Pausa
para um longo café. Regresso em Março, com a Primavera, quando o Sol ainda não
arde e a terra se contorce num prenúncio de ressurreição.
terça-feira, 17 de janeiro de 2023
domingo, 15 de janeiro de 2023
sábado, 14 de janeiro de 2023
Também há vergonha nisto
Há muitos anos que desisti de leccionar para me sustentar. Por motivos vários, mas, o principal, pela completa incapacidade de resistir, ano após ano, durante vinte ou mais anos, de casa às costas, ou, pior, de quarto alugado em quarto alugado, como muitos, filhos menores pela mão, com a perspectiva de “entrar em quadro de escola” lá pela idade da reforma: arrepio-me só de imaginar. Mas não a minha irmã, professora de Filosofia – de filosofia, senhores, eu, pelo menos, sou das ciências exactas, sei que não há humor nas moléculas, isso é outra história, mas sempre podia fazer explodir um pedaço de sódio, implodir uma lata de coca-cola sem lhe tocar, equilibrar dois garfos na ponta de um fósforo queimado, explorar o espanto, mas filosofia?!, é preciso ser uma professora altamente competente e irremediavelmente apaixonada pelo ensino público, e também não sou dessa massa, ao contrário da minha irmã. Não interessa nada. O que me interessa, de momento, é a mensagem e as fotografias que me enviaram, de autocarros parados pela GNR em acções de fiscalização, com direito a coimas por transporte ilegal de comida e bebida nas mochilas de mão, e por comida e bebida entenda-se garrafas de água e umas sandes para o caminho, não propriamente um barbecue regado a champagne. Não é piada, há mesmo uma ilegalidade, embora, dizia um dos motoristas, nunca se viu.
Não tenho uma opinião fundamentada sobre estas greves; nunca fiz greve. A minha irmã, com mais de quinze anos de ensino, nunca tinha feito greve até aqui e eu confio nela, apesar de nem sempre estarmos de acordo. Sei, de saber próprio, que há muitas críticas que se podem apontar aos professores, como a qualquer outra classe profissional, mas acho isto vergonhoso, tal como as declarações do ministro João Costa, ontem.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
A propósito do vandalismo dos fiéis de Bolsonaro, das fragilidades da Democracia e de uma suposta superioridade moral de "esquerda", que a "direita" rejeita visceralmente.
Claro
que a primeira culpa, no caos em Brasília, é de Lula e da sua corrupção, toda a gente sabe, não há corrupção no Brasil para lá de Lula e do PT. Os
que deixaram aquele rasto de destruição – com urina e fezes à mistura, que
classe – foram, como não podia deixar de ser, impelidos a por parte dos
seus superiores morais: é o esgotado discurso que pretende sempre desculpar o “nosso”
criminoso de estimação, arreliado pela irritante e irresponsável mania das vítimas
que insistem em pôr-se a jeito.
Não
sei de outros, mas, eu, sim, sinto-me um nadinha moralmente superior àquela
bando de alucinados e a todos os que os defendem, por acções ou omissões: é quase
enternecedor ouvir dizer que que Bolsonaro “não aplaudiu” o vandalismo de
Brasília – provavelmente, até o próprio se deve ter sentido enojado, a dada,
altura, e deve ser difícil incomodar um admirador de torturadores da ditadura
militar, rodeado de doidos que invocam ajuda extraterrestre com sinais de
luzes e acreditam que a Terra é plana, coisa que até podia ter alguma
utilidade: arranjava-se um barquinho, velejava-se até à bordinha do mundo e, em
lá chegando, bastava um empurrãozinho.
Não
há base de entendimento possível com que vive numa realidade alternativa; isto é
válido “à direita” e “à esquerda”, mas há uma diferença substancial entre
discutir com alguém que têm opiniões opostas à nossa sobre o mesmo assunto, e não
nos entendermos sequer quanto ao assunto.
Preciso
de voltar a isto de forma séria, até para honrar tão grande título, mas agora não tenho tempo.
