiose perfeita, mas começa a ter pouca graça. Não porque acredite que os programas de Ricardo Araújo Pereira possam moldar intenções de voto – para isso já temos as sondagens, não é, ou as Tracking Poll, como dizemos agora – mas porque começamos a ter dificuldade em distinguir os palhaços. Mas posso ser só eu. Afinal, foi preciso ouvir o RAP, também dizemos assim agora, para saber que ainda vive essa coisa chamada Big Brother e que um dos concorrentes é Bruno de Carvalho.