terça-feira, 30 de novembro de 2021
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
Céus de Outono
Os pássaros pousados nos cabos de alta tensão lembram claves de sol. Um alinhamento prolongado, quase mudo, de notas e palavras que conjuram histórias, das que importam, vividas, contadas, que roubo para mim. Uma constelação de pensamentos soltos, declinações esquadradas que moldo à minha vontade, na lentidão morna do tempo que me sobra. A chuva calou-se deixando no céu um rastro lustroso como um espelho de água. Corre, num fio fino, uma linha recta mesmo acima do horizonte, absurdamente paralela, sobre a qual o vento dourado fez pousar nuvens encaracoladas como espuma, cujos reflexos tombam, invertidos, numa simetria tão perfeita que é quase irreal. Os céus mais bonitos são os meus; os de Outono.
domingo, 28 de novembro de 2021
A Democracia (ainda) Vive (e, pessoalmente, recomendo)
Ia
chamar a isto “são onze contra onze e no fim ganha o Rio”, mas uma senhora na SIC
Notícias levou-me a graça (há graças demasiado evidentes…), e parece que o
futebol viveu ontem outro momento infame. Fica assim.
Até ao discurso de Rui Rio, ontem à noite, eu era das que pensava que as notícias sobre a morte de André Ventura eram manifestamente exageradas. Ao dia de hoje, começo a achar que talvez. Talvez.
Por falta de tempo e de vontade, deixei uma data de
resmungos inacabados sobre os nervos que me fazia a certeza com que “todos”
davam como ganha a batalha de Rangel, sendo que “todos” eram todos menos os que
contam: quem vai às urnas dizer de sua justiça. Nem Lisboa chegou para refrear
ânsias de análise que, às vezes, não passam de desejos dos grávidos do
costume e de si mesmos.
Rui
Rio vai na terceira vida à frente do PSD e, de repente, até parece
possível que venha a ganhar as próximas eleições legislativas. E não me refiro
ao seu “Eu vou ganhar”, que, naquele momento, foi uma reposta com algum
sarcasmo a (mais) uma pergunta idiota.
Adiante.
Álvaro Beleza dizia, há dias, que quando o PSD tivesse um líder carismático, o Chega desaparecia. Rui Rio não é bem a encarnação de um líder carismático, mas André Ventura pode refrear o gozo: bem pode continuar a ensaiar poses de comediante ao melhor-pior estilo Trump, que há um tipo de propaganda que só resulta em inglês, como não se cansam de nos dizer muitos dos nossos marketers. Rui Rio tem mais autenticidade num átomo de sisudez e mau feitio, do que André Ventura na sua roupagem armandi. Assim mesmo, com d. Para ser lobo não basta vestir-lhe a pele, e o mesmo vale para os vilões. Há um cansaço geral, zangado, desconsolado, que tem aberto caminho à "falta de carisma" de Rui Rio.
Entretanto,
os jornalistas, analistas e comentadores – partindo do princípio de que ainda se
distinguem uns dos outros – manifestaram espanto pela vitória de Rui Rio, “contra o que era
esperado”. Mas “esperado” por quem? Parece um milagre da multiplicação, os
diferentes portugais que separam o povo das castas. Não usar transportes
públicos excepto, eventualmente, em dias de campanha é capaz de distorcer o que se entende por competência na análise política. Há uma percepção da realidade que só se percepciona devidamente mergulhando nela.
Rui Rio tem uma lista enorme de pecados. Não lhe perdoo o José Silvano, o fim dos debates quinzenais, a Suzana Garcia, o artigo da Isabel Meirelles (não é que Marcelo não merecesse, não fosse o caso de Marcelo ser Presidente da República e, pelo menos, ao cargo ainda devemos algum respeito) e o acordo dos Açores; mas, olhando para os vizinhos da frente, do lado e arredores, o meu desgosto talvez seja ele também manifestamente exagerado. O caso é que, se Rui Rio chegasse (posso dizer chegar?; já pareceu mais longe) a primeiro-ministro e fizesse pelo País o que fez na Câmara Municipal do Porto – ainda que a minha mãe não lhe perdoe (esta coisa do perdão é mal de família) ter retirado as árvores da Avenida –, talvez houvesse alguma esperança para Portugal. Afinal, tantos anos de socialismo e de esquerda não têm evitado que continuemos a caminhar em contramão nos desígnios do tal projecto europeu. Nem só de socialismo e da esquerda vive o nosso atraso crónico, bem sei, mas dos vícios de todos os que tinham obrigação de não nos falhar e falharam. Os nosso políticos, se não são todos iguais, parecem. Talvez Rio seja, de facto, menos igual do que outros.
