sábado, 29 de dezembro de 2018

A Propósito dos Fracos

“Um político deve ter a habilidade de prever o que irá acontecer amanhã, na próxima semana, no próximo mês e no próximo ano. E a habilidade de explicar, depois, por que nada disso aconteceu", Winston Churchill.

E, no entanto, há políticos a quem falta, não só a habilidade para prever, como a competência para gerir e a decência para assumir o que podem, seguramente, explicar: porque aconteceu, como aconteceu.

Em entrevista à TSF, António Anselmo, presidente da Câmara de Borba, declarou-se orgulhoso enquanto português. Parece que o senhor presidente de câmara nem sempre se orgulhou de tal e até já duvidou, noutras ocasiões, do Estado. Ninguém diria. Mas não desta vez. E esta é a vez em que o Estado decidiu avançar com as indemnizações às famílias das vítimas da previsível e fatídica derrocada da estrada 255.

Há um tipo de pobreza que enoja. É a pobreza indecente do tipo da do senhor António Anselmo que, para minha vergonha minha, é presidente de uma Câmara do país a que chamo meu. O senhor que se orgulha da atitude do Estado, é o mesmo que ignorou o alerta de perigo que a estrada representava, mesmo depois de lhe terem explicado porquê. Segundo esta notícia do Público, de acordo com a acta da assembleia municipal de 27 de Dezembro de 2014, “António Anselmo deixou clara a intenção de organizar uma reunião alargada”, sobre a situação que veio a revelar-se trágica. Mas a reunião não chegou a ser convocada. O senhor Anselmo ainda não olhou para os documentos. Di-lo "sem qualquer tipo de desculpa" e, acrescento eu, sem qualquer tipo de vergonha. Com a mesma aviltante pobreza, pensou que, se realmente “houvesse perigo”, a Direcção Regional da Economia do Alentejo – responsável pelo memorando que alertava para isso – tê-lo-ia “avisado novamente”. Tal-qual. Isto, apesar de, já em 2006, um estudo referir uma fracturação da jazida de mármore por onde serpenteava, inocente, a EN255. O senhor presidente Anselmo parece que também desconhece o estudo. Ninguém lho mostrou. E, orgulhoso que está, mantém a decisão de não se demitir. Hoje, como há pouco mais de um mês, quando a sua ignorância abriu a porta à desgraça que matou, estupidamente, cinco pessoas, António Anselmo afirma que a demissão é “própria dos fracos”. E, fraco, é coisa que o senhor Anselmo não é. Afinal, dos fracos não reza a história, e eu gostava que a história rezasse deste, e não apagasse tragédias como as de Borba. Para que, se não o respeito, pelo menos o pudor e a decência, obrigassem os políticos, entre eles, os presidentes de câmara, a desempenhar os seus cargos com lisura.

Infelizmente, ao contrário do senhor Anselmo, não estou tão orgulhosa deste estado português. Mas, era capaz de me orgulhar, se os Anselmos da vida política portuguesa desaparecessem do mapa, como por escandalosa incúria fizeram com a estrada de Borba.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Fiascos de Várias Cores

Depois de uma sangria desatada de artigos, notícias, entrevistas e muitos desejos amarelos, a manifestação que ia parar Portugal, travou-se a si mesma, esfumou-se mesmo antes de começar.

Não sou capaz de dizer o que terá frustrado - estrondosamente - a tentativa de protesto. Palpita-me que não saber bem o que se pretende para o país, enquanto país, longe dos chavões tão gastos quanto vazios, tenha ajudado. Gritar muito e muito alto tem, mais ou menos, o mesmo efeito que chorar: alivia mas dificilmente resolve qualquer coisa.

No entanto, era prudente e sensato que a comunicação social dita de referência fizesse um bocadinho mais do que informar por antecipação, criando (ansiando por) notícias antes dos factos. Para isso, já temos outros protagonistas de maior arrojo e competência, dispensam-se imitadores medíocres. Se o bom jornalismo sucumbir à orgia da desinformação inflamada a troco de auditório fácil e fecundo, a democracia talvez passe ao regime mais dispensável do mundo...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

"Stupid You!"

