sábado, 29 de dezembro de 2018

A Propósito dos Fracos

“Um político deve ter a habilidade de prever o que irá acontecer amanhã, na próxima semana, no próximo mês e no próximo ano. E a habilidade de explicar, depois, por que nada disso aconteceu", Winston Churchill.

E, no entanto, há políticos a quem falta, não só a habilidade para prever, como a competência para gerir e a decência para assumir o que podem, seguramente, explicar: porque aconteceu, como aconteceu.

Em entrevista à TSF, António Anselmo, presidente da Câmara de Borba, declarou-se orgulhoso enquanto português. Parece que o senhor presidente de câmara nem sempre se orgulhou de tal e até já duvidou, noutras ocasiões, do Estado. Ninguém diria. Mas não desta vez. E esta é a vez em que o Estado decidiu avançar com as indemnizações às famílias das vítimas da previsível e fatídica derrocada da estrada 255.

Há um tipo de pobreza que enoja. É a pobreza indecente do tipo da do senhor António Anselmo que, para minha vergonha minha, é presidente de uma Câmara do país a que chamo meu. O senhor que se orgulha da atitude do Estado, é o mesmo que ignorou o alerta de perigo que a estrada representava, mesmo depois de lhe terem explicado porquê. Segundo esta notícia do Público, de acordo com a acta da assembleia municipal de 27 de Dezembro de 2014, “António Anselmo deixou clara a intenção de organizar uma reunião alargada”, sobre a situação que veio a revelar-se trágica. Mas a reunião não chegou a ser convocada. O senhor Anselmo ainda não olhou para os documentos. Di-lo "sem qualquer tipo de desculpa" e, acrescento eu, sem qualquer tipo de vergonha. Com a mesma aviltante pobreza, pensou que, se realmente “houvesse perigo”, a Direcção Regional da Economia do Alentejo – responsável pelo memorando que alertava para isso – tê-lo-ia “avisado novamente”. Tal-qual. Isto, apesar de, já em 2006, um estudo referir uma fracturação da jazida de mármore por onde serpenteava, inocente, a EN255. O senhor presidente Anselmo parece que também desconhece o estudo. Ninguém lho mostrou. E, orgulhoso que está, mantém a decisão de não se demitir. Hoje, como há pouco mais de um mês, quando a sua ignorância abriu a porta à desgraça que matou, estupidamente, cinco pessoas, António Anselmo afirma que a demissão é “própria dos fracos”. E, fraco, é coisa que o senhor Anselmo não é. Afinal, dos fracos não reza a história, e eu gostava que a história rezasse deste, e não apagasse tragédias como as de Borba. Para que, se não o respeito, pelo menos o pudor e a decência, obrigassem os políticos, entre eles, os presidentes de câmara, a desempenhar os seus cargos com lisura.

Infelizmente, ao contrário do senhor Anselmo, não estou tão orgulhosa deste estado português. Mas, era capaz de me orgulhar, se os Anselmos da vida política portuguesa desaparecessem do mapa, como por escandalosa incúria fizeram com a estrada de Borba.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Fiascos de Várias Cores

Depois de uma sangria desatada de artigos, notícias, entrevistas e muitos desejos amarelos, a manifestação que ia parar Portugal, travou-se a si mesma, esfumou-se mesmo antes de começar.

Não sou capaz de dizer o que terá frustrado - estrondosamente - a tentativa de protesto. Palpita-me que não saber bem o que se pretende para o país, enquanto país, longe dos chavões tão gastos quanto vazios, tenha ajudado. Gritar muito e muito alto tem, mais ou menos, o mesmo efeito que chorar: alivia mas dificilmente resolve qualquer coisa.

No entanto, era prudente e sensato que a comunicação social dita de referência fizesse um bocadinho mais do que informar por antecipação, criando (ansiando por) notícias antes dos factos. Para isso, já temos outros protagonistas de maior arrojo e competência, dispensam-se imitadores medíocres. Se o bom jornalismo sucumbir à orgia da desinformação inflamada a troco de auditório fácil e fecundo, a democracia talvez passe ao regime mais dispensável do mundo...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

"Stupid You!"

Há uns anos, a propósito da discussão ainda não esgotada (infelizmente) sobre a igualdade entre homens e mulheres, nomeadamente, no mercado de trabalho, alguém dizia que só teríamos igualdade quando a uma mulher incompetente fosse permitido ocupar um lugar de topo numa empresa.

Na altura, lembro-me de achar a afirmação um pouco forçada, mas percebi a intenção. Uma mulher tem sempre mais a provar. Talvez, menos hoje do que ontem e menos amanhã do que hoje, mas a realidade ainda é esta. Se, além disso, a mulher é atraente, terá de provar o dobro, até ser possível, como devia ser normal, avaliá-la exclusivamente pelo profissionalismo (ou falta dele, também), em vez de se lhe apreciar o ar saudável ou os trapinhos que veste. Continua a acontecer, não vale a pena negar, como não vale a pena choramingar. Contraria-se, com firmeza, não permitindo abusos, muito menos, retrocessos.

Apesar de todos os progressos que fomos fazendo, ainda há características que significam coisas diferentes, consoante se apliquem a um homem ou a uma mulher. E, isto, falando de países “privilegiados”, onde as mulheres não são diminuídas e humilhadas por decreto, como acontece por esse mundo fora, mas que não é ao que venho. Se, num homem, teimosia e arrogância, por exemplo, podem chegar a qualidades dignas de elogios - absolutamente imprescindíveis, até, em alguns casos - numa mulher serão quase sempre encaradas como defeitos. No limite, e em sentido contrário, um homem teimoso e arrogante pode até ser antipático; mas, uma mulher teimosa e arrogante facilmente atinge o estatuto de histérica. O insulto, ou a sua intenção, também tem género. Se um homem se torna impertinente ou arrogante para lá da conta, ninguém lhe atira com um “deves ter falta de sexo”, coisa que as mulheres impertinentes e arrogantes, à falta de “paciência” e de argumentos mais inteligentes, ouvem com relativa frequência e facilidade.

Ontem, Jeremy Corbyn irritou-se com Theresa May e, na tal impaciência que se permite a alguns homens, incapacitado de melhor argumento, verbalizou a raiva em surdina chamando stupid woman à sua primeira-ministra, a ultrajante deselegância implacavelmente denunciada pela magnífica dicção britânica, tornando ridiculamente cobarde a tentativa de substituir woman por people para justificar a inacreditável boçalidade.

Já há mulheres incompetentes a ocupar cargos de topo. Talvez, é certo, sejam dispensadas mais prontamente do que os homens. Daí que, é possível que alcancemos a plena igualdade entre homens e mulheres apenas e quando chegarmos à suprema igualdade na forma do insulto.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O país da Websummit, do melhor destino turístico e da falência do Estado

Aos três efes que alguns dizem caracterizar Portugal, estamos prestes a colar um quarto; o de falência, que também pode ser de fraude. E se há quem se confunda quanto a quem realmente terá promovido a designação dos três primeiros, este, entra-nos pelos olhos, rompe-nos pela casa adentro, deslumbrados, enquanto escancaramos a porta ao popular e entusiástico empreendedor Paddy Cosgrave mais os seus apóstolos e aos turistas carinhosos, ruidosos, que nos escolhem como o melhor destino de mundo, pelo segundo ano consecutivo. Ao mesmo tempo que revolucionárias startups enlouquecem e brotam como cogumelos pró-milionários, bilionários, alucinados e alucinantes, e que hordas de turistas descobrem, finalmente, onde fica Portugal, o país apodrece, por dentro, às mãos ávidas, promíscuas e incompetentes dos muitos que, em não nos governando, indecentemente, muitas vezes, se governam em banquete.

