sexta-feira, 29 de abril de 2022




Aposto que só para fazerem a vontade a David Attenborough. A Natureza obedece-lhe, tenho a certeza.



quarta-feira, 27 de abril de 2022

Acordei antes do despertador, com a voz dos pássaros numa tagarelice oleada de assobios rebolados e agudos, encaracolados como ondas de mar. Da minha janela ainda se ouvem os pássaros e ainda se vê o mar. Nunca vivi longe do mar. Penso sempre que jamais poderia viver longe do mar, e dou-me conta da enormidade que é pensar-se que jamais se poderia viver outra coisa diferente, como se a vida não se abatesse sobre nós como lhe convém. A liberdade de escolha, esse enorme embuste com que nos entretêm os sonhadores. 

Sinto o meu corpo morno, o braço um pouco dormente encostado ao rosto junto à minha boca. Sou capaz de dormir um sono inteiro sem mudar de posição uma única vez. Às vezes penso que não durmo: morro todas as noites e renasço a cada manhã – deve ser por isso que nunca sonho.

Sinto o corpo morno, levemente suado, e a pele do meu braço junto à minha boca tem um breve sabor a sal. Há um pequeníssimo instante em que tudo é perfeito, quieto, e sou só eu. Depois o despertador rebela-se, e avisa-me do mundo que chama por mim.


segunda-feira, 25 de abril de 2022




Ao contrário de outra gente, não estou preparada para ver o PCP desaparecer, renegado e condenado ao ostracismo. O único partido que eu gostava mesmo muito de ver desaparecer é o CHEGA – enquanto não desaparece, o partido de André Ventura merece todas as piadas que se possam fazer à sua custa, as boas, as más e as assim-assim: já devo ter escrito isto aí por qualquer lado.

Talvez seja apenas saudosismo, o meu carinho pelo PCP. Não vivi o 25 de Abril que celebramos hoje. Nunca fui comunista. Os meus pais nunca foram comunistas. Mas o meu avô paterno era orgulhosamente comunista. Perigosamente também, porque o foi num tempo em que, o normal, era ir-se preso por isso, e ser preso, como é sabido, não era o pior dos cenários. Tenho muitíssimas dúvidas do seu apoio a esta posição pública do seu partido. Talvez me dissesse, filha, perdoa-lhes, porque, em matéria de política internacional, não sabem bem o que dizem. E é exactamente o que eu acho. Também acho que a Democracia está em sério risco, não necessariamente pelos mesmos motivos por que outros pensam o mesmo. Por isso, sim: 25 de Abril Sempre. Todos os dias do ano.

"Não há corpo igual. Não há cheiro nenhum no mundo que colmate o meu vício por ti. Não há tragédia igual. Drama incorruptível.
O tamanho de tudo, encaixe perfeito, a dimensão do conjunto e a distância entre opostos.
O que aporto eu? Flores. Mecanismos para deliciar. Sorrisos repartidos ao pôr-da-lua. Fazer ver a leveza do mundo, afinal. São flores que eu aporto. A minha caneta, o meu lápis, a tua vida no meu caderno-para-sempre. Votos de mar a vida inteira.
Leva-me. Está a ficar escuro. Tenho tudo tão pertinho.
Há uma pornografia íntima nisto nosso. Dá água na boca."

Patrícia Baltazar

domingo, 24 de abril de 2022

Ainda assim, de vez em quando preciso de uma leitura inconsequente. Um livro raso, que me distraia e não me consuma. Como fazer palavras cruzadas, um quadro de ponto de cruz ou um debrum de crochet: não me serve para muito, mas tranquiliza-me. E, como há anos que não faço palavras cruzadas, ponto de cruz ou crochet, viro-me para esse tipo de livros que só se lêem uma vez, porque uma vez basta para que logo acabem de dizer o tudo e o pouco que tenham para dizer. Pode ser um José Rodrigues dos Santos, mas, no caso, foi “O Último Olhar”, de Miguel Sousa Tavares. Qualquer um deles se atura melhor a ler do que a ver e ouvir, mas não sei qual dos dois se escandalizaria mais se tropeçasse nisto, nesta equivalência mal-amanhada, sendo evidente que se desprezam estimadamente. Falo dos autores, não dos livros, evidentemente. Não interessa nada. Interessa-me apenas dizer que o homem que escreveu “Equador” ou “Rio das Flores” não é o mesmo homem que escreveu “O Último Olhar”. Ou eu era demasiado nova e demasiado fácil de contentar então. Não é tão mau, sofrível como dele se diz aqui – aquelas frases soltas, descontextualizadas tornam-se demasiado trôpegas, apesar de tudo injustamente trôpegas, muito mais estéreis do que são realmente quando se lê tudo –, mas está longe de deixar marca.

