terça-feira, 12 de abril de 2022

A Tragédia de Macbeth



É preciso ver mais do que uma vez, e vê-se melhor sem legendas, desde que se perceba bem inglês e, mesmo assim, não é fácil. Conhecer de memória algumas linhas da peça de Shakespeare ajuda. 

Pode ver-se “dobrado” em português do Brasil, mas a simples sugestão deixa-me de pele arrepiada por maus motivos, como o pêlo de um gato assanhado, sou até capaz de arranhar por desgosto. Eu gosto do português do Brasil às vezes, mas nunca para embalar tragédias de Shakespeare, nem mesmo em modo mais ou menos cinema. A minha amiga brasileira ri-se e deixa-me escolher.  Em inglês e sem legendas, então. É difícil acompanhar as legendas; em português, pelo menos: os versos de Shakespeare correm densamente velozes, e se só nós sabemos do sabor e do cheiro da Saudade, há outras línguas, outras métricas, que não cabem fielmente na nossa, por mais bela. 

O cenário minimalista é enganador, provocador nos seus arranjos geométricos, tortuosos, a preto e branco, nebulosamente prateado, e os versos de Shakespeare vivem, vibram, mordem, na interpretação fabulosa de Denzel Washington mas não só: acompanhar as legendas distrai-nos da luz, da sombra, de todos os truques maliciosamente ensaiados da câmara e da dimensão sobrenatural, sedutora, da arte da representação, do poder inebriante da Palavra. Denzel Washington é em tudo brilhante – a voz de Denzel Washington é quase um segundo actor, de carne e osso como o próprio –, mas a minha devoção divide-se em partes iguais entre Kathryn Hunter, as três bruxas da profecia, e a sempre assombrosa – aqui, maravilhosamente maquiavélica – Frances McDormand na pele de Lady Macbeth.

E Macbeth continua a morrer no fim. Há mais de quatrocentos anos que Macbeth morre no fim. Ocorreu-me, a propósito de uma "notícia" que encontrei um dia destes, de um internauta indignado porque alguém lhe terá revelado que Macbeth morre no fim.