Os turistas e os empreendedores não terão, ainda, percebido o logro. O de um país maravilhoso por fora e miseravelmente abandonado por dentro. No país que admiram, não se adivinham estradas engolidas pelas assombrosas pedreiras, magníficas, que visitam nas férias de verão, como não se imaginam caminhos calcinados e vidas devoradas pela pavorosa gula das chamas insubmissas, que incendeiam, grotescas, estradas nacionais onde não abundam transportes de recreio; não se suspeita Tancos, nem paióis, nem comparações jocosas com sagas radiofónicas; não há, no país da moda, helicópteros de socorro desaparecidos por quase duas horas, apenas aqueles que se usam, eventualmente, pontualmente chiques e arrojadamente elegantes, para experiências panorâmicas. Perdidos, maravilham-se. E nós com eles. “Eu consigo encontrar uma trotinete por GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do INEM”, eis a nossa maravilhosa e imbatível modernidade.

Tal como em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão – provérbio mais ou menos inócuo até PAN ou PETA, em contrário – quando todos, em (in)consciência, nos falham de forma estrondosa e leviana, atacam-se com raiva e sem decoro, prosseguindo a injúria, ministros e sindicatos, civis e militares, protecção civil e bombeiros…não há quem se não apresse em acusar, em deturpar, em concluir.

Embrutecido o povo, desvalorizadas as tragédias, insultados os mortos, há uma parte do país que se esgota em agonia. 

sábado, 15 de dezembro de 2018

Ai, Agostinho...

O secretário-geral do PSD, José Silvano, está de acordo em que sejam impostas sanções aos deputados que, sem lá terem posto os seus escorreitos pés, marquem "presença" no Parlamento por via daquelas virgens nada ofendidas que conhecem as passwords pessoais e intransmissíveis de outros colegas e que, inadvertidamente, as utilizam se for caso disso.

Por momentos, fiquei a pensar se aquele José Silvano, “homem honrado e credível”, que quer que a política seja feita “pelo exemplo”, seria o mesmo José Silvano a quem, aqui há tempos, a tão prestável quanto distraída colega Emília Cerqueira validou (im)presenças parlamentares. Concluí que, efectivamente, os dois são uno e fiquei ainda mais confusa. Seguramente, por incompetência minha.

 

Em circunstâncias normais, o direito à greve tem uma consequência negativa também para o que adere a essa (justa) forma de protesto, já que deixa de receber o salário correspondente a esse, ou a esses dias. Os nossos enfermeiros encontraram uma forma, digamos, ardilosa de suavizar o inconveniente detalhe: recorreram ao crowdfunding. Assim, e durante a greve que dura até 31 de Dezembro, cada enfermeiro em greve continua a receber uma espécie de salário: 42 euros por dia. Não sei se é muito, pouco, o normal, mas o facto, só por si, parece ter algo de perverso. Afinal, sem qualquer penalização financeira para quem adere à greve, não sei se a consciência do prejuízo que sobra exclusivamente para os doentes e seus familiares será suficiente para chegar a consensos.  

 

Forjar habilitações parece ter-se tornado normal. E banal. Vale tudo, haja descaramento onde falta o curriculum.  A candidatura de Maria Begonha à liderança da JS tem, ou tinha, várias gralhas, que é simpático eufemismo para declarações fraudulentas com vista a abrilhantar competências poucochinhas, às vezes, medíocres. No caso desta Maria, até a data de nascimento foi importante ajustar, para que a jovem estagnasse, momentaneamente, no limite dos 30 anos para além dos quais, parece, não se pode continuar como militante dos jotinhas socialistas.

Entretanto, um outro militante da JS entregou, na passada sexta-feira, uma providência cautelar para impugnar o Congresso que irá eleger a única candidata a líder, Maria Begonha, e que terminará este Domingo. O Tribunal analisará a providência cautelar na próxima segunda feira, um dia depois da Maria ser eleita. Tudo normal, portanto.

Já Maria Begonha (ou alguém por ela) apagou a candidatura e, sem vergonha, fez saber que o seu "percurso pessoal e cívico sempre se pautou pelo rigor e pela verdade".

Não sei se, em vez de nos andarmos a preocupar com a linguagem inclusiva, não devíamos antes empenharmo-nos em explicar aos nossos ilustres políticos e candidatos a políticos o significado singelo de palavras como rigorverdade e honra. Podíamos promover, e adaptar, assim uma espécie de dicionários ilustrados, como aqueles que se oferecem aos miúdos para que aprendam línguas estrangeiras

 

Está tudo grosso...


quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Diz que é inveja...

Diz-se que somos um país de invejosos. Parece que invejamos quem tem dinheiro, poder e aquilo a que se chama estatuto social.

Há muito que suspeito que a vil inveja que nos assalta é capaz de resultar de casos como os relatados aquiaqui e aqui.

Não gostamos de nos comparar, mas talvez seja bom lembrar outras histórias, de desencantar.

No princípio são os banqueiros. Parece que existem quarenta e sete banqueiros presos por causa da crise financeira de 2008. Metade são da Islândia. Que tem menos de 350 mil habitantes, mas deve ter muitos bancos. De momento, há um preso famoso e não consta que seja islândes. Bernard Madoff é americano e, em seis meses, Bernie, para os amigos, foi preso, acusado e julgado. Nos EUA de antes, pelo menos. É verdade que o seu famoso esquema Ponzi ludibriou muita gente, autoridades incluídas, durante mais de duas décadas, mas, o homem acabou condenado a 150 anos de prisão. Madoff terá confessado o esquema aos filhos que o denunciaram. O que terá passado pela cabeça daquelas almas? E, em que consistia o esquema? No "pagamento de lucros anormalmente altos a investidores à custa de investidores que chegavam posteriormente, em vez de receita gerada por qualquer negócio real" (aqui). Jura! Qualquer semelhança com alguns banqueiros da nossa praça é capaz de ficar por aqui. O mais próximo da prisão que algum deles, desses, esteve foi em preventiva. Um houve que, dizem, foi vaiado num restaurante chique da linha, mas outros há que continuam a ser eleitos e adorados. Prisão, prisão, entre recursos, apensos, férias judiciais e outros que tais, talvez quando o Bernie acabar de cumprir os tais 150 anos. Ah!, se a Madonna calha em descobrir mais cedo os encantos de viver em Lisboa...Talvez a vida do Bernie fosse diferente, mesmo sem conhecer o Carlos Alexandre.

Depois, são os gestores. De topo. Aqueles que pagamos a peso de ouro, não vão esses ilustres génios fugir para o estrangeiro e deixar o país ao deus-dará. Sou de opinião que, se alguém os quiser levar, pagar-lhes o que por cá recebem para fazer o que por cá fazem, é deixá-los ir. Poupamos, nós, dinheiro e, eles poupam-se - e poupam-nos - ao ridículo dos ataques de amnésia em comissões de inquérito, onde ainda são obrigados a ouvir a Mariana Mortágua a chamar-lhes amadores...é bem merecido.

