sexta-feira, 28 de outubro de 2022

"Las calles de Buenos Aires

ya son mi entraña.

No las ávidas calles,

incómodas de turba y ajetreo,

sino las calles desganadas del barrio,

casi invisibles de habituales,

enternecidas de penumbra y de ocaso

y aquellas más afuera

ajenas de árboles piadosos

donde austeras casitas apenas se aventuran,

abrumadas por inmortales distancias,

a perderse en la honda visión

de cielo y llanura.

Son para el solitario una promesa

porque millares de almas singulares las pueblan,

únicas ante Dios y en el tiempo

y sin duda preciosas.

Hacia el Oeste, el Norte y el Sur

se han desplegado –y son también la patria– las calles;

ojalá en los versos que trazo

estén esas banderas."

Jorge Luis Borges




 
E deixavam os quadros em paz.


sábado, 22 de outubro de 2022

País pobre, pobre País

“São casos de necessidade que dão muita pena. E quando assim é, não costumamos chamar a polícia”, “Temos apanhado muitos idosos a tentar levar pão, salsichas ou atum. Há pouco tempo vi um idoso a tentar roubar batatas e uma senhora de idade a esconder pastéis de bacalhau no bolso. Quando a abordei, pediu muita desculpa e explicou que tinha fome. E há mulheres com filhos que dizem que já não têm como lhes dar de comer. É muito triste. Chego a dizer-lhes: ‘Prefiro que me peçam. Não sou rico, mas posso oferecer alguma coisa.’ E eu próprio vou à caixa pagar”

 

Creio que nunca como hoje Portugal me pareceu um país tão falido. Nem sei bem como olhar para aquela reportagem do Expresso – são retratos de miséria a vários tons. Deve ser real e dramático o aumento do número de bens alimentares básicos roubados nos supermercados porque é preciso qualquer coisa mais que coragem para expor prateleiras onde as garrafas de azeite são protegidas como fino whisky e as latas de atum são guardadas em caixas de acrílico anti-roubo.

E, aquele parágrafo, ainda o tenho às voltas no estômago.

Os números da Pordata sobre a pobreza em Portugal são esmagadores: sem apoios sociais, mais de quatro milhões de pessoas são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza. No mesmo país da “querida tecnológica” de Paddy Cosgrave, do paraíso fiscal para reformados ricos e muito estrangeiros, mesmo que a nossa nacionalidade se venda como a ginjinha do Rossio onde, por agora, vivem ao relento um sem número de timorenses atraídos por promessas de trabalho escravo, enquanto se pensam estratégias para atrair nómadas digitais e se ensaiam modelos para a semana de quatro dias de trabalho.


 



Nada do que há em ti me inspira compaixão. Não há nada de generoso no meu tempo, se o que procuro são as palavras que viajam sob a minha pele. Também não sei nada do teu nome soletrado com a misericórdia dos versos lassos como sermões de Domingo, saboreai e vede como o Senhor é bom, cânticos de piedosa doçura, o amor obediente aos caminhos que salvam o corpo e a alma da tentação da desvirtude e do vício. Sei do cheiro húmido da terra fértil, do latejar urgente e mudo da luz sobre o relâmpago, do tempo quieto, suspenso num instante antes do rouquejar do trovão. O grito agoirento da gaivota quando o ar anuncia tempestade e, nos ancoradouros, rangem as cordas que arrancam os barcos à fúria das ondas. Sei do belo e do profano, da embriaguez do Inverno, da ameaça de vertigem quando o teu corpo reclama o meu.


segunda-feira, 17 de outubro de 2022



domingo, 16 de outubro de 2022

 


"Colho esta luz solar à minha volta,
No meu prisma a disperso e recomponho:
Rumor de sete cores, silêncio branco.

Como flechas disparadas do seu arco,
Do violeta ao vermelho percorremos
O inteiro espaço que aberto no suspiro
Se remata convulso em grito rouco.

Depois todo o rumor se reconverte,
Tornam as cores ao prisma que define,
À luz solar de ti e ao silêncio."

José Saramago


quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Liberdade de Expressão

Alex Jones – que, provavelmente, dispensa apresentações – foi condenado ao pagamento de 965 milhões de dólares em indemnizações “às famílias de Sandy Hook”. Segundo a sua muito livre capacidade de ver o mundo de acordo com a teoria mais proveitosa a cada passo – essa liberdade com direito absoluto sobre qualquer contrariedade, e a verdade, como se vai sabendo, é o que um homem quiser –, o tiroteio na escola primária de Sandy Hook, em 2012, não ocorreu como foi noticiado. Aliás, não ocorreu de todo: tratou-se apenas de uma farsa, um elaboradíssimo plano para retirar as armas às pessoas que gostam muito de possuir armas. As famílias que vimos chorar os seus mortos – vinte dos quais, crianças – eram meros actores.

Durante anos, Jones alimentou uma história escabrosa sob a forma de informação e ganhou dinheiro, muito dinheiro, à custa do sofrimento inimaginável daqueles pais e mães que, depois do horror, ainda foram obrigados a lidar com a seita de fanáticos que lhe presta culto: ameaças de morte, ameaças de violação, um tarado qualquer que urinou na campa de uma das crianças mortas.

Há gente capaz de desenterrar o pior que há em mim. Não é bem desejar-lhes a morte, não desejo a morte de ninguém e a morte pode ser o fim, mas não é, seguramente, o mais terrível. O que desejo pode ser impronunciável.


terça-feira, 11 de outubro de 2022



segunda-feira, 10 de outubro de 2022



quarta-feira, 5 de outubro de 2022

 

… eis o que também pensei: guardar-te no verso das histórias que me encontram.


terça-feira, 4 de outubro de 2022



Isto continua a ser embaraçosamente bom.

Coisas realmente estranhas

Não sei bem o que é um NFT. Non-fungible tokens, certo, mas não passo daí; e não gosto da palavra “fungible”, nem na sua versão portuguesa. 

Já houve quem me tentasse com uma explicação simples da coisa, aquilo do como se eu tivesse cinco anos, mas a minha razão tem razões que só a própria reconhece.

Na versão mais ousada e abusada do espantoso fenómeno, um milionário mexicano ou americano, Mobarak de seu nome (é quase engraçado), resolveu queimar o quadro Fantasmones Siniestros, e, assim, operar uma transição permanente para Metaverso da pintura de Frida Kahlo; ou, agora, 10 mil pedacinhos de criptoarte.

A queima foi cerimoniosa, num elegante copo de Martini cheio de pedrinhas azuis, com público e banda sonora apropriada, canta y no llores, anda, que é só um quadro. O dinheiro servirá a caridade. 

Dizem-me que já aconteceu o mesmo ao Fumeur V, de Picasso. Pode ser. Não entendo na mesma, e custa-me a crer que os originais sejam mesmo originais.

Nada disto interessa muito, mas o que interessa muito não anda melhor.


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

 


Um dia vou despir-me de ti.