domingo, 28 de novembro de 2021

A Democracia (ainda) Vive (e, pessoalmente, recomendo)

Ia chamar a isto “são onze contra onze e no fim ganha o Rio”, mas uma senhora na SIC Notícias levou-me a graça (há graças demasiado evidentes…), e parece que o futebol viveu ontem outro momento infame. Fica assim.


Até ao discurso de Rui Rio, ontem à noite, eu era das que pensava que as notícias sobre a morte de André Ventura eram manifestamente exageradas. Ao dia de hoje, começo a achar que talvez. Talvez. 

Por falta de tempo e de vontade, deixei uma data de resmungos inacabados sobre os nervos que me fazia a certeza com que “todos” davam como ganha a batalha de Rangel, sendo que “todos” eram todos menos os que contam: quem vai às urnas dizer de sua justiça. Nem Lisboa chegou para refrear ânsias de análise que, às vezes, não passam de desejos dos grávidos do costume e de si mesmos. 

Rui Rio vai na terceira vida à frente do PSD e, de repente, até parece possível que venha a ganhar as próximas eleições legislativas. E não me refiro ao seu “Eu vou ganhar”, que, naquele momento, foi uma reposta com algum sarcasmo a (mais) uma pergunta idiota.

Adiante.


Álvaro Beleza dizia, há dias, que quando o PSD tivesse um líder carismático, o Chega desaparecia. Rui Rio não é bem a encarnação de um líder carismático, mas André Ventura pode refrear o gozo: bem pode continuar a ensaiar poses de comediante ao melhor-pior estilo Trump, que há um tipo de propaganda que só resulta em inglês, como não se cansam de nos dizer muitos dos nossos marketers. Rui Rio tem mais autenticidade num átomo de sisudez e mau feitio, do que André Ventura na sua roupagem armandi. Assim mesmo, com d. Para ser lobo não basta vestir-lhe a pele, e o mesmo vale para os vilões. Há um cansaço geral, zangado, desconsolado, que tem aberto caminho à "falta de carisma" de Rui Rio.


Entretanto, os jornalistas, analistas e comentadores – partindo do princípio de que ainda se distinguem uns dos outros – manifestaram espanto pela vitória de Rui Rio, “contra o que era esperado”. Mas “esperado” por quem? Parece um milagre da multiplicação, os diferentes portugais que separam o povo das castas. Não usar transportes públicos excepto, eventualmente, em dias de campanha é capaz de distorcer o que se entende por competência na análise política. Há uma percepção da realidade que só se percepciona devidamente mergulhando nela.


Rui Rio tem uma lista enorme de pecados. Não lhe perdoo o José Silvano, o fim dos debates quinzenais, a Suzana Garcia, o artigo da Isabel Meirelles (não é que Marcelo não merecesse, não fosse o caso de Marcelo ser Presidente da República e, pelo menos, ao cargo ainda devemos algum respeito) e o acordo dos Açores; mas, olhando para os vizinhos da frente, do lado e arredores, o meu desgosto talvez seja ele também manifestamente exagerado. O caso é que, se Rui Rio chegasse (posso dizer chegar?; já pareceu mais longe) a primeiro-ministro e fizesse pelo País o que fez na Câmara Municipal do Porto – ainda que a minha mãe não lhe perdoe (esta coisa do perdão é mal de família) ter retirado as árvores da Avenida –, talvez houvesse alguma esperança para Portugal. Afinal, tantos anos de socialismo e de esquerda não têm evitado que continuemos a caminhar em contramão nos desígnios do tal projecto europeu. Nem só de socialismo e da esquerda vive o nosso atraso crónico, bem sei, mas dos vícios de todos os que tinham obrigação de não nos falhar e falharam. Os nosso políticos, se não são todos iguais, parecem. Talvez Rio seja, de facto, menos igual do que outros.


António Costa que se cuide e Rui Rio que se concentre na missão que tem em mãos. Responsabilidade, como lhe chamou. A Democracia ainda mexe, e, por ingenuidade minha, seguramente, continuo a achá-la o melhor de todos os regimes.