E, ainda sobre livros, é a segunda vez que alguém, outro alguém, me envia um email a indicar-me um livro com a sugestão de falar dele neste canto. Partindo do princípio que não houve equívoco em nenhuma das vezes – coisa que se me afigura bastante mais razoável, tendo em conta o número insignificante de leitores, e apenas o número de leitores é insignificante e é exactamente como eu gosto, que tem o “outradecoisanenhuma” –, devo dizer, primeiro, que me deixa profundamente sensibilizada, que gente que não conheço nem virtualmente falando (escrevendo, em bom rigor) use do seu tempo para ler o que aqui escrevo – coisa que eu também faço, é certo, mas porque há blogues realmente bons –, segundo e mais grave, que haja quem possa pensar que alguma coisa do que aqui escrevo possa ter esse tipo de eco noutras paragens. Não tem e não pretendo que tenha. Tanto mais, que este é um blogue que nem sei bem se chega a sê-lo, nunca me apeteceu aprofundar as razões de por que escreve em blogues quem escreve em blogues. Há umas razões mais evidentes do que outras, algumas das quais me repugnam especialmente – algumas das que se apontam nestas magníficas Avenidas, numa escrita tão indecente de boa que devia ser proibida (que ninguém se atreva, não te atrevas tu, que me fazes demasiada falta) –, mas as minhas são bastante inúteis, e em nenhuma delas pretendo aconselhar ou desaconselhar, leituras ou outra coisa qualquer, matéria, a dos conselhos, em que sou absoluta e dedicadamente incompetente.

sábado, 23 de abril de 2022

Devo ter atingido a idade em que já disponho de mais livros do que aqueles que serei capaz de ler até ao fim dos meus dias. Creio. Pode ser ao contrário, é contabilidade que também serve, embora eu não tenha feito realmente um acerto dessas contas. Inúteis. Há sempre outro livro que me apetece. 

No outro dia, um dia qualquer, em conversa com uma amiga que trabalha numa biblioteca municipal discutíamos sobre a correcção daquele número de não leitores portugueses: os sessenta e um por cento que, em 2020 não leram um único livro impresso. Podiam ter lido digitalmente, conjugação pavorosa, mas parece que nem por isso; ou dez por cento disso, diz o inquérito. Dois mil inquéritos. Não sei. Custa-me acreditar naquele número. Dois mil inquéritos são apenas dois mil inquéritos, por muito que se tente e (re)busque a “representatividade da amostra”. E nos doze meses anteriores ao início da pandemia, oitenta por cento dos portugueses não terá entrado numa biblioteca ou num arquivo. Num "arquivo" ainda entendo, mas, numa biblioteca? 

Discutíamos sobre bibliotecas, precisamente, e sobre se as populações sabem da possibilidade de requisitarem livros de ler, nas bibliotecas municipais. Gratuitamente. Quem não pode ou não quer comprar livros, aí tem a solução para ler, se quiser ler, se gostar de ler. Eu própria devia usá-la mais. Gasto pequenas fortunas em livros. Sem contar o que deixo de viver lá fora, encarcerada no silêncio lancinante dos livros. Mas gosto de possuir os meus livros. Sou caprichosa e ciumenta com os meus livros. Salvaram-me sempre. Perdoo-lhes o mundo que me roubam pelos mundos que me oferecem. 

Se a minha vida se contasse em livros, se ao menos o meu tempo se deixasse contar. Domar.