Há uns anos, a propósito da discussão ainda não esgotada (infelizmente) sobre a igualdade entre homens e mulheres, nomeadamente, no mercado de trabalho, alguém dizia que só teríamos igualdade quando a uma mulher incompetente fosse permitido ocupar um lugar de topo numa empresa.

Na altura, lembro-me de achar a afirmação um pouco forçada, mas percebi a intenção. Uma mulher tem sempre mais a provar. Talvez, menos hoje do que ontem e menos amanhã do que hoje, mas a realidade ainda é esta. Se, além disso, a mulher é atraente, terá de provar o dobro, até ser possível, como devia ser normal, avaliá-la exclusivamente pelo profissionalismo (ou falta dele, também), em vez de se lhe apreciar o ar saudável ou os trapinhos que veste. Continua a acontecer, não vale a pena negar, como não vale a pena choramingar. Contraria-se, com firmeza, não permitindo abusos, muito menos, retrocessos.

Apesar de todos os progressos que fomos fazendo, ainda há características que significam coisas diferentes, consoante se apliquem a um homem ou a uma mulher. E, isto, falando de países “privilegiados”, onde as mulheres não são diminuídas e humilhadas por decreto, como acontece por esse mundo fora, mas que não é ao que venho. Se, num homem, teimosia e arrogância, por exemplo, podem chegar a qualidades dignas de elogios - absolutamente imprescindíveis, até, em alguns casos - numa mulher serão quase sempre encaradas como defeitos. No limite, e em sentido contrário, um homem teimoso e arrogante pode até ser antipático; mas, uma mulher teimosa e arrogante facilmente atinge o estatuto de histérica. O insulto, ou a sua intenção, também tem género. Se um homem se torna impertinente ou arrogante para lá da conta, ninguém lhe atira com um “deves ter falta de sexo”, coisa que as mulheres impertinentes e arrogantes, à falta de “paciência” e de argumentos mais inteligentes, ouvem com relativa frequência e facilidade.

Ontem, Jeremy Corbyn irritou-se com Theresa May e, na tal impaciência que se permite a alguns homens, incapacitado de melhor argumento, verbalizou a raiva em surdina chamando stupid woman à sua primeira-ministra, a ultrajante deselegância implacavelmente denunciada pela magnífica dicção britânica, tornando ridiculamente cobarde a tentativa de substituir woman por people para justificar a inacreditável boçalidade.

Já há mulheres incompetentes a ocupar cargos de topo. Talvez, é certo, sejam dispensadas mais prontamente do que os homens. Daí que, é possível que alcancemos a plena igualdade entre homens e mulheres apenas e quando chegarmos à suprema igualdade na forma do insulto.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O país da Websummit, do melhor destino turístico e da falência do Estado

Aos três efes que alguns dizem caracterizar Portugal, estamos prestes a colar um quarto; o de falência, que também pode ser de fraude. E se há quem se confunda quanto a quem realmente terá promovido a designação dos três primeiros, este, entra-nos pelos olhos, rompe-nos pela casa adentro, deslumbrados, enquanto escancaramos a porta ao popular e entusiástico empreendedor Paddy Cosgrave mais os seus apóstolos e aos turistas carinhosos, ruidosos, que nos escolhem como o melhor destino de mundo, pelo segundo ano consecutivo. Ao mesmo tempo que revolucionárias startups enlouquecem e brotam como cogumelos pró-milionários, bilionários, alucinados e alucinantes, e que hordas de turistas descobrem, finalmente, onde fica Portugal, o país apodrece, por dentro, às mãos ávidas, promíscuas e incompetentes dos muitos que, em não nos governando, indecentemente, muitas vezes, se governam em banquete.