António Costa que se cuide e Rui Rio que se concentre na missão que tem em mãos. Responsabilidade, como lhe chamou. A Democracia ainda mexe, e, por ingenuidade minha, seguramente, continuo a achá-la o melhor de todos os regimes.
sábado, 27 de novembro de 2021
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
Leonardo da Vinci
“Conseguir
que o mestre de aritmética me mostre como realizar a quadratura de um triângulo
(…) Perguntar a Benedetto Protinari de que maneira caminham sobre o gelo na
Flandres (…) Observar a pata do ganso: se estivesse sempre aberta ou sempre
fechada, o animal não seria capaz de efectuar qualquer movimento (…) Descrever
a língua do pica-pau (...) Ir todos os sábados às termas para ver homens nus.”
Leonardo
da Vinci morreu há tempo suficiente para eu poder dizer que o adoro. Esgotou-se
o prazo para a desilusão, sem direito a recurso. Adoro-o. Comecei a ler a biografia
que lhe escreveu Walter Isaacson, e tem sido difícil arrancar-me de lá. São vários os livros de onde é difícil arrancar-me, também é verdade; sou muito fácil de
sepultar entre linhas bem escritas e estórias de encantar. Até de desencantar,
se quem escreve merece. E escreve Isaacson que o ponto de partida para o livro
não foram as obras-primas de Leonardo, mas os seus cadernos. Sinto uma pontinha
de inveja. Mentira, sinto uma inveja enorme. Mergulhar na loucura curiosa, obsessiva e íntima, dos cadernos de da Vinci.
Ainda
estou no início e já adivinho uma história de amor.
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
terça-feira, 23 de novembro de 2021
Rendeiro e Marcelo entram num bar. Ou, de um país. Alegadamente.
Nem
sei bem por onde começar. Há momentos em que o absurdo atordoa.
João
Rendeiro – que fugiu do País e, agora, deixa a mulher a cumprir uma pena de prisão domiciliária,
enquanto o próprio leva uma vida normal, sem peruca e sem rabo de cavalo, num
outro país voltado para o mar onde se fala português (já não sei quem disse
que, às tantas, nunca de cá saiu, está escondido na cave lá de casa, entre matisses falsificados: também parece absurdo, mas, nunca fiando…) – deu uma inacreditável entrevista a Júlio Magalhães na estreia desse novo canal de
televisão que dá pelo nome CNN Portugal e que promete “credibilidade”. Como, dessa entrevista, só ouvi
o resumo extremamente desagradável (ou brilhante) da Joana Marques, pode ser que aquilo tenha
tido menos de desagradável (para evitar outros palavrões) e mais de credível. Absolutamente inacreditável é ouvir
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente desta República cada vez mais de
faz-de-conta responder ao ultraje com graçolas.
Como é que aguentamos isto sem escândalo, é coisa que me transcende. Tal como a história dos negócios de Luís Filipe Vieira, que a SIC Notícias tem vindo a retratar na reportagem –imperdível – "Testa de Ferro". Ou aquela outra, no EXPRESSO, assinada por Inês Serra Lopes, onde se dá conta de como o Estado e algumas empresas, as que podem, se concubinam com a bênção dos advogados que facilitam a coisa como experientes matronas, alternando entre o interesse do Estado e os interesses das empresas, com os "tribunais arbitrais" como cama de fundo de onde o Estado sai quase sempre condenado e a pagar indemnizações generosas. Mas, tudo isto nos passa diante, e adiante. Sem dor, sem um pestanejar. Às vezes penso se a indignação inflamada que nos assalta pontualmente com os casos Rendeiro, Berardo, Salgado e todos os seus acólitos, e que se apaga sem passar, afinal, de um fogacho, é por convicção e princípio ou apenas por inveja, de facto; porque a orgia nos está vedada a nós, reles pagadores de impostos, a quem nem um miserável atraso no pagamento do IUC o mesmo Estado folgazão é capaz de perdoar.
Apetece desistir.
“Descaminho”.
Até há algum tempo desconhecia a palavra “descaminho” para designar um crime.
Ouço dizer “descaminho” e soa-me a desamor, a desgosto intolerável. Há dias, demasiados, em
que Portugal me sabe assim.
segunda-feira, 22 de novembro de 2021
Liberdade...
Escapa-me a noção de liberdade reclamada sobre a violência gratuita. O rastro que a população dita livre e civilizada vai largando a reboque desse “direito à resistência”: soa lindamente; principalmente quando o direito à resistência pode ser invocado e exercido em países sem tradição de envenenar, torturar, ou fazer desaparecer os que não estão com o rebanho.
Com algumas excepções (poucas, muito poucas),
a maioria dos argumentos que vou ouvindo de quem se decide pela não vacinação acenando
com o trunfo da “liberdade individual” assemelha-se à “liberdade individual”
daqueles fumadores convictos que, de forma prepotente e muito livre, fumam de
rosto voltado para a mesa do lado, sem qualquer pudor em cuspir o fumo sobre o
alheio. Ou daqueles donos de cães, livres, mas tão livres, que não vergam as
costas para apanhar os cocós dos bichanos, o que seria, fica a liberdade
individual ali mesmo, desde que o ali mesmo seja no caminho dos outros.