 


Estou quase quase a render-me ao Twitter

Na verdade não estou, mas isto é uma maravilha. Duas maravilhas.






sexta-feira, 22 de abril de 2022

“Mas o que tornava preciosos a Kublai todos os factos ou notícias referidos pelo seu inarticulado informador era o espaço que ficava à volta deles, um vazio não preenchido por palavras. As descrições das cidades visitadas por Marco Polo tinham esse dom: podia andar-se por elas com o pensamento, nelas podíamos perder-nos, parar a apanhar o fresco, ou fugir a correr.”

As Cidades Invisíveis

Italo Calvino

 

Volto lá sempre que posso.

 


The week in wildlife, The Guardian

Guerra e Paz, segundo o PCP

Zelensky fugia para Lviv ao terceiro dia – como, ao quarto, vaticinava com sapiência militar um major-general qualquer para as câmaras de televisão –, a Ucrânia entregava-se aos braços libertadores da Rússia, sem alvoroço, dispensando a Europa e os EUA de uma solidariedade musculada, ao sétimo dia descansavam Vladimir Putin e os seus peões de brilhante xadrez político e geoestratégico, e, para a história do PCP, sobrava um momento Coreia do Norte e as dúvidas sobre se, lá por aqueles outros lados, sempre teria havido uma invasão russa, ou tudo não teria passado de uma operação realmente especial. Um dislate habitual no que toca à relação amorosa do PCP com todos os regimes amigos, e nem é coisa exclusiva do PCP, em boa verdade.

Mas Volodymyr Zelensky, essa abominável personificação do “poder xenófobo e belicista”, nazi senão dos quatro costados, dos costados que importam para exaltar o nojo comunista, incapaz de fazer pela cândida paz que o bondoso Putin lhe quer oferecer a todo o custo nem que para isso se veja obrigado a esmagar, uma a uma, cada uma das cidades da Ucrânia inteira, Zelensky o terrível, armou-se de escrúpulos estapafúrdios e vontades imprudentes de soberania e independência e outras ridicularias do género, e condenou o seu povo a um calvário sem perdão. E é neste discurso absurdo, obsceno às vezes, que o PCP se vê enredado – talvez por ter, como quase todos, pensado impossíveis os quase sessenta dias de guerra que se prolongam numa carnificina ébria de fúria e maldade.

Acredito que haja comunistas incomodados com o rumo do discurso oficial. É impossível que não haja. Desconfio que são, como alguns que eu conheço, os que se mantêm mais ou menos calados, esgrimindo, pontualmente, argumentos de outras guerras, mas sem demasiado alarme, que isto de condenar o pensamento único é muito bonito e nobre e livre, mas, nuns partidos, é bem mais livre do que noutros, mesmo que todos os partidos possuam essa espécie de identidade obediente de grupo que me aflige tanto como numa religião.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Em Nome de Um Certo Pensamento Único

Estou mais disposta a perdoar Zelensky do que a perdoar Vladimir Putin – ou Sergey Lavrov ou Alexander Dugin, ou por aí…

Ouvi alguém dizer qualquer coisa do género e é exactamente o que sinto. E quase, quase, que alinho na condenação sem simpatia ou piedade de todos os analistas, jornalistas, comentadores, generais e afins que têm vindo a público não dizer da infâmia que é a guerra de Putin: vou chamar-lhe sempre a guerra de Putin. Só não alinho fielmente no furioso arremesso de pedras e injúrias contra todos os que chafurdam na contextualização da inrazão (alguns não dão tantas voltas: estão, obviamente, obedientemente, do lado da Rússia e podem  é a vantagem de viver em democracia) da Ucrânia porque, ainda assim, sou capaz de encontrar algumas diferenças entre Carmo Afonso e Raquel Varela, entre Miguel Sousa Tavares e Alexandre Guerreiro, entre outros "incompreendidos" e "perseguidos" – pode bem ser por simpatizar mais com uns do que com outros (ou antipatizar menos com uns do que com outros, parece a mesma coisa mas não é bem) já que da miserável guerra pouco ou nada percebo.