Os turistas e os empreendedores não terão, ainda, percebido o logro. O de um país maravilhoso por fora e miseravelmente abandonado por dentro. No país que admiram, não se adivinham estradas engolidas pelas assombrosas pedreiras, magníficas, que visitam nas férias de verão, como não se imaginam caminhos calcinados e vidas devoradas pela pavorosa gula das chamas insubmissas, que incendeiam, grotescas, estradas nacionais onde não abundam transportes de recreio; não se suspeita Tancos, nem paióis, nem comparações jocosas com sagas radiofónicas; não há, no país da moda, helicópteros de socorro desaparecidos por quase duas horas, apenas aqueles que se usam, eventualmente, pontualmente chiques e arrojadamente elegantes, para experiências panorâmicas. Perdidos, maravilham-se. E nós com eles. “Eu consigo encontrar uma trotinete por GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do INEM”, eis a nossa maravilhosa e imbatível modernidade.

Tal como em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão – provérbio mais ou menos inócuo até PAN ou PETA, em contrário – quando todos, em (in)consciência, nos falham de forma estrondosa e leviana, atacam-se com raiva e sem decoro, prosseguindo a injúria, ministros e sindicatos, civis e militares, protecção civil e bombeiros…não há quem se não apresse em acusar, em deturpar, em concluir.

Embrutecido o povo, desvalorizadas as tragédias, insultados os mortos, há uma parte do país que se esgota em agonia. 

sábado, 15 de dezembro de 2018

Ai, Agostinho...

O secretário-geral do PSD, José Silvano, está de acordo em que sejam impostas sanções aos deputados que, sem lá terem posto os seus escorreitos pés, marquem "presença" no Parlamento por via daquelas virgens nada ofendidas que conhecem as passwords pessoais e intransmissíveis de outros colegas e que, inadvertidamente, as utilizam se for caso disso.

Por momentos, fiquei a pensar se aquele José Silvano, “homem honrado e credível”, que quer que a política seja feita “pelo exemplo”, seria o mesmo José Silvano a quem, aqui há tempos, a tão prestável quanto distraída colega Emília Cerqueira validou (im)presenças parlamentares. Concluí que, efectivamente, os dois são uno e fiquei ainda mais confusa. Seguramente, por incompetência minha.

 

Em circunstâncias normais, o direito à greve tem uma consequência negativa também para o que adere a essa (justa) forma de protesto, já que deixa de receber o salário correspondente a esse, ou a esses dias. Os nossos enfermeiros encontraram uma forma, digamos, ardilosa de suavizar o inconveniente detalhe: recorreram ao crowdfunding. Assim, e durante a greve que dura até 31 de Dezembro, cada enfermeiro em greve continua a receber uma espécie de salário: 42 euros por dia. Não sei se é muito, pouco, o normal, mas o facto, só por si, parece ter algo de perverso. Afinal, sem qualquer penalização financeira para quem adere à greve, não sei se a consciência do prejuízo que sobra exclusivamente para os doentes e seus familiares será suficiente para chegar a consensos.  

 

Forjar habilitações parece ter-se tornado normal. E banal. Vale tudo, haja descaramento onde falta o curriculum.  A candidatura de Maria Begonha à liderança da JS tem, ou tinha, várias gralhas, que é simpático eufemismo para declarações fraudulentas com vista a abrilhantar competências poucochinhas, às vezes, medíocres. No caso desta Maria, até a data de nascimento foi importante ajustar, para que a jovem estagnasse, momentaneamente, no limite dos 30 anos para além dos quais, parece, não se pode continuar como militante dos jotinhas socialistas.

Entretanto, um outro militante da JS entregou, na passada sexta-feira, uma providência cautelar para impugnar o Congresso que irá eleger a única candidata a líder, Maria Begonha, e que terminará este Domingo. O Tribunal analisará a providência cautelar na próxima segunda feira, um dia depois da Maria ser eleita. Tudo normal, portanto.

Já Maria Begonha (ou alguém por ela) apagou a candidatura e, sem vergonha, fez saber que o seu "percurso pessoal e cívico sempre se pautou pelo rigor e pela verdade".

Não sei se, em vez de nos andarmos a preocupar com a linguagem inclusiva, não devíamos antes empenharmo-nos em explicar aos nossos ilustres políticos e candidatos a políticos o significado singelo de palavras como rigorverdade e honra. Podíamos promover, e adaptar, assim uma espécie de dicionários ilustrados, como aqueles que se oferecem aos miúdos para que aprendam línguas estrangeiras

 

Está tudo grosso...


quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Diz que é inveja...