Entretanto, discute-se o valor do ordenado mínimo, que continua a ser miserável e há, em Portugal, perto de meio milhão de pobres. "Um país rico não pode ter trabalhadores pobres", e eu acho que o mesmo se aplicaria às empresas.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A Morte Fica-lhes Tão Mal!

O Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, não pode garantir que não haja mortes como consequência da greve de enfermeiros.

A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, admite que a greve dos profissionais que representa pode "potenciar" mais mortes de doentes.

 

Como a greve se mantém, suponho que a morte em si não preocupe grandemente qualquer um dos intervenientes. O médico culpará o enfermeiro, que culpará o Governo, que culpará os sindicatos. Até que se consiga atribuir alguma responsabilidade, todos poderão dormir de consciência tranquila, imagino, com a irrelevante excepção dos familiares dos que morreram. Deve ser aquilo a que se chama "danos colaterais"; ninguém quer, mas acontece a bem de um outro bem maior.

 

A greve é um direito. Os motivos das greves, às vezes, espantam e as consequências, muitas vezes, enojam. Porque, ou há um manifesto exagero na anunciação da suspeitada trajédia, ou a trajédia é mesmo possível. Em qualquer dos casos, os protagonistas deviam ter vergonha.


terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Quanto custa apaziguar uma "cólera justa"?

É de um pessimismo alarmante pensar numa séria ameaça à paz na Europa?

Domingo à tarde, entre amigos, discutíamos a relevância desta questão. Há ou não motivos para nos preocuparmos, seriamente, com o rumo dos acontecimentos mais ou menos recentes, entre os quais, a insurreição dos coletes amarelos, que tomaram de assalto as ruas de Paris?

Emmanuel Macron perdeu o povo. É o que parece; e parece-me, também, irreversível. Diz-se que o discurso, já de si tardio, não convenceu, o que não espanta. De repente, o grito de revolta convergiu para uma única exigência que engorda a cada sábado: a demissão do Presidente francês, arremessado como símbolo da classe rica e das visceralmente odiadas elites. Não parece fácil de contrariar e, obviamente, a oposição não ajuda; ao invés, acicata. A questão é, e se a Macron não restar, como se perfila, outra alternativa que não a de se demitir? Porque, aparentemente, no próximo sábado haverá outra manifestação, que, como as anteriores, se avizinha violenta, a cólera justa projectada em estilhaços avulsos que tudo dizimam, implacavelmente, até aniquilar o alvo, em renovado caos e absoluto horror. Serão 100 euros e mais alguns trocos, ou migalhas, suficientes para comprar a paz social? Isto, admitindo que as medidas anunciadas passam, efectivamente, à prática, com consequências na gestão das expectativas dessa “France périphérique”, como lhe chamaram ou chamam, a França da periferia, em oposição à França sofisticada e rica das grandes cidades. Lá, como cá, os mesmos cansaram-se de acudir a todas as crises, tantas vezes recorrentes. Cá, ao contrário de lá, ainda vamos aguentando. Até quando, não sabemos. De momento, ouvi dizer que se vestem coletes, amarelos, a 21 de Dezembro.

Se Macron cair, novas eleições em França talvez dêem a almejada vitória à temida - inevitável? - Marine Le Pen e ao seu renovado União Nacional. Com o Vox a engrossar a voz na vizinha Andaluzia, o cerco aperta-se. O CHEGA chegará para nos sacudir e assustar, ou já faz estragos silenciosos de que só daremos conta demasiado tarde? Ou, é ao contrário e a salvação das nações e dos povos subjaz, inevitavelmente, na emergência revigorante dos regimes nacionalistas e autoritários, eventualmente, ditatoriais?

 

P.S. Armando Vara foi à TVi insinuar que os últimos dez/nove anos da sua vida talvez tivessem sido diferentes se tivesse ajudado o juiz Carlos Alexandre. Talvez, até, não só a vida dele...

Com certeza, não serei só eu a ter uma opinião terrível sobre o significado disto.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Cobaias, Paparicos e Provérbios

Augusto Santos Silva fez saber, aos socialistas europeus, e não só, que “não podemos ser ambíguos para com regimes autoritários, venham da direita ou esquerda, sejam da Europa, América Latina, África ou asiáticos”. Isto, depois de quase termos prestado vassalagem a Xi Jinping, incluindo na nova e útil modalidade de cobaias entusiasticamente oferecidas numa espécie de dote.

Fiquei um pouco confusa. Ou o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros não sabe bem onde fica a China, ou desconhece os meandros do tipo de regime que por lá se pratica. Possivelmente, andou à conversa com Bernardino Soares, que percebe imenso de regimes políticos, principalmente, asiáticos. Parece que, por lá, as democracias possuem algumas peculiaridades que escapam aos mais incautos.

 

Donald Trump voltou a exibir o seu delicado encanto e apelidou de “dumb as a rock”, em português erudito, burro como um calhau, o seu ex-secretário de Estado. Parece que o senhor, que não Trump, claro, afirmou, numa entrevista, que o Presidente lhe terá pedido para fazer umas coisas que violavam a lei. Ninguém diria. Trump não gostou e, como é hábito quando algo não lhe corre de feição, partiu para o insulto pessoal. Via tuites, que, tal como no futebol, em equipa que ganha não se mexe. Além de burro,  Rex Tillerson também seria um preguiçoso dos diabos, pelo que, Trump deixou claro que Mike Pompeo está a fazer um great job e, além disso, é bastante mais prestável e inteligente que o seu predecessor. Será, pelo menos, pelo tempo que Pompeo se mantiver útil e obediente no cargo; se vier a incompatibilizar-se com o endiabrado Donald, terá direito aos mesmíssimos nada alternativos mimos com que o Presidente agracia todos os seus ex-colaboradores, salvo aqueles que mantêm, mesmo à posteriori, o ritual do beija-mão. Quem não está com Trump, está contra Trump. E Trump não perdoa, não esquece e não conhece misericórdia.

           

Depois das linguagens inclusivas nas suas variantes mais bizarras, de que, por cá, o “camaradas e camarados” de um desastrado Pedro Filipe Soares foi o último golpe, eis que pretendem agora corromper-nos os sábios provérbios dos nossos antepassados. Já não vamos poder matar dois coelhos de uma cajadada, nem pegar o touro pelos cornos, porque, para um punhado de iluminados, há um risco pronunciado e não absurdo de podermos vir a confundir a linguagem metafórica com malévolas acções reais, levadas à prática num acto de demência anunciada e colectiva. Sair pela calada da noite, atirando paus aos indefesos gatos, embalados pela melodia que teima em não sair do ouvido; esmagar, sadicamente, um pássaro na mão, livrando-nos da tentação de arrojados actos. Se não por isso, por respeito aos bichos...e os loucos somos nós.

Por higiénica e escorreita prudência, nem beijinhos aos avós, nem princesas a arfar diante de sapos, não vão virar príncipes, nem géneros atirados biologicamente, nem músicas infantis mal-intencionadas, nem ditos populares animalescos. Tudo a bem da harmonia dos povos que brilha em amarelo vivo nas imagens que, há quatro semanas, nos enchem os écrans de televisão, enquanto as gentes, fartas de desgovernos, se agitam contra estorvos um tudo ou nada mais comezinhos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Inadvertências...