Entretanto, cumprem-se 44 anos da primeira vez que os Xutos e Pontapés se apresentaram em palco. É fantástico.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
(…)
com o ódio, apesar das dores, a ferver-lhes lá dentro o que provoca úlceras e
não dá saúde aos ventrículos, somos bichos estranhos, se alguém nos compreende
que explique e refiro-me aos homens que as mulheres nem à bala as entendemos,
são outras, não conheço uma só para amostra em que não haja problemas de
bateria e para as consertar e pôr em condições tinha de se abrir tudo aquilo,
que dia de sol este, meu Deus, até os velhos brilham, desembaciados do
reumático, tanta luz no recreio do secundário onde as alunas flutuam,
sementinhas peludas que não param, quantas, para além da pequena que mora
comigo, me terão entrado até hoje pela janela do quarto poisando aqui e ali,
oscilando sobre os móveis, indo-se embora de novo, aposto que se me soprassem
um bocadinho eu a voar também, não com oitenta quilos, levezíssimo, para cá e
para lá dentro de mim, olha a minha mãe, olha mãe nenhuma, olha a minha avó,
olha eu sozinho, portanto necessitava de concentrar-me antes de começar a
partida, medir as bolas, medir a mesa, sentir o pano verde todo, o comprimento,
a largura, a consciência, as sombras fugidias com que a lâmpada do tecto ia
tentando enganar-me (…)
A Última Porta Antes da Noite
António Lobo Antunes
Há um motivo, incorrigível, para que nunca até esta data tenha sido atribuído o Prémio Nobel da Literatura a António Lobo Antunes: é um dizer (ou escrever) intraduzível. Não basta a fluência na Língua, em ambas, traduzida e tradutora: é preciso ser-se português dos quatro costados e outras tantas gerações no mínimo para pasmar com aquilo primeiro, e ser capaz de conduzi-lo a outro idioma depois, sem corromper o espanto. E não me refiro ao dédalo feminino que os homens não entendem; há homens – eventualmente não muitos – a quem as mulheres consentem – eventualmente nem sempre – em deixar-se encontrar e entender, e tal linguagem é universal. Não. É um não-sei-quê que vem não-sei-de-onde, que, sim, ao fim de alguns parágrafos intermináveis e uns quantos livros mais ao estilo pode levar ao fastio; mas não a mim. Ainda não.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023
Granada
Comi
romã ao almoço e ao jantar. Gosto de romã; gosto de como lhe chamam em Espanha:
granada, de ás abertos. Num instante, vêm-me à memória os jardins de Alhambra, a vermelha,
relógio de Sol, doze leões de pedra a vingar a Morte, uma carta de amor
escondida. Se cair Alhambra, será o fim do Mundo.
Moro num País Tropical...
Cumprindo
uma mui nobre premissa da liberdade de expressão, que deve nortear todas as outras
em qualquer regime democrático, a SiCNotícias tem dois convidados de luxo, ou
de lixo, que, de quando em quando, chama a estúdio para que digam de sua
justiça: o senhor Guerreiro na apaixonada defesa de Vladimir Putin e a sua
bárbara demanda na destruição da Ucrânia nazi, e um tal de Amaral Pessoa
(filho; dizem-me que também há um pai da mesma armada), empenhado na exaltação do Messias
Bolsonaro como o último dos representantes dos brasileiros de bem.
Na
noite das eleições presidenciais no Brasil, nos estúdios da SIC, o senhor Amaral
Pessoa filho, desencantado com a vitória de Lula, falava abertamente da não aceitação
do resultado das eleições enquanto não o validassem as Forças Armadas – como se
sabe, são as Forças Armadas que validam resultados de eleições em países democráticos
–, convencido, suponho, de que essas Forças
Armadas liderariam ou suportariam uma rebelião contra o presidente eleito. Desta
vez, veio dizer que as manifestações que vimos em Brasília são actos constitucionais
e que a situação vai piorar porque o “brasileiro de bem” não vai aceitar um
bandido a governar um país, e, claro, voltou a acenar com a fraude do processo eleitoral.
Deve haver apoiantes de Bolsonaro piedosamente convencidos dessa fraude eleitoral, da miserável desgraça que lhes afastou o salvador da nação – provavelmente, aqueles que apelam, em desespero, à intervenção extra-terrestre, com as luzinhas dos telmóveis voltadas para o céu, Bolsonaro fez muito bem o trabalho de casa –, mas não é, seguramente, o caso de gente como Amaral Pessoa. Talvez Ricardo Costa tenha pisado o limite das boas práticas jornalísticas, mas antes isso do que deixar passar, sem uma nota de indignação, uma série de mentiras que pretendem apenas minar a confiança na Democracia e nas suas Instituições: digam de uma vez e sem rodeios, os Amaral Pessoa que por aí pululam, que a Democracia só lhe interessa como rampa para o poder: depois disso, o que anseia a "gente de bem" é varrer da sociedade todas as anomalias que ameaçam a santíssima trindade Deus, Pátria e Família, e, talvez o zelador e a faxineira. Todos os outros são incómodos e, por isso, descartáveis.
Dói-me, este Brasil.
sábado, 7 de janeiro de 2023
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
É tão bom, não foi?