Diz-se que somos um país de invejosos. Parece que invejamos quem tem dinheiro, poder e aquilo a que se chama estatuto social.

Há muito que suspeito que a vil inveja que nos assalta é capaz de resultar de casos como os relatados aquiaqui e aqui.

Não gostamos de nos comparar, mas talvez seja bom lembrar outras histórias, de desencantar.

No princípio são os banqueiros. Parece que existem quarenta e sete banqueiros presos por causa da crise financeira de 2008. Metade são da Islândia. Que tem menos de 350 mil habitantes, mas deve ter muitos bancos. De momento, há um preso famoso e não consta que seja islândes. Bernard Madoff é americano e, em seis meses, Bernie, para os amigos, foi preso, acusado e julgado. Nos EUA de antes, pelo menos. É verdade que o seu famoso esquema Ponzi ludibriou muita gente, autoridades incluídas, durante mais de duas décadas, mas, o homem acabou condenado a 150 anos de prisão. Madoff terá confessado o esquema aos filhos que o denunciaram. O que terá passado pela cabeça daquelas almas? E, em que consistia o esquema? No "pagamento de lucros anormalmente altos a investidores à custa de investidores que chegavam posteriormente, em vez de receita gerada por qualquer negócio real" (aqui). Jura! Qualquer semelhança com alguns banqueiros da nossa praça é capaz de ficar por aqui. O mais próximo da prisão que algum deles, desses, esteve foi em preventiva. Um houve que, dizem, foi vaiado num restaurante chique da linha, mas outros há que continuam a ser eleitos e adorados. Prisão, prisão, entre recursos, apensos, férias judiciais e outros que tais, talvez quando o Bernie acabar de cumprir os tais 150 anos. Ah!, se a Madonna calha em descobrir mais cedo os encantos de viver em Lisboa...Talvez a vida do Bernie fosse diferente, mesmo sem conhecer o Carlos Alexandre.

Depois, são os gestores. De topo. Aqueles que pagamos a peso de ouro, não vão esses ilustres génios fugir para o estrangeiro e deixar o país ao deus-dará. Sou de opinião que, se alguém os quiser levar, pagar-lhes o que por cá recebem para fazer o que por cá fazem, é deixá-los ir. Poupamos, nós, dinheiro e, eles poupam-se - e poupam-nos - ao ridículo dos ataques de amnésia em comissões de inquérito, onde ainda são obrigados a ouvir a Mariana Mortágua a chamar-lhes amadores...é bem merecido.

Entretanto, discute-se o valor do ordenado mínimo, que continua a ser miserável e há, em Portugal, perto de meio milhão de pobres. "Um país rico não pode ter trabalhadores pobres", e eu acho que o mesmo se aplicaria às empresas.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A Morte Fica-lhes Tão Mal!

O Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, não pode garantir que não haja mortes como consequência da greve de enfermeiros.

A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, admite que a greve dos profissionais que representa pode "potenciar" mais mortes de doentes.

 

Como a greve se mantém, suponho que a morte em si não preocupe grandemente qualquer um dos intervenientes. O médico culpará o enfermeiro, que culpará o Governo, que culpará os sindicatos. Até que se consiga atribuir alguma responsabilidade, todos poderão dormir de consciência tranquila, imagino, com a irrelevante excepção dos familiares dos que morreram. Deve ser aquilo a que se chama "danos colaterais"; ninguém quer, mas acontece a bem de um outro bem maior.

 

A greve é um direito. Os motivos das greves, às vezes, espantam e as consequências, muitas vezes, enojam. Porque, ou há um manifesto exagero na anunciação da suspeitada trajédia, ou a trajédia é mesmo possível. Em qualquer dos casos, os protagonistas deviam ter vergonha.


terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Quanto custa apaziguar uma "cólera justa"?

É de um pessimismo alarmante pensar numa séria ameaça à paz na Europa?

Domingo à tarde, entre amigos, discutíamos a relevância desta questão. Há ou não motivos para nos preocuparmos, seriamente, com o rumo dos acontecimentos mais ou menos recentes, entre os quais, a insurreição dos coletes amarelos, que tomaram de assalto as ruas de Paris?