Inadvertidamente, algumas deputadas validaram as presenças de outros colegas deputados. Desconhece-se se o género, aqui, é importante; se no Parlamento, os inadvertidos serão todos femininos e os fantasmas masculinos ou é ao contrário. Ou nenhuma das duas. Os anjos, sabemos que não têm sexo, mas, quanto ao género, há imensas dúvidas e não consta que o Parlamento tenha anjos. Nem virgens, em nenhum dos géneros, que, sobre isso, já fomos contundentemente esclarecidos. Adiante.

Absolutamente seguro de que não terá cometido, nunca, qualquer inadvertência, mesmo não sendo virgem, eventualmente, Carlos César garantiu que, no PS, não há lugar para deputados fraudulentos. Até para praticar fraude, é preciso arte. Em não se sendo competente artífice, pode sempre ter-se a sorte de nascer nas ilhas. Mas, uma vez mais, não está ao alcance de todos. No PS, não há espaço para deputados fraudulentos. O facto de se receber subsídios por viagens de avião que não se fizeram parece que não é bem fraude. Podia ser eticamente reprovável, mas não inadvertidamente, não sejamos deselegantes.

Não sei se porque pintam as unhas, aproveitam para pôr o sono em dia, ou para discutir as últimas do futebol, muitos são os deputados e deputadas distraídos durante os trabalhos parlamentares. De modo que, inadvertidamente a deputada que carregou no botãozinho por Feliciano Duarte, também já o fez "muitas vezes por vários outros colegas". Inadvertidamente, aposto. E, aparentemente, não é exclusivo da bancada do PSD, "que atire a primeira pedra quem não sabe que isto acontece". Vejam lá, não vão, inadveridamente, acertar nas virgens. Entretanto, a mesma deputada que, inadvertidamente, claro está, validou ausentes presenças de Feliciano Duarte no Parlamento faz parte do Conselho de Jurisdição do PSD, que tem a responsabilidade de analisar estes casos. Portanto, em princípio, manter-se-ão as virgens e não deverá haver arremesso de pedras. Ou ao contrário, e teremos uma hecatombe inadvertidamente anunciada.

Mas, desengane-se quem pensa que só por cá há desatentos crónicos. Em terras de sua majestade, Boris Johnson admitiu não ter declarado em devido tempo uns milhares de libras de rendimentos com livros e artigos em jornais. Pediu desculpa e explicou que o fez inadvertidamente. Nove vezes ao longo dos últimos 12 meses…mas, por lá, parece que também já houve quem jogasse "candy crush" enquanto se discutiam problemas do reino, por isso...dizem que o jogo é viciante.

É evidente que, mesmo no que a inadvertências diz respeito, não somos todos iguais (suponho que o mesmo se passe com o irrevogável). Aqui há uns anos, tranquilamente, fui de férias e, inadvertidamente, esqueci-me de entregar a tempo a minha declaração periódica de IVA. Prontamente mo lembraram. Com uma multa de quase 200 euros que, infelizmente, lá tive que pagar…

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Neste Natal quero um "primo muito próximo e muito querido", posso?

Além de um bom amigo que lhe financia, ou financiava, um estilo de vida de fazer inveja, José Sócrates também tem um “primo muito querido e muito próximo” que lhe empresta casas de luxo.

Admito. Cada vez que ouço falar o nosso ex-primeiro preciso de escrever cinquenta vezes, à laia de penitência e de forma compulsiva: “toda a gente é inocente até prova em contrário”. Não havendo prova, apenas lata descomunal, é preciso acreditar piamente na bondade dos homens. De alguns. Principalmente daqueles que, qual Madre Teresa, facilmente abdicam de desprezíveis e desprezáveis bens materiais em favor das aflições do próximo, animados da mais pura e assombrosa abnegação. Não é bem fazer o bem sem olhar a quem, pois que, quanto sabemos, olham sempre ao mesmo, mas sempre é mais altruísta do que não olhar a ninguém. Tenho sempre uma enorme admiração por quem é capaz de tão despudorado desapego às coisas mundanas!

O primo, amoroso, emprestou a Sócrates um apartamento de luxo, na Ericeira. Sócrates, encarniçado, não gostou que o jornalista lhe fizesse perguntas sobre o assunto. Com o fastio que lhe é caro, salvo seja!, e habitual, dissertou sobre essa mania que os jornalistas têm de perguntar como é que vivem como vivem antigos ex-primeiros-ministros acusados de crimes de corrupção e branqueamento de capitais, entre outros, mais ainda, quando os primos e amigos, muito próximos e muito queridos, também acumulam a condição de arguido, que há gente para quem a solidariedade, de facto, não tem limites.

Onde será, realmente, que os jornalistas vão buscar a ideia de que têm o direito de fazer perguntas e incomodar as pessoas sobre actos banais da vida privada? Desconfio que os jornalistas pensam que Sócrates não é bem o que chamamos uma pessoa, os seus actos não serão exactamente banais e o modo como sustenta a sua a vida privada é capaz de ser assunto de interesse público. E, sabemos bem, os jornalistas enganam-se demasiadas vezes.

A contragosto, José Sócrates lá foi respondendo, à SIC e sem exemplo, embora as perguntas lhe revelem o nível de jornalismo que se faz e que, seguramente, não estará ao nível da governação que o próprio fez e, isso, talvez o irrite ainda mais.

Cansado da devassa da sua vida privada, José Sócrates denunciou, ali mesmo, a repugnância que lhe provoca o jornalismo português. Ainda bem que, aparentemente, só isso repugna o senhor ex-primeiro-ministro. Não apreciasse ele outras características portuguesas, quiçá desagradáveis a outros quantos de nós, e há muito que as suas indignações ficariam circunscritas aos pátios prisionais desta bela República, eventualmente para lá da cela que poderia adornar com alguns dos quadros que o Tribunal, entretanto, lhe devolveu.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Justiça e (ou?) Violência

“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.”

Jean-Paul Sartre.

 

Mesmo que, nas mãos do povo, alguém a alcunhe de justiça, a violência não devia ser secundada, muito menos, atendida. E, às vezes, parece não haver outra alternativa.

Em França, os “gilets jeunes” conseguiram, de momento, que Macron voltasse atrás no aumento do imposto sobre os combustíveis. Ao Governo francês não parecia restar muito mais, a não ser que houvesse demissões. Pode ser que isso seja suficiente para conter a próxima onda de horror que já começa a ganhar forma nas redes sociais; uma ameaça em crescendo, pronta para mais um sábado de anarquia e destruição bárbara. Pode ser suficiente, mas eu duvido. Quem se manifesta vestido como quem vai para a guerra, não estará forçosamente interessado no aumento ou diminuição de taxas, mesmo que as exigências, entretanto, já tenham ultrapassado o vulgar aumento dos combustíveis. Dizem que a violência é mais ou menos comum nos franceses e que nós, não-franceses, estaremos mais chocados do que eles. É possível, mas, não deixa de ser condenável e aterrorizador.

