segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Podia, simplesmente, deixar este canto ao abandono, sem dar cavaco… salvo seja. Até porque será a segunda vez que apago um blogue. Da primeira vez pensei que o problema estava na plataforma, e agora sei que o problema sou mesmo eu. E problema é apenas uma forma de expressão infeliz. Acabou; é só. Não sou do mundo virtual. 

Podia deixar este canto ao abandono, blogues ao abandono é coisa que não falta, mas tal renúncia requer também um certo desapego de que não sou capaz. Parte disto sou eu, custar-me-ia bastante; mas, se por um lado já não quero, por outro, sabe quem me conhece, sou desastradamente incompetente nas despedidas. Isto nem chega bem a ser uma despedida – o blogue termina, mas, para lá do blogue, estarei onde sempre estive: a um email de distância, no máximo. Uma coisa quase arcaica, isso do email, mas muito razoável ainda.

Grata pelo vosso tempo.

Vivam bem.


_____________________________________________________________________________


sexta-feira, 15 de setembro de 2023

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Serviço Público

Gosto de gente capaz de dizer basta. Essa teoria muito bíblica de dar a outra face e amar os nossos inimigos não faz bem o meu género. Evito comprar guerras miúdas, posso exercer com enorme dignidade e a bem da minha paz de espírito o exercício do ignoramento, mas, com pouca gente e por pouco tempo – devia acrescentar-se ao ditado; para tudo há um limite, e quem cala não consente tudo, mas há calar e calar, consentir e consentir.

Este breve solilóquio a propósito de José Pacheco Pereira e João Lemos Esteves. O primeiro, para o bem ou para o mal, dispensa apresentações. O segundo, mais para o mal, foi professor assistente na Faculdade de Direito na Univesidade de Lisboa; não nessa qualidade mas enquanto nessa qualidade, inventou, escreveu e publicou no jornal Sol, where else?, uma calúnia em forma de artigo, visando José Pacheco Pereira: este seria um agente a mando do Governo do Irão, a quem os ayatollahs mimavam com luxos e privilégios vários a troco de uma espécie de consultoria e etceteras que cabiam apenas na imaginação injuriosa de João Lemos Esteves – era a “liberdade de expressão” do senhor professor de Direito na versão colunista a funcionar. José Pacheco Pereira exigiu provas da liberdade que Esteves expressava e, como não existissem, o caso seguiu com uma queixa-crime.  

O ex-professor, ex-colunista e, agora, caluniador assumido, confesso e condenado, apresentou-se em tribunal, munido de um rol de vinte testemunhas, entre as quais, Donald Trump e Michael Pompeo: se é para sonhar, que seja em great, como n'América daquele outro senhor, desculpando o termo.

A montanha de invenções pariu um rato careca, e João Lemos Esteves foi obrigado a admitir a infâmia e a ler um delicioso desmentido que começa assim: "Afirmo publicamente não corresponder à verdade tudo o que escrevi sobre a relação de José Pacheco Pereira com o Irão num artigo publicado no jornal Sol de 9 de Janeiro de 2021, que acabou por ser republicado em várias publicações anónimas", além de ter sido condenado a pagar uma indemnização a Pacheco Pereira; e Pacheco Pereira, ao zelar pelo seu nome, exerceu, também, um rigoroso acto de serviço público  será uma pequena gota na oceano da liberdade da calúnia, mas é qualquer coisa.


