Acontece-me
com os jornais o mesmo que com os livros: compro – no caso, assino – mais
jornais do que aqueles que consigo ler, mas sou incapaz de viver de costas
voltadas à “informação”, mesmo que a informação se afaste, tantas vezes, da
isenção papagueada nos códigos deontológicos, estatutos editoriais e afins.
Aliás, no que toca à “informação televisiva”, estamos muito próximo do
entretenimento agoniante: sumárias condenações ao fogo do inferno para meninos e meninas que se
portam mal e a bajulação superlativa e enjoativa para os que vão à missa e
comungam do espanto.
Entre outros, assino o Observador e o Público. Para baralhar os algoritmos; como ter uma edição do Mein Kampf ao lado da Bíblia (bate no meu peito um coração bastante imperfeito) e abrir, de vez em quando, uma e outra numa página ao acaso, ler uma frase, um pensamento, uma história, se não por mais, por me ir lembrando da fragilidade da fronteira que separa (separa?) o Bem e o Mal. Nada disto respectivamente, note-se.
O
Observador, assino porque gosto de ler Alexandre Homem Cristo – além do
magnífico nome, escreve muito e bem sobre Educação, tema que me é muito caro; duplamente
caro – e Jaime Nogueira Pinto – cujo pensamento não partilho noventa e nove por
cento das vezes, mas leio sempre com prazer… tortuoso. E, às vezes, o Alberto
Gonçalves diverte-me. As mulheres que mais gosto de ler não escrevem no Observador.
O
Público assino e leio por dever de estimação; foi uma sólida âncora numa
fase muito difícil – é estranho, eu sei, e, como se não bastasse, não dá para
contar. Adiante. Ainda faltavam uns dias para terminar o ano, ainda havia Pelé e Bento
XVI, e li sobre o mosaico inacabado de personalidades que nos morreram em 2022. Devia
haver um limite para o número de desconhecidos-conhecidos que podemos perder no
mesmo ano: se a Morte, nos seus insondáveis caprichos, decide levar-nos a Elza
Soares, deixava-nos a Monica Vitti; se nos morre a Betty Davis, não ainda a
nossa Eunice Muñoz; perdíamos a Gal Costa, mas ainda tínhamos Olivia
Newton-John; Javier Marías, mas não ainda Jean-Luc Godard, Vangelis, mas não Vivienne
Westwood, uma espécie de intermitência sem a ironia corrosiva de Saramago nem necessidade
de equivaler as artes, apaziguamento apenas, que os dois últimos
anos foram severos.
E, depois, como sofro de pequenos episódios de uma certa ingenuidade crónica, deixo-me contagiar por instantes de optimismo, como aconteceu agora com a tomada de posse de Lula. Deixo de lado a política, o lado partidário e trincheiroso da coisa, e vejo apenas o homem, a paixão e a vontade: acredito (coisa rara na política), e, sobretudo, comparo com o cinzentismo espesso que por cá perdura; ocorrem-me nomes piores, entre as novas sobre a "remodelação" do Governo e a trágica ausência de uma alternativa de oposição: António Costa pode não chegar ao fim do mandato (coisa que me parece cada vez mais possível), mas Luís Montenegro não vai mais longe, esgotou-se no entusiasmo de ter, finalmente, chegado a líder do PSD e esbarrou na indignação de palanque como arma de protesto, nada mais, ninguém sabe bem que Portugal cabe na cabeça de Montenegro. O Chega ainda lá chega mais depressa do que se imagina(va).
Tinha mais umas quantas linhas por dizer; ficaram-me pelo caminho, atropeladas pela pressa extravagante dos últimos acontecimentos e, entretanto, perdi-lhes a valia. Das linhas, não exactamente dos acontecimentos.