Há
muito anos que não passava férias em Espanha. Espanha e um pedacinho de França,
mesmo ali à mão, um pulinho para visitar Saint-Jean-de-Luz e L’Église Saint-Jean-Baptiste,
a bela igreja basca onde se celebrou o casamento de Luís XIV com a infanta
Maria-Teresa. Não foi por isso que lá fui, mas queria muito vê-la. Também dizem
que aí se filmaram algumas das cenas d' A Paixão de Shakespeare; não
sei, lembro-me quase nada do filme, e o que dizem é o que dizem, talvez volte a vê-lo um dia destes.
Mas
foi pelas Astúrias que me encantei. Apesar de quase quase ter sido atropelada
por uma vaca. Não seria a primeira vez, é um facto, mas seria a primeira vez no
sentido literal. Para que conste, nunca me meti com os bichos, segui
escrupulosamente as instruções das guias (que guiavam pouco, diga-se, uma
pequena apresentação, duas ou três instruções e a informação vital de que estaríamos
incomunicáveis na maior parte do percurso), andava distraidamente maravilhada
com os céus (dos Picos) da Europa àquela hora, e a coisa poderia ter corrido
muito mal. Valeu-me o meu anjo da guarda, que me fez surda aos cuidado!, cuidado!
que me gritavam do outro lado, e ainda bem. Se me tivesse voltado,
reagido de alguma forma àquela galopar solto e fundo no meu caminho, pois
claro, era isso que ressoava e fazia tremer ligeiramente o chão sob os meus
pés, é preciso estar mesmo com a cabeça nas nuvens…, talvez me tivesse enfiado, numa atrapalhação, na boca do lobo, que é como quem diz, nos cornos, generosíssimos, da vaca.
Assim, só vi o quadro quando o quadro já não era mais do que aquele corpanzil a
passar-me ao lado, rasante. Obrigada, Anjo Meu.
Dizia
que me encantei com as Astúrias. Mais do que tudo o resto, e o resto também é história;
e História: depois de ver a Catedral de Burgos podemos morrer sem ver qualquer
outra. Digo eu, que as persigo há anos e sei que ainda me falta caminho.
Sobre
o Guggenheim, que também vi e nunca tinha visto. Um amigo um pouco bruto e
muito avesso aos humores da “arte moderna” achou por bem prevenir-me: basta
vê-lo por fora; o que há dentro não interessa nada. O que há dentro, pelo menos
em parte, vai mudando, isso eu também sabia. Desta vez, entre outras artes, havia dentro Yayoi Kusama, Lynette Yiadom-Boakye e Oskar Kokoschka. Aquilo de que gostamos
ou não, na arte como no demais, não é explicável e importa apenas a nós próprios. Eu não gosto de Lynette Yiadom-Boakye, Oskar Kokoschka era um génio e Yayoi
Kusama é realmente esquizofrénica – no sentido formidável do termo. Não
compraria nenhuma das suas obras, até porque a minha conta bancária não permite;
se permitisse, não sei se me atreveria. Há um magnetismo quase maligno,
fabulosamente maligno, naquela explosão de formas e cores e traços e pontos e telas,
labiríntico, pegajoso como uma densa teia de aranha: um breve momento de pânico
e é o fim.
Já falei de Oviedo? Podia viver lá.