Entretanto, não percebi bem o que tentaram ensaiar por cá os bombeiros que se manifestaram ontem em Lisboa. Mas não apreciei o “Deixa arder” e dispensava a simbologia das chamas, na concentração. Apenas para que o nojo não se cole à nobreza de alguns homens e dos valores que eles defendem, não vamos, nós também, perder a lucidez. E, sobretudo, para que não nos confundam, que os tempos já são suficientemente insanos.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Amarelo Vivo, Amarelo Negro




Nas ruas de Paris, milhares de vândalos soltaram a raiva e esventraram a França. Calçadas queimadas, carcaças de automóveis consumidos pelas chamas, barricadas, tochas, edifícios queimados, esmoucados, pilhados. Homens e mulheres preparados para a guerra, caras tapadas, alguns com máscaras antigás, provocatórios, violentos, focados num único objectivo: destruir; instalar o caos. Na selvática loucura, estropiaram os símbolos da República cuja protecção reclamam à mercê das suas vontades. Marianne assombra-se com horror, esburacada, esbofeteada às mãos dos bárbaros, talvez os mesmos que ajoelham em profano respeito pelo soldado desconhecido. Na fúria, pintaram de infâmia, em palavras de ordem, de rude e vulgar desordem, o Arc de Triomphe, avisando, jurando, manter a França a ferro e fogo, vilmente usurpada, até à capitulação daquele a quem culpam pela barbárie.

Mas, afinal, o que querem esses a quem chamamos “coletes amarelos"? Aparentemente, começaram por não querer o aumento do imposto sobre os combustíveis, organizando-se pelas redes sociais, num protesto onde – diziam camionistas portugueses (bloqueados nas estradas contra a sua vontade) – não havia franceses. Agora, querem muito mais, eventualmente não demasiado e, seguramente, a razão assiste-lhes. Aliás, dizem que é o povo quem protesta. Não são maquinações extremistas, nem de direita, nem de esquerda, hordas de javardos empenhados em semear o caos. Não. São gente normal, sofrida, esmagada pelos impostos, cujos ordenados teimam em ter menos dias do que aqueles que compõem um mês, e que já não suporta mais um presidente dos ricos. E, talvez assim seja; mas, é difícil de acreditar quando estarrecemos, incrédulos, ante o rasto de destruição. Pode gente normal, gente pacífica, manifestar-se de forma tão ultrajante, violentando o país a que orgulhosamente pertence? Saramago imaginou, pelo menos, uma vez, que sim; que podemos, em desespero, sucumbir à mais baixa condição. Descreveu-o, violentamente, no seu magnífico ensaio sobre essa cegueira que nos torna inumanos perante as piores agruras.

Talvez, então, seja avisado olharmos. Dar ouvidos ao mal-amado arauto e, em podendo olhar, vermos. E, em pudendo ver, repararmos.

Aproximam-se eleições – um ano é quase nada – e, na ânsia de agradar, se não a todos, aos que dão votos porque são muitos, os mesmos partidos (hoje são estes, amanhã serão os outros) que nunca se entendem nas coisas fundamentais para o país – como a educação, a saúde e a justiça – conseguem sempre entender-se no esbulho da pátria, esmifrando aqueles que alimentam os cofres do Estado com os seus impostos, muitos sem empregos garantidos e sem poder, nunca, recuperar o tanto que perderam. Seremos, os portugueses, mais civilizados e pacíficos que os franceses, ou, apenas, por mais tempo? Asseguram-nos que a austeridade acabou e que podemos virar a página das privações e, no entanto, parecemos prestes a cometar os mesmos pecados que já antes nos arruinaram. 

A França recupera, em choque, da vontade do povo e, entretanto, Portugal é, outra vez, o melhor destino do mundo. Mas, é bom estarmos alerta.


quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Inocente Perfídia

A aia entrou nos aposentos e fez uma ligeira vénia.

    – Mylady, a carruagem está pronta. O senhor vosso pai aguarda-vos.

    Levantou ligeira e discretamente a cabeça para admirar a noiva. Estava linda. A mulher mais bela que alguma vez se havia visto nas cortes da época. Sem dúvida, a mulher mais bela que ela alguma vez conhecera.

 

    Olhou-se ao espelho, uma última vez, demoradamente.

   Vestia um traje riquíssimo, sinal da abastada condição social a que, por direito, pertencia. O vestido, branco como a neve, era bordado com delicados fios de ouro que alastravam pela mais fina seda, desenhando ricas e impetuosas pregas até à orla do decote quadrado, para aí pousarem, acariciando o colo macio e leitoso, prenúncio de desgraça, já, de tantos nobres. Uma faixa de brocado dourado envolvia-lhe a cintura estreita, como o abraço delicado de um amante. No cabelo, sedoso e doirado como uma luminosa manhã de primavera, repartido por duas magníficas tranças, repousava um fino diadema cravejado das mais graciosas, raras e sumptuosas pedras preciosas. O brilho das jóias iluminava a face da noiva tonando-a ainda mais angelical.

    Estava linda, sim. Era quase afortunada.

  Vestira-se ricamente e a rigor para se unir a um homem que não conhecia, cumprindo uma promessa de seu pai. Um acordo político com vista a unir duas partes poderosas do reino, em que o único papel que lhe cabia era o que aquele majestoso espelho lhe devolvia. De momento.

  Esforçou-se por pensar com clareza e com apurado optimismo. Afinal, não era apenas uma mulher admiravelmente bela. Era astuta e, sobretudo, poderosa. Beleza, inteligência e poder. Sim. Talvez também ela tivesse algo a ganhar com a união, ainda que forçada. Por um instante, os seus olhos pareceram encher-se de lágrimas, mas foi apenas um momento fugaz. Por enquanto, só ela se sabia capaz. 

"E pur si muove..."

Também há belas lendas na história das ciências. Uma delas narra Galileu expiando a humilhação numa tímida revelia: obrigado a renegar a verdade científica para escapar à morte na fogueira que a Inquisição mantinha acesa e reservada aos perigosos hereges da época, terá suspendido num sussurro a sua crença mais profunda: “E, no entanto, ela move-se”.

Quando, nos dias de hoje, observamos os avanços da ciência, porque dela somos parte indissociável, pasmamos com tudo o que ela nos permite, nas mais variadas áreas. Para a ciência, parece não haver impossíveis, antes incompetências inconstantes, passageiras, que se aligeiram com o tempo e com o progresso. Os prodigiosos avanços científicos explicam hoje o que ontem espantava e, amanhã, lançarão luzes sobre as presentes trevas. É assim que o mundo pula e avançaapoiado nos ombros dos gigantes, enormes, sagazes, que, não só sonham, como procuram, questionam e experimentam. Se a ciência o permitir, cedo ou tarde, o Homem alcançá-lo-á.

A ciência e a religião são totalmente incompatíveis para muitos homens e mulheres da ciência. Peter Atkins reafirmou-o, por estes dias, em Lisboa, como já Stephen Hawking sentenciara que há-de chegar um momento em que não precisaremos de Deus para explicar a origem do Universo.

Há, no entanto, os que crêem, sem remorsos ou constrangimentos, em Deus e na ciência. E há os que, com inabalável tenacidade e descaramento, crêem na ciência para se aproximarem do papel destinado unicamente, pelos devotos, a Deus.

O mais recente dos intrépidos é o chinês He Jiankui. “Silenciou” um gene matreiro. E nasceram, parece, os primeiros bebés editados. Geneticamente. Lulu e a Nana possuem agora, eventualmente, a capacidade para resistir a uma futura infecção por VIH. Nunca, até agora, dizem, um investigador tinha conseguido fazer nascer um bebé com genes modificados e o geneticista já fez saber que há um terceiro bebé editado a caminho. A expressão continua a arrepiar, embora, a “edição genética” tenha nome – CRISPR-Cas9 – e haja algum trabalho experimental na área. Mas nada com tanta audácia e ninguém arrisca muitas explicações. Nem o próprio, de momento.