Não rezo. Se rezasse, rezaria pela persistência da resistência ucraniana. Agora e sempre que esteja em causa um regime como o de Vladimir Putin contra uma democracia, qualquer democracia, por mais cheia de defeitos e vícios e falhas como alguns asseguram ser a democracia na Ucrânia. Tudo o resto, do país e do mundo, mas em particular do país, me parece quase irrelevante, nos últimos dias – do nosso Orçamento de Estado, à deriva do PSD, da mediocridade larvar que continua a fazer a pompa e a desgraçada circunstância da generalidade da nossa classe política, à insistência absurda no uso de máscaras em contexto escolar quando grande parte dos alunos de 11º e 12º ano acaba de regressar das "viagens de finalistas", em festas intermináveis na proximidade física que a idade manda, horas e horas de viagem em autocarros cheios, e se não for nada disso, os bares e as discotecas que funcionam sem máscara há mais de já não sei quantos meses, que até o tempo me parece corrompido.

O meu lado racional avisa-me da loucura que é não procurar a paz por todos os meios, não tentar estancar a brutalidade da guerra – olhar para as imagens que chegam de Mariupol e pensar na insanidade que é continuar a resistir, a vida suspensa, subterrânea, sob os escombros do Inferno. E, depois, há um outro lado de mim capaz de entender – de admirar, de apoiar, até, consciente da vertigem – aquela gente que prefere morrer a render-se à barbárie.

Não rezo, mas, se rezasse, rezaria também pela derrota de Marine le Pen. Quando penso num mundo livre concertado entre Le Penes e Trumpes e seus congéneres, parece-me sempre um mundo um tudo menos livre.

terça-feira, 19 de abril de 2022

O tempo e o espaço

esse início de tudo ainda por explicar

o material e o imaterial

uma sala de livros numa manhã de chuva

uma esplanada despida cobiçando o mar

um instante inacabado

um canto submerso de mim, um sem lugar onde te guardo, quase próximo, quase íntimo desobediente, insolente

às vezes doce 

às vezes dor

e carne

e sabor a céu de prata nas noites de lua cheia

a vertigem que anuncia o precipício

pecado capital

contrição

expiação

às vezes meu

nunca meu

tão longe 

tão louco

tão bom.

sábado, 16 de abril de 2022

"A dor que nega o que já está acontecendo, em conflito com os próprios olhos, Maria Clara arrasada com a dor de Marcelino, o coração dele em derrocada e as pedras pretas do tamanho de punhos vinham estilhaçar-se na garganta embargada dela, e saiam-lhe em estado líquido, numa correnteza de lágrimas,

    como a cachoeira nos dias bons.

E às vezes as pedras eram tão duras, tão ásperas, tão difíceis de diluir, que à passagem arrastavam consigo as memórias de Maria Clara, mulher vivida, repassada, estriada por um rio longínquo e muito abandono."

Não se pode morar nos olhos de um gato

Ana Margarida de Carvalho


Há duas novas mulheres na minha vida. Uma é Elise LeGrow, a outra é Ana Margarida de Carvalho. Não sei por onde andariam elas, por onde andaria eu, para que tenha tardado tanto em descobri-las. Não importa. Suponho que haja encontros tão urgentes que dispensam a vulgaridade do imediato, o seu tempo é sempre o certo. 


terça-feira, 12 de abril de 2022



A Tragédia de Macbeth



É preciso ver mais do que uma vez, e vê-se melhor sem legendas, desde que se perceba bem inglês e, mesmo assim, não é fácil. Conhecer de memória algumas linhas da peça de Shakespeare ajuda. 

Pode ver-se “dobrado” em português do Brasil, mas a simples sugestão deixa-me de pele arrepiada por maus motivos, como o pêlo de um gato assanhado, sou até capaz de arranhar por desgosto. Eu gosto do português do Brasil às vezes, mas nunca para embalar tragédias de Shakespeare, nem mesmo em modo mais ou menos cinema. A minha amiga brasileira ri-se e deixa-me escolher.  Em inglês e sem legendas, então. É difícil acompanhar as legendas; em português, pelo menos: os versos de Shakespeare correm densamente velozes, e se só nós sabemos do sabor e do cheiro da Saudade, há outras línguas, outras métricas, que não cabem fielmente na nossa, por mais bela. 