Emmanuel Macron perdeu o povo. É o que parece; e parece-me, também, irreversível. Diz-se que o discurso, já de si tardio, não convenceu, o que não espanta. De repente, o grito de revolta convergiu para uma única exigência que engorda a cada sábado: a demissão do Presidente francês, arremessado como símbolo da classe rica e das visceralmente odiadas elites. Não parece fácil de contrariar e, obviamente, a oposição não ajuda; ao invés, acicata. A questão é, e se a Macron não restar, como se perfila, outra alternativa que não a de se demitir? Porque, aparentemente, no próximo sábado haverá outra manifestação, que, como as anteriores, se avizinha violenta, a cólera justa projectada em estilhaços avulsos que tudo dizimam, implacavelmente, até aniquilar o alvo, em renovado caos e absoluto horror. Serão 100 euros e mais alguns trocos, ou migalhas, suficientes para comprar a paz social? Isto, admitindo que as medidas anunciadas passam, efectivamente, à prática, com consequências na gestão das expectativas dessa “France périphérique”, como lhe chamaram ou chamam, a França da periferia, em oposição à França sofisticada e rica das grandes cidades. Lá, como cá, os mesmos cansaram-se de acudir a todas as crises, tantas vezes recorrentes. Cá, ao contrário de lá, ainda vamos aguentando. Até quando, não sabemos. De momento, ouvi dizer que se vestem coletes, amarelos, a 21 de Dezembro.

Se Macron cair, novas eleições em França talvez dêem a almejada vitória à temida - inevitável? - Marine Le Pen e ao seu renovado União Nacional. Com o Vox a engrossar a voz na vizinha Andaluzia, o cerco aperta-se. O CHEGA chegará para nos sacudir e assustar, ou já faz estragos silenciosos de que só daremos conta demasiado tarde? Ou, é ao contrário e a salvação das nações e dos povos subjaz, inevitavelmente, na emergência revigorante dos regimes nacionalistas e autoritários, eventualmente, ditatoriais?

 

P.S. Armando Vara foi à TVi insinuar que os últimos dez/nove anos da sua vida talvez tivessem sido diferentes se tivesse ajudado o juiz Carlos Alexandre. Talvez, até, não só a vida dele...

Com certeza, não serei só eu a ter uma opinião terrível sobre o significado disto.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Cobaias, Paparicos e Provérbios

Augusto Santos Silva fez saber, aos socialistas europeus, e não só, que “não podemos ser ambíguos para com regimes autoritários, venham da direita ou esquerda, sejam da Europa, América Latina, África ou asiáticos”. Isto, depois de quase termos prestado vassalagem a Xi Jinping, incluindo na nova e útil modalidade de cobaias entusiasticamente oferecidas numa espécie de dote.

Fiquei um pouco confusa. Ou o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros não sabe bem onde fica a China, ou desconhece os meandros do tipo de regime que por lá se pratica. Possivelmente, andou à conversa com Bernardino Soares, que percebe imenso de regimes políticos, principalmente, asiáticos. Parece que, por lá, as democracias possuem algumas peculiaridades que escapam aos mais incautos.

 

Donald Trump voltou a exibir o seu delicado encanto e apelidou de “dumb as a rock”, em português erudito, burro como um calhau, o seu ex-secretário de Estado. Parece que o senhor, que não Trump, claro, afirmou, numa entrevista, que o Presidente lhe terá pedido para fazer umas coisas que violavam a lei. Ninguém diria. Trump não gostou e, como é hábito quando algo não lhe corre de feição, partiu para o insulto pessoal. Via tuites, que, tal como no futebol, em equipa que ganha não se mexe. Além de burro,  Rex Tillerson também seria um preguiçoso dos diabos, pelo que, Trump deixou claro que Mike Pompeo está a fazer um great job e, além disso, é bastante mais prestável e inteligente que o seu predecessor. Será, pelo menos, pelo tempo que Pompeo se mantiver útil e obediente no cargo; se vier a incompatibilizar-se com o endiabrado Donald, terá direito aos mesmíssimos nada alternativos mimos com que o Presidente agracia todos os seus ex-colaboradores, salvo aqueles que mantêm, mesmo à posteriori, o ritual do beija-mão. Quem não está com Trump, está contra Trump. E Trump não perdoa, não esquece e não conhece misericórdia.