He Jiankui diz, pelo menos, em público, ser contra o uso da edição genética para melhorar características do ser humano, como a inteligência ou a cor dos olhos. Eventualmente, a beleza, a força física. Mas, se tiver conseguido o que reclama, é capaz de vir a mudar de ideias. Se não for ele, virão outros, mais destemidos, mais arrojados. Já não há fogueiras e, em breve, talvez deixe de haver consciências. Apenas vontades. Nem certas, nem erradas, nem boas, nem más.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Black Friday, ou o jeito e a arte de nos portarmos como selvagens

Nos EUA, pode ser "Bloody Friday", por cá, pode ser "Black Fraud", e as imagens que vemos na telvisão deixam pouco mais à imaginação. Resta-nos observar com horror. Atropelos, insultos, agressões, adultos a arrancarem, literalmente, os ansiados objectos das mãos de crianças inocentes que pais com pouca consciência atraem para o selvagem tumulto...a Humanidade no seu melhor, cujo modelo já começamos a copiar com zelo, que nunca queremos ficar para trás, no que toca à modernidade.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Teorias da conspiração, ou, talvez, não...sei.

“Há uma conspiração de extrema-direita a nível internacional, muitíssimo bem pensada, bem planeada e que vem sendo executada passo a passo”, assim começava no início deste mês, Miguel Sousa Tavares, uma das suas crónicas semanais no Expresso. E, a seguir, referia que Steve Bannon era, não o único, mas o rosto mais visível dessa insidiosa construção.

Na altura, perguntei-me se Miguel Sousa Tavares não estaria a exagerar, um pouco ao seu estilo mais ou menos cáustico e, nem sempre, tão isento e impoluto quanto se gostaria, mas, todos temos os nossos pecados e quem não gosta, já sabe o que há-de fazer, que proliferam alternativas, inclusive às alternativas. Adiante. Seguramente, não sou só eu que reparo, mas, alguns cronistas da nossa prolífera e dotada praça mediática entretêm-se, muitas vezes, a mandar recados aos “inimigos” de profissão e de ideologia. Pode ser uma outra crónica, um desabafo num programa de televisão, uma piada radiofónica, enfim, na forma e no meio que estiver mais à mão, ou à boca, e, nisso, não há mal algum. Nem todos gostamos de falar sozinhos, como os malucos, e há dinâmicas bem interessantes. O caso é que, a teoria da conspiração de Miguel Sousa Tavares mereceu uma outra crónica, desta vez, no Observador de um outro autor que, na maioria das vezes, não leio, por nenhuma razão em especial. Acabei por ler por me sentir identificada com a dúvida: Miguel Sousa Tavares tem razão em levantar a suspeita da existência de uma gigantesca e perigosa conspiração, meticulosamente, ardilosamente pensada para usurpar a liberdade e a democracia, ou o senhor é apenas uma vítima da intensidade das suas próprias crenças políticas de proporções cósmicas?

As duas crónicas vão muito para além desta discussão, eu continuo cheia de dúvidas, mas, lembrei-me de ambas ao ler este artigo e de cujo teor o DN dá conta aqui.

Não sei se existe ou não uma tentativa concertada para elevar a extrema-direita ao poder, mas, há dias, também li que um em cada quatro europeus admite votar em partidos populistas, cujo número (também li) mais do que triplicou nos últimos 20 anos, e que, "Portugal, Estónia e Letónia são os únicos países da Europa que não elegeram nenhum populista", ainda.

Também há dias, num jantar com amigos, falávamos dos motivos (alguns deles) que levaram muitos a escolher um presidente como Jair Bolsonaro. Entre outras coisas, surgiu, inevitavelmente, a questão da segurança. “Sabes o que é estares permanentemente atenta à hora de chegada do teu filho da escola? Esperar que ele te ligue a dizer que está tudo bem?”, perguntava-se. Não, não sabemos. Mas, nos EUA, onde o acesso às armas é o que é, também podemos ter o azar, eufemisticamente falando para não endoidecer, de os nossos filhos estarem no lugar errado à hora errada. “Mas, nos EUA, não grassa a impunidade dos criminosos, como no Brasil”, é verdade. “Precisamos de alguém como ele”, para pôr ordem na casa; “se não cumprir o que diz, corremos com ele também!”, o que parece uma estratégia inteligente e, tão ou mais importante, infalível. Não fosse o caso de a História já ter demonstrado que correr com eles pode não ser tão fácil e limpo, como parecia e se esperava. É possível que Donald Trump volte a ganhar as eleições presidenciais em 2020. E se não ganhar?

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

“The world is a very dangerous place”

Deve ser difícil manter uma conversa séria com Donald Trump. Pelo menos, no que diz respeito a garantir uma presidência funcional de um país que se quer grande. Excepto no que toca a conversas de balneário ou negócios mais ou menos obscuros (aí, o homem agarra quem quer que seja, por onde quer que seja, ao estilo do que por cá chamaríamos um pato-bravo), o vocabulário do presidente dos EUA está ao nível de uma criança que ainda não completou o primeiro ciclo escolar. Tem uma mão cheia de adjectivos que oscilam entre o bomóptimomau, de vez em quando, um erudito perverso, eventualmente, apimentados com um eloquente muito e que servem para tudo, do clima às pessoas, dos ataques terroristas aos dantescos incêndios na Califórnia. As pessoas são boas, às vezes são mesmo great, ou, quando más, podem chegar a badbad people, a repetição elevando e enfatizando o grau de maldade do indivíduo.

O senhor presidente tem uma opinião forte acerca das alterações climáticas. Graças a um tio que, no caso, era mais do que great, era mesmo um brilliant genius – que a família tem bons genes, basta olhar para a Ivanka – e com quem também discutia questões nucleares all the time. Pela força, da opinião, o presidente quer e terá um evidentemente great clima para os EUA. Enquanto o bom clima não chega, os americanos vão aprender a prevenir incêndios com os finlandeses, que sabem o que fazem e têm bons solos. Também se requer bons solos. E ancinhos. Mas Trump está habituado a ter o que quer e, além disso, já falou com o presidente da Finlândia, alternativamente sobre este ou outros temas, é indiferente; o que conta é a intenção.

Noutro (perigoso) desvario caseiro, o presidente norte-americano recusou ouvir a gravação áudio do assassinato de Jamal Khashoggi. Já classificou o acto como perverso e como muito más as pessoas que o cometeram. Não quer ouvi-la e acha que não há razão nenhuma para que a ouça. Eu acho que é capaz de haver para cima de 100 mil milhões de razões para não alarmar o excelentíssimo príncipe da Arábia Saudita e Trump, ao contrário de uns quantos hipócritas, não tem pudor em lembrá-lo repetidamente. Afinal, a venda de armas é um excelente negócio, gera muitos, muitos empregos; a lot. Além disso, as pessoas têm direito a defender-se de ameaças, como se vê, semana sim, semana não, nos EUA. Esta semana foi em Chicago. Quando os professores americanos andarem armados, acabam-se os massacres. Como é que ninguém se tinha lembrado disso antes? E quando for o Jair a mandar, pode ser que todos os problemas da humanidade desapareçam por artes bélicas, pois teremos conseguido exterminar todos os maus da face da Terra; jamais os franceses voltarão a correr o risco de aprender alemão.

