segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Vicissitudes, e assins...

Acontece-me com os jornais o mesmo que com os livros: compro – no caso, assino – mais jornais do que aqueles que consigo ler, mas sou incapaz de viver de costas voltadas à “informação”, mesmo que a informação se afaste, tantas vezes, da isenção papagueada nos códigos deontológicos, estatutos editoriais e afins. Aliás, no que toca à “informação televisiva”, estamos muito próximo do entretenimento agoniante: sumárias condenações ao fogo do inferno para meninos e meninas que se portam mal e a bajulação superlativa e enjoativa para os que vão à missa e comungam do espanto.

Entre outros, assino o Observador e o Público. Para baralhar os algoritmos; como ter uma edição do Mein Kampf ao lado da Bíblia (bate no meu peito um coração bastante imperfeito) e abrir, de vez em quando, uma e outra numa página ao acaso, ler uma frase, um pensamento, uma história, se não por mais, por me ir lembrando da fragilidade da fronteira que separa (separa?) o Bem e o Mal. Nada disto respectivamente, note-se.  

O Observador, assino porque gosto de ler Alexandre Homem Cristo – além do magnífico nome, escreve muito e bem sobre Educação, tema que me é muito caro; duplamente caro – e Jaime Nogueira Pinto – cujo pensamento não partilho noventa e nove por cento das vezes, mas leio sempre com prazer… tortuoso. E, às vezes, o Alberto Gonçalves diverte-me. As mulheres que mais gosto de ler não escrevem no Observador.

O Público assino e leio por dever de estimação; foi uma sólida âncora numa fase muito difícil – é estranho, eu sei, e, como se não bastasse, não dá para contar. Adiante. Ainda faltavam uns dias para terminar o ano, ainda havia Pelé e Bento XVI, e li sobre o mosaico inacabado de personalidades que nos morreram em 2022. Devia haver um limite para o número de desconhecidos-conhecidos que podemos perder no mesmo ano: se a Morte, nos seus insondáveis caprichos, decide levar-nos a Elza Soares, deixava-nos a Monica Vitti; se nos morre a Betty Davis, não ainda a nossa Eunice Muñoz; perdíamos a Gal Costa, mas ainda tínhamos Olivia Newton-John; Javier Marías, mas não ainda Jean-Luc Godard, Vangelis, mas não Vivienne Westwood, uma espécie de intermitência sem a ironia corrosiva de Saramago nem necessidade de equivaler as artes, apaziguamento apenas, que os dois últimos anos foram severos.

E, depois, como sofro de pequenos episódios de uma certa ingenuidade crónica, deixo-me contagiar por instantes de optimismo, como aconteceu agora com a tomada de posse de Lula. Deixo de lado a política, o lado partidário e trincheiroso da coisa, e vejo apenas o homem, a paixão e a vontade: acredito (coisa rara na política), e, sobretudo, comparo com o cinzentismo espesso que por cá perdura; ocorrem-me nomes piores, entre as novas sobre a "remodelação" do Governo e a trágica ausência de uma alternativa de oposição: António Costa pode não chegar ao fim do mandato (coisa que me parece cada vez mais possível), mas Luís Montenegro não vai mais longe, esgotou-se no entusiasmo de ter, finalmente, chegado a líder do PSD e esbarrou na indignação de palanque como arma de protesto, nada mais, ninguém sabe bem que Portugal cabe na cabeça de Montenegro. O Chega ainda lá chega mais depressa do que se imagina(va).

Tinha mais umas quantas linhas por dizer; ficaram-me pelo caminho, atropeladas pela pressa extravagante dos últimos acontecimentos e, entretanto, perdi-lhes a valia. Das linhas, não exactamente dos acontecimentos.