Mas, afinal, o que querem esses a quem chamamos “coletes
amarelos"? Aparentemente, começaram por não querer o aumento do imposto
sobre os combustíveis, organizando-se pelas redes sociais, num protesto onde –
diziam camionistas portugueses (bloqueados nas estradas contra a sua vontade) –
não havia franceses. Agora, querem muito mais, eventualmente não demasiado e, seguramente,
a razão assiste-lhes. Aliás, dizem que é o povo quem protesta. Não são
maquinações extremistas, nem de direita, nem de esquerda, hordas de javardos
empenhados em semear o caos. Não. São gente normal, sofrida, esmagada pelos
impostos, cujos ordenados teimam em ter menos dias do que aqueles que compõem
um mês, e que já não suporta mais um presidente dos ricos. E, talvez
assim seja; mas, é difícil de acreditar quando estarrecemos, incrédulos, ante o
rasto de destruição. Pode gente normal, gente pacífica, manifestar-se de
forma tão ultrajante, violentando o país a que orgulhosamente pertence?
Saramago imaginou, pelo menos, uma vez, que sim; que podemos, em desespero,
sucumbir à mais baixa condição. Descreveu-o, violentamente, no seu magnífico
ensaio sobre essa cegueira que nos torna inumanos perante as piores agruras.
Talvez, então, seja avisado olharmos. Dar ouvidos ao
mal-amado arauto e, em podendo olhar, vermos. E, em pudendo ver, repararmos.
Aproximam-se eleições – um ano é quase nada – e, na ânsia
de agradar, se não a todos, aos que dão votos porque são muitos, os mesmos
partidos (hoje são estes, amanhã serão os outros) que nunca se entendem nas
coisas fundamentais para o país – como a educação, a saúde e a justiça –
conseguem sempre entender-se no esbulho da pátria, esmifrando aqueles que
alimentam os cofres do Estado com os seus impostos, muitos sem empregos
garantidos e sem poder, nunca, recuperar o tanto que perderam. Seremos, os
portugueses, mais civilizados e pacíficos que os franceses, ou, apenas, por
mais tempo? Asseguram-nos que a austeridade acabou e que podemos virar a página
das privações e, no entanto, parecemos prestes a cometar os mesmos pecados que
já antes nos arruinaram.
A França recupera, em choque, da vontade do povo e,
entretanto, Portugal é, outra vez, o melhor destino do mundo. Mas, é bom
estarmos alerta.