Entretanto, há milhares de refugiados às portas do EUA na fronteira com o México. Uma caravana, várias caravanas, amálgamas de sonhos desesperados, de esperanças indomáveis, voluntariosas, fazendo das fraquezas individuais uma força resistente que renasce, como uma fénix, das cinzas que tentam e teimam em deixar para trás. Trump não os quer há muito, o México não tem como continuar a querê-los e nós vamos suspirando com envergonhado e cobarde alívio, porque não chegou à nossa porta. Ainda. Como será, quando chegar? O que fazer entre a obrigação moral de ajudar quem precisa e a frustrante incapacidade de chegar a todos? E se, por um acaso do destino, a caravana nos transportasse a nós?

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Desgraças que nos confundem

A estrada ruiu entre Borba e Vila Viçosa e, na ruína, arrastou uma retroescavadora e dois automóveis e a morte de, pelo menos e de momento, duas pessoas. Também há desaparecidos, feridos, possivelmente, mais mortes e, como habitualmente, todas as críticas a uma desgraça anunciada. Começa, mais uma vez, o circo de especialistas e contra-especialistas que, muitas vezes, na posse das mesmíssimas informações, conseguem a extraordinária proeza de tirar conclusões completamente antagónicas. Eu sei que é possível. Na última reunião de condomínio a que assisti, e também a propósito de umas obras, uma advogada dizia a outro condómino presente: “não preciso de ver (um parecer jurídico que aquele lhe tentava mostrar); amanhã, podia entregar-lhe outro a dizer exactamente o contrário”. Incrível, não é? Se há testemunhos da fragilidade do estado da estrada, também há quem garanta a sua perfeita segurança. Como se viu.

Depois da tragédia, das mortes estúpidas, banais, insignificantes, uns senhores mais ou menos doutos e mais ou menos engravatados vêm (mais hão-de vir) tentar explicar o inexplicável; outros tantos, fazer o jogo do eu avisei. Toda a gente via e sabia e ninguém quis ver o suficiente e nem saber de mais nada. Morre-se tantas vezes por incúria, por ignorância, por incompetência, por despachos assinados das nove às dezasseis, por falta das verbas que parecem nunca falhar na hora de renovar frotas e gabinetes dos representantes da nação espoliada. Não será comparável, mas é nos detalhes que ele costuma estar. Os infortúnios mais ou menos previsíveis, principalmente os alheios, podem sempre esperar por dias melhores. No caso deste, a contagem ia, pelo menos, em 4 anos. Teria ou não sido evitável este acidente? Vamos ter o direito a conhecer alguma verdade, a pedir responsabilidades, se as houver?

Nos próximos dias, abrir-se-ão inquéritos, pedir-se-ão relatórios e exigir-se-ão, eventualmente, demissões. Ou não. Há desgraças mais merecedoras do que outras. É provável que o nosso popular Presidente venha reconfortar os familiares das vítimas, exigir respostas e prometer justiça doa a quem doer. Dói sempre aos mesmos e nunca ninguém tem culpa.

Há cerca de oito meses, a revista Visão denunciava uma situação de urgência na execução de trabalhos de manutenção da Ponte 25 de Abril, cuja segurança podia estar em causa. O LNEC avisava o Governo que, na ausência de obras, poderia vir ser necessário restringir-se o tráfego de pesados e de comboios de mercadorias, na ponte. O mesmo LNEC veio, depois do alarme que a notícia gerou, sossegar-nos, não era bem, bem uma questão de risco, de colapso iminente. Era uma necessidade um pouco mais que poucochinha. Pelo sim, pelo não, foi anunciada, na altura, uma verba de 18 milhões de euros para proceder a obras urgentes. Que não começaram ainda. Vejamos se a urgência, que tanto se apregoa e sempre se atrasa, chega a tempo de prevenir outra calamidade. 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Pela Importância das Palavras

Já foi escolhida a palavra do ano. É “tóxico”. Discordo, de forma arejada e consciente. Acho que a palavra do ano – deste e, se calhar, dos vindouros – devia ser duvidar, ainda que com moderação. Não só duvidar das notícias pré-fabricas e arremessadas para as redes sociais com o intuito de provocar o maior número de danos colaterais, mas também das estouvadas soluções radicais e milagreiras que tudo tornarão grande outra vez, das nações aos clubes de futebol. Se duvidarmos talvez possamos existir melhor, porque mais conscientes do logro pérfido com que nos confundem, entregando-nos, como rebanhos, nas mãos desses magníficos cavaleiros dos tempos modernos, já sem capa e sem espada, mas empunhando sofisticadas armas, em sentido literal ou tecnológico.

No arsenal de guerra tecnológico, o WhatsApp matou, recentemente, dois homens inocentes. Inconscientemente, puseram-se a (esse insuportável!) jeito e à mercê dessas massas ultrajustas, supramoralistas, mobilizadoras da vontade do povo e, sobretudo, pró-justiceiras por meios céleres e próprios. O facto de os homens serem inocentes é um pormenor de importância nada maior. Servirá como exemplo e forma de intimidação sobre más-intenções futuras. Afinal, na guerra também morrem inocentes em prol de objectivos muito nobres, como a busca pela ansiada paz que teima em não chegar a todos. O importante é mostrar que acabou o tempo em que a culpa morria solteira. Se é possível casar à primeira vista, por maioria de uma necessidade imperativa há-de ser permitido condenar à morte ao primeiro relance e rumor de suspeita. A bem da ordem, da moral e dos bons costumes não deve dar-se à justiça um tempo que corre lesto e sôfrego na procura de soluções à medida, para todos os gostos e necessidades. Na urgência da luta contra os demónios que nos assaltam não cabe a ponderação nem a justiça das leis que urdimos para construir sociedades mais igualitárias. Essas, falharam-nos estrondosamente. O povo, cansado de todos os males que minam o seu bem-estar, quer dar a voz e a vez aos destemidos com mão de ferro que prometem o paraíso, seja na sua grandiosa terra, ou no seu modesto quintal.

Já não se enganam os tolos só com papas e bolos. Mas não é pela elegância da mentira e pelo assombro das causas que o engodo deixou de servir o seu propósito. E, por isso, a dúvida deve resistir; se não acima de tudo, para que, pelo menos, não prevaleça a confiança absoluta dos estúpidos.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

E o que é que vestia?

Há mulheres que não aprendem. Ou se põem a jeito ou põem cuecas de renda. Ou usam fio dental ou não apertam as pernas com firmeza. Ou dançam de forma sensual ou saem sozinhas à noite. Ignoram que os homens são predadores implacáveis, cheios do recato que lhes falta a elas, lobos com peles de cordeiro, sempre à espreita, à espera do convite fortuito, mas eloquente e irrecusável. O que elas querem, sabem eles. E sabem todos, sem excepção. Os que não sabem, não são bem homens. A ocasião faz o ladrão e as mulheres impudicas fazem os violadores.