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

terça-feira, 12 de setembro de 2023

O Atlas não se conta. É preciso ter lá estado, no meio daquele nada em estado bruto, embriagante, quilómetros e quilómetros de estrada que às vezes nem é bem sem avistar uma alma viva e, nada mais parar o carro – todo-o-terreno, e um jerrican na mala porque nunca se sabia –, ver surgir gente sabe-se lá de onde, crianças curiosas que caminham horas para chegar a uma quase escola e conversam e falam francês. Pedem esferográficas, a lata vazia de rebuçados e umas sapatilhas velhas, que trazemos de reserva, porque dizem Nike, e os miúdos caminham quase descalços. Os desfiladeiros de rocha vermelha e árida, e, aninhadas nos seus vales pequenas aldeias de adobe, casas cor-de-rosa, cor da terra; ao longe, parecem de brincar, pouco mais do que barro moldado à mão, e, ainda assim, algumas com três e quatro andares e um sistema rudimentar de saneamento básico: um canal escavado na parede, do último ao primeiro andar, para um buraco enterrado no chão. Junto aos rios há verde, às vezes palmeiras, às vezes não chegam a ser rios, e tudo se mistura num cenário irreal de violentos contrastes. Por algum motivo não recordo os homens dessas minhas viagens pelo Atlas, na minha memória moram apenas as crianças; e, das mulheres, a das mãos de barro também, que nos ofereceu do pão acabado de cozer sobre a pedra quente – é bom, muito bom – os olhos fechados num sorriso pela alegria de partilhar o pouco que tinha, recusá-lo seria um insulto. A essa gente perdida nas entranhas da terra não há ajuda que chegue.


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Mais que uma varanda, a morte é um brevíssimo Ocaso. O que o olhar não alcança ainda é, e os que lembramos nunca nos morrem.




quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Há muito anos que não passava férias em Espanha. Espanha e um pedacinho de França, mesmo ali à mão, um pulinho para visitar Saint-Jean-de-Luz e L’Église Saint-Jean-Baptiste, a bela igreja basca onde se celebrou o casamento de Luís XIV com a infanta Maria-Teresa. Não foi por isso que lá fui, mas queria muito vê-la. Também dizem que aí se filmaram algumas das cenas d' A Paixão de Shakespeare; não sei, lembro-me quase nada do filme, e o que dizem é o que dizem, talvez volte a vê-lo um dia destes.

Mas foi pelas Astúrias que me encantei. Apesar de quase quase ter sido atropelada por uma vaca. Não seria a primeira vez, é um facto, mas seria a primeira vez no sentido literal. Para que conste, nunca me meti com os bichos, segui escrupulosamente as instruções das guias (que guiavam pouco, diga-se, uma pequena apresentação, duas ou três instruções e a informação vital de que estaríamos incomunicáveis na maior parte do percurso), andava distraidamente maravilhada com os céus (dos Picos) da Europa àquela hora, e a coisa poderia ter corrido muito mal. Valeu-me o meu anjo da guarda, que me fez surda aos cuidado!, cuidado! que me gritavam do outro lado, e ainda bem. Se me tivesse voltado, reagido de alguma forma àquela galopar solto e fundo no meu caminho, pois claro, era isso que ressoava e fazia tremer ligeiramente o chão sob os meus pés, é preciso estar mesmo com a cabeça nas nuvens…, talvez me tivesse enfiado, numa atrapalhação, na boca do lobo, que é como quem diz, nos cornos, generosíssimos, da vaca. Assim, só vi o quadro quando o quadro já não era mais do que aquele corpanzil a passar-me ao lado, rasante. Obrigada, Anjo Meu.

Dizia que me encantei com as Astúrias. Mais do que tudo o resto, e o resto também é história; e História: depois de ver a Catedral de Burgos podemos morrer sem ver qualquer outra. Digo eu, que as persigo há anos e sei que ainda me falta caminho.

Sobre o Guggenheim, que também vi e nunca tinha visto. Um amigo um pouco bruto e muito avesso aos humores da “arte moderna” achou por bem prevenir-me: basta vê-lo por fora; o que há dentro não interessa nada. O que há dentro, pelo menos em parte, vai mudando, isso eu também sabia. Desta vez, entre outras artes, havia dentro Yayoi Kusama, Lynette Yiadom-Boakye e Oskar Kokoschka. Aquilo de que gostamos ou não, na arte como no demais, não é explicável e importa apenas a nós próprios. Eu não gosto de Lynette Yiadom-Boakye, Oskar Kokoschka era um génio e Yayoi Kusama é realmente esquizofrénica – no sentido formidável do termo. Não compraria nenhuma das suas obras, até porque a minha conta bancária não permite; se permitisse, não sei se me atreveria. Há um magnetismo quase maligno, fabulosamente maligno, naquela explosão de formas e cores e traços e pontos e telas, labiríntico, pegajoso como uma densa teia de aranha: um breve momento de pânico e é o fim.

Já falei de Oviedo? Podia viver lá.