           

Depois das linguagens inclusivas nas suas variantes mais bizarras, de que, por cá, o “camaradas e camarados” de um desastrado Pedro Filipe Soares foi o último golpe, eis que pretendem agora corromper-nos os sábios provérbios dos nossos antepassados. Já não vamos poder matar dois coelhos de uma cajadada, nem pegar o touro pelos cornos, porque, para um punhado de iluminados, há um risco pronunciado e não absurdo de podermos vir a confundir a linguagem metafórica com malévolas acções reais, levadas à prática num acto de demência anunciada e colectiva. Sair pela calada da noite, atirando paus aos indefesos gatos, embalados pela melodia que teima em não sair do ouvido; esmagar, sadicamente, um pássaro na mão, livrando-nos da tentação de arrojados actos. Se não por isso, por respeito aos bichos...e os loucos somos nós.

Por higiénica e escorreita prudência, nem beijinhos aos avós, nem princesas a arfar diante de sapos, não vão virar príncipes, nem géneros atirados biologicamente, nem músicas infantis mal-intencionadas, nem ditos populares animalescos. Tudo a bem da harmonia dos povos que brilha em amarelo vivo nas imagens que, há quatro semanas, nos enchem os écrans de televisão, enquanto as gentes, fartas de desgovernos, se agitam contra estorvos um tudo ou nada mais comezinhos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Inadvertências...

Inadvertidamente, algumas deputadas validaram as presenças de outros colegas deputados. Desconhece-se se o género, aqui, é importante; se no Parlamento, os inadvertidos serão todos femininos e os fantasmas masculinos ou é ao contrário. Ou nenhuma das duas. Os anjos, sabemos que não têm sexo, mas, quanto ao género, há imensas dúvidas e não consta que o Parlamento tenha anjos. Nem virgens, em nenhum dos géneros, que, sobre isso, já fomos contundentemente esclarecidos. Adiante.

Absolutamente seguro de que não terá cometido, nunca, qualquer inadvertência, mesmo não sendo virgem, eventualmente, Carlos César garantiu que, no PS, não há lugar para deputados fraudulentos. Até para praticar fraude, é preciso arte. Em não se sendo competente artífice, pode sempre ter-se a sorte de nascer nas ilhas. Mas, uma vez mais, não está ao alcance de todos. No PS, não há espaço para deputados fraudulentos. O facto de se receber subsídios por viagens de avião que não se fizeram parece que não é bem fraude. Podia ser eticamente reprovável, mas não inadvertidamente, não sejamos deselegantes.

Não sei se porque pintam as unhas, aproveitam para pôr o sono em dia, ou para discutir as últimas do futebol, muitos são os deputados e deputadas distraídos durante os trabalhos parlamentares. De modo que, inadvertidamente a deputada que carregou no botãozinho por Feliciano Duarte, também já o fez "muitas vezes por vários outros colegas". Inadvertidamente, aposto. E, aparentemente, não é exclusivo da bancada do PSD, "que atire a primeira pedra quem não sabe que isto acontece". Vejam lá, não vão, inadveridamente, acertar nas virgens. Entretanto, a mesma deputada que, inadvertidamente, claro está, validou ausentes presenças de Feliciano Duarte no Parlamento faz parte do Conselho de Jurisdição do PSD, que tem a responsabilidade de analisar estes casos. Portanto, em princípio, manter-se-ão as virgens e não deverá haver arremesso de pedras. Ou ao contrário, e teremos uma hecatombe inadvertidamente anunciada.

Mas, desengane-se quem pensa que só por cá há desatentos crónicos. Em terras de sua majestade, Boris Johnson admitiu não ter declarado em devido tempo uns milhares de libras de rendimentos com livros e artigos em jornais. Pediu desculpa e explicou que o fez inadvertidamente. Nove vezes ao longo dos últimos 12 meses…mas, por lá, parece que também já houve quem jogasse "candy crush" enquanto se discutiam problemas do reino, por isso...dizem que o jogo é viciante.