Dito isto, não estou completamente certa quanto à linha que podemos ou não podemos cruzar, no que toca às medidas mais adequadas para minimizar a propagação da doença que nos tem (e mantém) reféns há quase dois anos. Isto também a propósito das “sanções” que alguns países começam a impor sobre os seus não vacinados por opção e direito, como a obrigação de suportar os custos de saúde, ou o confinamento individualizado. Tenho muitas dúvidas, e não é por achar comparável – coisa que não acho – com os casos de fumadores a braços com tratamentos contra o cancro, ou dos obesos que esperam anos por uma cirurgia de banda gástrica no SNS, como atiram alguns só para baralhar e esvaziar discussões sérias sobre o assunto. Mas rejeito veementemente uma liberdade forjada sobre a imbecilidade.
domingo, 21 de novembro de 2021
sábado, 20 de novembro de 2021
Perdoo-lhe o mal de não saber cantar pelo tão bem que sabe compor. Diz o próprio que não sabe cantar, eu não sei se concordo. Não é a voz de um Tom Waits, é certo, e não gosto especialmente do chapéu, mas há poucas canções cantadas em português que me levem pelo mesmo caminho, mau caminho, bom caminho, a belíssima estação de São Bento, solene e lenta, debruando silêncios entre linhas, entre notas. Não há nada de passageiro naquele “Se eu fosse um dia o teu olhar”. Pode haver quem ouça aquilo impunemente, mas eu não sou dessas. Sou das que se deixam tomar de assalto logo aos primeiros acordes. Sou das palavras bem lavradas, sem regresso. Deixo que se me adentrem, urgentes, como raízes esventrando a terra.
quarta-feira, 17 de novembro de 2021
terça-feira, 16 de novembro de 2021
"O sol está raso com a cumeada dos montes, adivinha-se o
mar do outro lado. A estrada desce em curvas, duas colinas parecem
estrangulá-la lá em baixo, mas é ilusão dos olhos e da distância. Em frente, a
meia encosta, há uma casa grande, de arquitectura simples, tem um ar de
abandono, antigo, apesar de haver sinais de cultivo nos campos que a rodeiam.
Parte da casa está já na sombra, a luz vai-se amortecendo, parece o mundo todo
que se afunda em desmaio e solidão. Joaquim Sassa parou o carro. Todos saíram.
O silêncio ouve-se, vibra como um eco final, talvez não seja mais que o bater
distante das ondas nos penhascos, é sempre a melhor explicação, até dentro dos
búzios a lembrança interminável das vagas ressoa, porém não é este o caso, aqui
o que se ouve é o silêncio, ninguém deveria morrer antes de conhecê-lo, o
silêncio, ouviste-o, podes ir, já sabes como é."
A Jangada de Pedra, José Saramago
Um amigo que, infelizmente, já não está entre nós – como é comum dizer-se dos que morreram – defendia, meio a brincar, meio a sério, que a Península Ibérica deveria ser um único país, com capital em Lisboa. Era de Múrcia e adorava o mar. Ríamos muito, e a brincar discutíamos quanto à escolha da língua: ele achava que, nesse país que sonhava, devia falar-se castelhano, e, claro, eu achava que o que devia era falar-se português.
Um abraço, onde quer que estejas.
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
Quando
me toca levar os miúdos à escola, ouvimos o “Eu é que sei”, na Comercial. É tão
bom poder começar o dia a rir um riso leve, breve, sem mácula.
Todos
os dias há um dia de, e, embora me escape a maioria dos assinaláveis assinaláveis,
parece que um destes dias foi “dia do solteiro”. “O que é um solteiro?”
serviu-se a quente, como sempre, no improviso da infância solta e
despreocupada, como deviam ser todas as infâncias. Esclarecido, mais ou menos,
que “um solteiro é alguém que não tem namorado" – não necessariamente alguém que solta pessoas (lindo!) –,
o que se seguiu foi puro prazer. “O nosso cérebro derrete” quando estamos
apaixonados, ou “levamos um casaquinho” para procurar namorado “porque
às vezes fica frio”, é do melhor. “O amor é uma surpresa”, diz a última criança,
e é capaz de ser a melhor definição dessa coisa avassaladora que
surge quase sempre sem aviso.
De
resto, há dias em que Portugal me parece um país falido. Seja qual for o ângulo
por onde o olhe, a frequência por onde o ouça.
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
Por um acaso que não vem ao caso, ouvi uma versão nova da velhinha “Olá, então como vais?”, do Tozé Brito e do Paulo de Carvalho. Fui procurar a antiga, de que gosto muito mais. Mas, a mim, o crepitar da chuva lá fora, ainda há pouco, sabe-me ao mesmo que o estalar laborioso da lenha que arde na lareira, por isso, que sei eu?
Agora sou capaz de andar a cantarolar isto o dia inteiro.