O cenário minimalista é enganador, provocador nos seus arranjos geométricos, tortuosos, a preto e branco, nebulosamente prateado, e os versos de Shakespeare vivem, vibram, mordem, na interpretação fabulosa de Denzel Washington mas não só: acompanhar as legendas distrai-nos da luz, da sombra, de todos os truques maliciosamente ensaiados da câmara e da dimensão sobrenatural, sedutora, da arte da representação, do poder inebriante da Palavra. Denzel Washington é em tudo brilhante – a voz de Denzel Washington é quase um segundo actor, de carne e osso como o próprio –, mas a minha devoção divide-se em partes iguais entre Kathryn Hunter, as três bruxas da profecia, e a sempre assombrosa – aqui, maravilhosamente maquiavélica – Frances McDormand na pele de Lady Macbeth.

E Macbeth continua a morrer no fim. Há mais de quatrocentos anos que Macbeth morre no fim. Ocorreu-me, a propósito de uma "notícia" que encontrei um dia destes, de um internauta indignado porque alguém lhe terá revelado que Macbeth morre no fim.

sábado, 9 de abril de 2022



quinta-feira, 7 de abril de 2022



quarta-feira, 6 de abril de 2022



terça-feira, 5 de abril de 2022

A Desinformação também é um campo de batalha

Em teoria é possível pensar que a Ucrânia tenha encenado tal teatro de horror indizível? Suponho que sim. Na guerra, dizem, não vale tudo, mas parece que quase. O que têm feito os defensores mais descarados ou menos descarados de Vladimir Putin é usar e abusar de todas as teorias: duas linhas de Direito Internacional, evocar horrores de outras guerras, da Líbia ao Iraque – sempre o Iraque e muito bem o Iraque, que, sim, deve continuar a assombrar e a envergonhar todos os que, como eu, preferem, nesta loucura, ficar ao lado dos EUA e da EU contra Putin, inequívoca e inquestionavelmente contra Putin – mistura-se muito bem, shaken not stirred, que a vida é um ensaio permanente, um filme de enredos obscuros e os argumentistas capazes de todos os delírios, e voilà, propaganda de guerra para os que gostam de pensar pela própria cabeça de Vladimir Putin. Não se diz tanto de como a realidade pode superar a ficção? Portanto, suponho que sim, que, em teoria, todos os canais de informação e os seus actores, por esse mundo fora, excepto os que prestam contas ao Kremlin, evidentemente, embarcaram na propaganda ucraniana e, em teoria, a Ucrânia pode ter encenado Mariupol primeiro e Bucha depois. Faz muito mais sentido duvidar de Zelensky do que duvidar de Putin. Putin é um incompreendido tão incompreendido que, não raras vezes, vê-se obrigado a envenenar opositores políticos, encarcerar quem ousa manifestar-se contra o seu pulso de ferro, mas conciliador, sempre muito conciliador, proibir que se diga “guerra” ou “invasão”, perseguir jornalistas, activistas e todos os que hesitem em alinhar-se para o beija-mão, todos os que se atrevam a questionar não só o seu direito à “legítima defesa preventiva”, como o modo decidiu levar a cabo esse direito à “legítima defesa preventiva”.

Esta entrevista de Alexandre Guerreiro e este "artigo" do Major-General Raúl Cunha, são dois tratados de clarividência comovente. Acaba-se de ler aquilo e dá vontade de mandar cada um daqueles senhores para a terra dele. A do senhor Putin. Vive-se por lá tão bem, livre e informadamente.

domingo, 3 de abril de 2022



sábado, 2 de abril de 2022



sexta-feira, 1 de abril de 2022

Roubei um tempo só para mim, roubo muitas vezes um tempo só para mim, e fui ver o mar longe de casa, muito longe de casa, desde o cimo da serra, pela estrada de corpo ondulado, de escamas palpitantes à luz destilada das manhãs de cinza. As manhãs de cinza são as piores manhãs para ver o mar do cimo da serra, quase não se vê o mar do cimo da serra, mas ver o mar do cimo da serra é apenas um pretexto. O que me apetece é a estrada sinusoidal que se contorce em esforço até ao topo, dois degraus abaixo do céu, roçando a rocha e a erva rasteira a ameaçar-se de cores da Primavera. Gosto de correr com ela, subi-la, senti-la, soletrar-te, outra vez, por um instante roubar-te como roubo o tempo que quero só para mim.