É evidente que, mesmo no que a inadvertências diz respeito, não somos todos iguais (suponho que o mesmo se passe com o irrevogável). Aqui há uns anos, tranquilamente, fui de férias e, inadvertidamente, esqueci-me de entregar a tempo a minha declaração periódica de IVA. Prontamente mo lembraram. Com uma multa de quase 200 euros que, infelizmente, lá tive que pagar…

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Neste Natal quero um "primo muito próximo e muito querido", posso?

Além de um bom amigo que lhe financia, ou financiava, um estilo de vida de fazer inveja, José Sócrates também tem um “primo muito querido e muito próximo” que lhe empresta casas de luxo.

Admito. Cada vez que ouço falar o nosso ex-primeiro preciso de escrever cinquenta vezes, à laia de penitência e de forma compulsiva: “toda a gente é inocente até prova em contrário”. Não havendo prova, apenas lata descomunal, é preciso acreditar piamente na bondade dos homens. De alguns. Principalmente daqueles que, qual Madre Teresa, facilmente abdicam de desprezíveis e desprezáveis bens materiais em favor das aflições do próximo, animados da mais pura e assombrosa abnegação. Não é bem fazer o bem sem olhar a quem, pois que, quanto sabemos, olham sempre ao mesmo, mas sempre é mais altruísta do que não olhar a ninguém. Tenho sempre uma enorme admiração por quem é capaz de tão despudorado desapego às coisas mundanas!

O primo, amoroso, emprestou a Sócrates um apartamento de luxo, na Ericeira. Sócrates, encarniçado, não gostou que o jornalista lhe fizesse perguntas sobre o assunto. Com o fastio que lhe é caro, salvo seja!, e habitual, dissertou sobre essa mania que os jornalistas têm de perguntar como é que vivem como vivem antigos ex-primeiros-ministros acusados de crimes de corrupção e branqueamento de capitais, entre outros, mais ainda, quando os primos e amigos, muito próximos e muito queridos, também acumulam a condição de arguido, que há gente para quem a solidariedade, de facto, não tem limites.

Onde será, realmente, que os jornalistas vão buscar a ideia de que têm o direito de fazer perguntas e incomodar as pessoas sobre actos banais da vida privada? Desconfio que os jornalistas pensam que Sócrates não é bem o que chamamos uma pessoa, os seus actos não serão exactamente banais e o modo como sustenta a sua a vida privada é capaz de ser assunto de interesse público. E, sabemos bem, os jornalistas enganam-se demasiadas vezes.

A contragosto, José Sócrates lá foi respondendo, à SIC e sem exemplo, embora as perguntas lhe revelem o nível de jornalismo que se faz e que, seguramente, não estará ao nível da governação que o próprio fez e, isso, talvez o irrite ainda mais.

Cansado da devassa da sua vida privada, José Sócrates denunciou, ali mesmo, a repugnância que lhe provoca o jornalismo português. Ainda bem que, aparentemente, só isso repugna o senhor ex-primeiro-ministro. Não apreciasse ele outras características portuguesas, quiçá desagradáveis a outros quantos de nós, e há muito que as suas indignações ficariam circunscritas aos pátios prisionais desta bela República, eventualmente para lá da cela que poderia adornar com alguns dos quadros que o Tribunal, entretanto, lhe devolveu.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Justiça e (ou?) Violência

“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.”

Jean-Paul Sartre.

 

Mesmo que, nas mãos do povo, alguém a alcunhe de justiça, a violência não devia ser secundada, muito menos, atendida. E, às vezes, parece não haver outra alternativa.

Em França, os “gilets jeunes” conseguiram, de momento, que Macron voltasse atrás no aumento do imposto sobre os combustíveis. Ao Governo francês não parecia restar muito mais, a não ser que houvesse demissões. Pode ser que isso seja suficiente para conter a próxima onda de horror que já começa a ganhar forma nas redes sociais; uma ameaça em crescendo, pronta para mais um sábado de anarquia e destruição bárbara. Pode ser suficiente, mas eu duvido. Quem se manifesta vestido como quem vai para a guerra, não estará forçosamente interessado no aumento ou diminuição de taxas, mesmo que as exigências, entretanto, já tenham ultrapassado o vulgar aumento dos combustíveis. Dizem que a violência é mais ou menos comum nos franceses e que nós, não-franceses, estaremos mais chocados do que eles. É possível, mas, não deixa de ser condenável e aterrorizador.

