sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Pela Importância das Palavras

Já foi escolhida a palavra do ano. É “tóxico”. Discordo, de forma arejada e consciente. Acho que a palavra do ano – deste e, se calhar, dos vindouros – devia ser duvidar, ainda que com moderação. Não só duvidar das notícias pré-fabricas e arremessadas para as redes sociais com o intuito de provocar o maior número de danos colaterais, mas também das estouvadas soluções radicais e milagreiras que tudo tornarão grande outra vez, das nações aos clubes de futebol. Se duvidarmos talvez possamos existir melhor, porque mais conscientes do logro pérfido com que nos confundem, entregando-nos, como rebanhos, nas mãos desses magníficos cavaleiros dos tempos modernos, já sem capa e sem espada, mas empunhando sofisticadas armas, em sentido literal ou tecnológico.

No arsenal de guerra tecnológico, o WhatsApp matou, recentemente, dois homens inocentes. Inconscientemente, puseram-se a (esse insuportável!) jeito e à mercê dessas massas ultrajustas, supramoralistas, mobilizadoras da vontade do povo e, sobretudo, pró-justiceiras por meios céleres e próprios. O facto de os homens serem inocentes é um pormenor de importância nada maior. Servirá como exemplo e forma de intimidação sobre más-intenções futuras. Afinal, na guerra também morrem inocentes em prol de objectivos muito nobres, como a busca pela ansiada paz que teima em não chegar a todos. O importante é mostrar que acabou o tempo em que a culpa morria solteira. Se é possível casar à primeira vista, por maioria de uma necessidade imperativa há-de ser permitido condenar à morte ao primeiro relance e rumor de suspeita. A bem da ordem, da moral e dos bons costumes não deve dar-se à justiça um tempo que corre lesto e sôfrego na procura de soluções à medida, para todos os gostos e necessidades. Na urgência da luta contra os demónios que nos assaltam não cabe a ponderação nem a justiça das leis que urdimos para construir sociedades mais igualitárias. Essas, falharam-nos estrondosamente. O povo, cansado de todos os males que minam o seu bem-estar, quer dar a voz e a vez aos destemidos com mão de ferro que prometem o paraíso, seja na sua grandiosa terra, ou no seu modesto quintal.

Já não se enganam os tolos só com papas e bolos. Mas não é pela elegância da mentira e pelo assombro das causas que o engodo deixou de servir o seu propósito. E, por isso, a dúvida deve resistir; se não acima de tudo, para que, pelo menos, não prevaleça a confiança absoluta dos estúpidos.