“Têm de olhar para a maneira como ela estava vestida. Usava um fio dental com a frente em renda”, advertiu a competente advogada, no tribunal, numa tanga sem renda. Que tamanho ultraje! Como é possível, tão pouca vergonha? Há mulheres que são umas galdérias, de facto. Galdérias e ignorantes, pois, desconhecem que há homens, parece que todos, que não resistem a uma provocadora cueca de renda e fio dental. Que extraordinário descanso saber que há outras mulheres que nos alertam para o perigo que o nosso traje, o interior também, representa para os incautos. Só as mulheres recatadas – e parece que também as feias – nunca são assediadas ou violadas. Mas, as feias não contam, porque não merecem. Basta ler jornais. Ou perguntem aos homens, esses seres acéfalos, que não podem ver uma mulher de saias ou de rendas, porque a irracionalidade primária nunca os abandonou, coitados, apesar de séculos de evolução. As mulheres sérias e compostas não provocam sensações pecaminosas. Já as do tipo leviano e atiradiço são verdadeiros shots de excitação e adrenalina; um perigo para o fraco homem comum. As desse tipo deviam ficar em casa, trancadas nas torres mais altas e inacessíveis, com um espelho mágico a quem, por descanso, perguntar, espelho meu espelho meu, já estou em modo camafeu?, e, então, gozar da segurança e condições necessárias para preservar a honra.

Vítima que é vítima não provoca, não instiga, não socializa indecentemente. Vítima que é vítima chora e grita, arranha e defende-se. Vítima que é vítima comporta-se da forma correcta e, sobretudo, não vai em tangas – e, logo, de renda – a lado nenhum.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Não acredito, porque posso!

“Funcionário do PNR que publicou imagem falsa de Catarina Martins no Facebook foi afastado”.

A imagem em causa (vale a pena ler o Polígrafo) dava conta de que Catarina Martins teria afirmado que a cultura islâmica é “superior á nossa”, e nem o erro básico de ortografia foi suficiente para agitar a desconfiança do excelso membro do PAN, Partido Nacional Renovador. O secretário-geral do PAN acha que o colega se excedeu, o PAN não tem por hábito veicular fake news sobre quem quer que seja, mas, a autenticidade da imagem não foi confirmada porque, ao “colega”, “ela fazia sentido”. E é este “ela fazia sentido” que é um diabo de detalhe. Fazia sentido porque é mais fácil acreditar nas pessoas de quem gostamos e acusar aqueles de quem não gostamos. Para alguns, o gostar e não gostar é levado ao extremo. Mesmo que não sejam eles os autores do boato, não se importam de o espalhar, levianamente, porque o único critério é acreditar no que mais lhes convier.

Os que hoje se informam pelas redes sociais, em detrimento do jornalismo de referência (aproveito para subscrever tudo o que li neste texto), acreditando cegamente (muitas vezes, acefalamente) em tudo o que é veiculado pelo grupo a que pertencem, fazem-no porque podem, porque querem ou porque não se interessam, desde que isso garanta muita aceitação social, muitos gostos e muitos seguidores? O fenómeno da propagação da mentira como forma de alcançar um determinado objectivo não é novo. O perigo actual talvez não esteja tanto na facilidade-barra-rapidez com que essa mentira se espalha, mas na indiferença com que consumimos essa mentira. E consumimo-la tanto melhor quanto mais predispostos estivermos a aceitá-la.  A normalização de comportamentos que, não há muito tempo, escandalizariam mais de meia nação é só mais um degrau na alienação dos novos tempos. A indignação passou a ser medida, não pela indignidade do acto, mas pela importância de quem o pratica. E a importância também depende do grupo a que se pertence, das mulheres que se põem a jeito, aos deputados que pintam as unhas ou são contra touradas e que, entretanto, viajam - de avião ou não - entre moradas reais e moradas relevantes para os devidos efeitos.

A evolução tecnológica é uma das grandes conquistas da Humanidade. Não há qualquer dúvida e nem volta-atrás. Mesmo para os mais conservadores e inábeis (onde me incluo) são evidentes as suas vantagens. Mas – como dizia um professor meu – por cada patamar que subimos, pagamos um preço. A evolução também não é grátis, e há sempre alguém inteligente e competente o suficiente para se aproveitar da incapacidade dos outros, da sua ignorância ou, pior, da sua indiferença.

Há umas semanas, um quadro produzido por inteligência artificial foi a leilão na conhecida e reputada Christie's, acabando a ser vendido por mais de 400 mil dólares. A tecnologia GAN tanto permite pintar ou desenhar, como manipular imagens para colocar alguém a dizer ou a fazer algo que nunca fez ou disse. E, não, não estamos a falar da manipulação caseira do vídeo que a Casa Branca divulgou para justificar o afastamento de um incómodo Jim Acosta. É mais do género se o George Clooney (ou a Jennifer Lopez, ou o que a sua imaginação ditar) lhe oferecer flores e você não for a Amal Alamuddin, isso é capaz de ser o GAN.

Passaremos de acreditar em fake news para viver fake lives.  A não ser que passemos a ser mais exigentes com quem tem a responsabilidade de nos informar.

domingo, 11 de novembro de 2018

BdC foi detido. Olha que chato...

O meu interesse por futebol é praticamente nulo. Com excepção dos jogos da selecção nacional – quando me deixo animar por uma espécie de patriotismo saloio, muito anterior às auspiciosas bandeirinhas do Scolari – não tenho especial apreço pelo espectáculo e, seguramente, não entendo o delírio das massas associativas e dos adeptos, embora tenha ido muitas vezes, com o meu pai (sócio cativo do FCP durante muitos anos) e a minha irmã, ao antigo estádio das Antas; era no tempo em que ainda podíamos frequentar estádios de futebol sem medo de lá deixar parte da nossa integridade física e moral.

Se interesse tenho pouco, conhecimentos futebolísticos tenho nenhuns. Nunca percebi bem o que é um fora de jogo e acho que sei reconhecer um golo porque a baliza é grande e até para a ignorância há um certo limite. Mas, o caso Sporting-Alcochete-Bruno-de-Carvalho-e-os-seus-fantoches interessa-me porque sai um pouco da esfera do futebol. É o caso de um narcisista fanfarrão e lunático, com tiques de autoritarismo rasteiro e pífio, aspirante a Deus, que usou e atiçou um grupo de arruaceiros para – mantendo as suas mãos limpas como Pilatos – impor um correctivo exemplar a um grupo de meninos mimados e desagradecidos que não adoravam o mestre, como lhes era devido.

Apesar de todas as tentativas, algumas ridículas e outras cobardes, para fingir que não tinha qualquer responsabilidade nos actos de inacreditável violência gratuita e aparente retaliação (por maus resultados do clube?) que tiveram lugar na Academia de Alcochete, as autoridades parecem estar na posse de provas que podem fundamentar a culpabilidade de Bruno de Carvalho enquanto mandante do ataque canalha.

Ao contrário de novas e sombrias agendas, as palavras são, de facto, poderosas e – do futebol à política – há, para muitos e perigosos protagonistas, uma retórica minuciosamente pensada e usada para promover o ódio, acicatar as hostes e provocar estragos selectivos, que venham a servir de meios para atingir ambiciosos fins.

As implicações da detenção de Bruno de Carvalho no mundo do futebol e das finanças do clube a que presidiu interessa-me pouco ou nada. Importam-me, sim, as consequências que isso possa vir a ter como contributo para limitar uma forma emergente de reinar pelo medo e pela intimidação. Se não o permitirmos no futebol, talvez possamos ter a esperança de não o virmos a permitir noutras áreas muito mais importantes para a sobrevivência da nossa democracia.