O
enfado com que a gente que ocupa cargos políticos responde – ou não responde,
na verdade – ao país quando confrontada com pedidos de esclarecimento sobre o
exercício das suas responsabilidades e competências ao serviço da nação é uma
coisa extraordinária. Como se fosse ultrajante mais do que ilegítimo (e claro que não é) o
direito que os eleitores têm de saber o que têm de saber e o dever que os
governantes têm de esclarecer o que têm de esclarecer. Falta, realmente, vergonha, e abunda uma espécie de amadorismo ou alienação do que significa estar
ao serviço do país; como se aquela ladainha que assinam ministros e secretários
de estado, juro por minha honra desempenhar fielmente etc, não passasse, de facto, de um marginal etc, umas palavras
bonitas mas inócuas, inconsequentes, uma dedicatória cordata na recepção do hotel até ao
destino seguinte.
Não se arranja mais gente como Fernando Araújo?
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
segunda-feira, 2 de janeiro de 2023
Vicissitudes, e assins...
Acontece-me
com os jornais o mesmo que com os livros: compro – no caso, assino – mais
jornais do que aqueles que consigo ler, mas sou incapaz de viver de costas
voltadas à “informação”, mesmo que a informação se afaste, tantas vezes, da
isenção papagueada nos códigos deontológicos, estatutos editoriais e afins.
Aliás, no que toca à “informação televisiva”, estamos muito próximo do
entretenimento agoniante: sumárias condenações ao fogo do inferno para meninos e meninas que se
portam mal e a bajulação superlativa e enjoativa para os que vão à missa e
comungam do espanto.
Entre outros, assino o Observador e o Público. Para baralhar os algoritmos; como ter uma edição do Mein Kampf ao lado da Bíblia (bate no meu peito um coração bastante imperfeito) e abrir, de vez em quando, uma e outra numa página ao acaso, ler uma frase, um pensamento, uma história, se não por mais, por me ir lembrando da fragilidade da fronteira que separa (separa?) o Bem e o Mal. Nada disto respectivamente, note-se.
O
Observador, assino porque gosto de ler Alexandre Homem Cristo – além do
magnífico nome, escreve muito e bem sobre Educação, tema que me é muito caro; duplamente
caro – e Jaime Nogueira Pinto – cujo pensamento não partilho noventa e nove por
cento das vezes, mas leio sempre com prazer… tortuoso. E, às vezes, o Alberto
Gonçalves diverte-me. As mulheres que mais gosto de ler não escrevem no Observador.
O
Público assino e leio por dever de estimação; foi uma sólida âncora numa
fase muito difícil – é estranho, eu sei, e, como se não bastasse, não dá para
contar. Adiante. Ainda faltavam uns dias para terminar o ano, ainda havia Pelé e Bento
XVI, e li sobre o mosaico inacabado de personalidades que nos morreram em 2022. Devia
haver um limite para o número de desconhecidos-conhecidos que podemos perder no
mesmo ano: se a Morte, nos seus insondáveis caprichos, decide levar-nos a Elza
Soares, deixava-nos a Monica Vitti; se nos morre a Betty Davis, não ainda a
nossa Eunice Muñoz; perdíamos a Gal Costa, mas ainda tínhamos Olivia
Newton-John; Javier Marías, mas não ainda Jean-Luc Godard, Vangelis, mas não Vivienne
Westwood, uma espécie de intermitência sem a ironia corrosiva de Saramago nem necessidade
de equivaler as artes, apaziguamento apenas, que os dois últimos
anos foram severos.
E, depois, como sofro de pequenos episódios de uma certa ingenuidade crónica, deixo-me contagiar por instantes de optimismo, como aconteceu agora com a tomada de posse de Lula. Deixo de lado a política, o lado partidário e trincheiroso da coisa, e vejo apenas o homem, a paixão e a vontade: acredito (coisa rara na política), e, sobretudo, comparo com o cinzentismo espesso que por cá perdura; ocorrem-me nomes piores, entre as novas sobre a "remodelação" do Governo e a trágica ausência de uma alternativa de oposição: António Costa pode não chegar ao fim do mandato (coisa que me parece cada vez mais possível), mas Luís Montenegro não vai mais longe, esgotou-se no entusiasmo de ter, finalmente, chegado a líder do PSD e esbarrou na indignação de palanque como arma de protesto, nada mais, ninguém sabe bem que Portugal cabe na cabeça de Montenegro. O Chega ainda lá chega mais depressa do que se imagina(va).
Tinha mais umas quantas linhas por dizer; ficaram-me pelo caminho, atropeladas pela pressa extravagante dos últimos acontecimentos e, entretanto, perdi-lhes a valia. Das linhas, não exactamente dos acontecimentos.