Entretanto, não percebi bem o que tentaram ensaiar por cá os bombeiros que se manifestaram ontem em Lisboa. Mas não apreciei o “Deixa arder” e dispensava a simbologia das chamas, na concentração. Apenas para que o nojo não se cole à nobreza de alguns homens e dos valores que eles defendem, não vamos, nós também, perder a lucidez. E, sobretudo, para que não nos confundam, que os tempos já são suficientemente insanos.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Amarelo Vivo, Amarelo Negro




Nas ruas de Paris, milhares de vândalos soltaram a raiva e esventraram a França. Calçadas queimadas, carcaças de automóveis consumidos pelas chamas, barricadas, tochas, edifícios queimados, esmoucados, pilhados. Homens e mulheres preparados para a guerra, caras tapadas, alguns com máscaras antigás, provocatórios, violentos, focados num único objectivo: destruir; instalar o caos. Na selvática loucura, estropiaram os símbolos da República cuja protecção reclamam à mercê das suas vontades. Marianne assombra-se com horror, esburacada, esbofeteada às mãos dos bárbaros, talvez os mesmos que ajoelham em profano respeito pelo soldado desconhecido. Na fúria, pintaram de infâmia, em palavras de ordem, de rude e vulgar desordem, o Arc de Triomphe, avisando, jurando, manter a França a ferro e fogo, vilmente usurpada, até à capitulação daquele a quem culpam pela barbárie.

Mas, afinal, o que querem esses a quem chamamos “coletes amarelos"? Aparentemente, começaram por não querer o aumento do imposto sobre os combustíveis, organizando-se pelas redes sociais, num protesto onde – diziam camionistas portugueses (bloqueados nas estradas contra a sua vontade) – não havia franceses. Agora, querem muito mais, eventualmente não demasiado e, seguramente, a razão assiste-lhes. Aliás, dizem que é o povo quem protesta. Não são maquinações extremistas, nem de direita, nem de esquerda, hordas de javardos empenhados em semear o caos. Não. São gente normal, sofrida, esmagada pelos impostos, cujos ordenados teimam em ter menos dias do que aqueles que compõem um mês, e que já não suporta mais um presidente dos ricos. E, talvez assim seja; mas, é difícil de acreditar quando estarrecemos, incrédulos, ante o rasto de destruição. Pode gente normal, gente pacífica, manifestar-se de forma tão ultrajante, violentando o país a que orgulhosamente pertence? Saramago imaginou, pelo menos, uma vez, que sim; que podemos, em desespero, sucumbir à mais baixa condição. Descreveu-o, violentamente, no seu magnífico ensaio sobre essa cegueira que nos torna inumanos perante as piores agruras.

Talvez, então, seja avisado olharmos. Dar ouvidos ao mal-amado arauto e, em podendo olhar, vermos. E, em pudendo ver, repararmos.

Aproximam-se eleições – um ano é quase nada – e, na ânsia de agradar, se não a todos, aos que dão votos porque são muitos, os mesmos partidos (hoje são estes, amanhã serão os outros) que nunca se entendem nas coisas fundamentais para o país – como a educação, a saúde e a justiça – conseguem sempre entender-se no esbulho da pátria, esmifrando aqueles que alimentam os cofres do Estado com os seus impostos, muitos sem empregos garantidos e sem poder, nunca, recuperar o tanto que perderam. Seremos, os portugueses, mais civilizados e pacíficos que os franceses, ou, apenas, por mais tempo? Asseguram-nos que a austeridade acabou e que podemos virar a página das privações e, no entanto, parecemos prestes a cometar os mesmos pecados que já antes nos arruinaram. 

A França recupera, em choque, da vontade do povo e, entretanto, Portugal é, outra vez, o melhor destino do mundo. Mas, é bom estarmos alerta.