Deve ser difícil manter uma conversa séria com Donald
Trump. Pelo menos, no que diz respeito a garantir uma presidência funcional de
um país que se quer grande. Excepto no que toca a conversas de balneário ou
negócios mais ou menos obscuros (aí, o homem agarra quem quer que seja, por
onde quer que seja, ao estilo do que por cá chamaríamos um pato-bravo),
o vocabulário do presidente dos EUA está ao nível de uma criança que ainda não
completou o primeiro ciclo escolar. Tem uma mão cheia de adjectivos que oscilam
entre o bom, óptimo, mau, de vez em quando,
um erudito perverso, eventualmente, apimentados com um
eloquente muito e que servem para tudo, do clima às pessoas,
dos ataques terroristas aos dantescos incêndios na Califórnia. As pessoas
são boas, às vezes são mesmo great, ou, quando más,
podem chegar a bad, bad people, a repetição
elevando e enfatizando o grau de maldade do indivíduo.
O senhor presidente tem uma opinião forte acerca
das alterações climáticas. Graças a um tio que, no caso, era mais do que great,
era mesmo um brilliant genius – que a família tem bons genes,
basta olhar para a Ivanka – e com quem também discutia questões nucleares all
the time. Pela força, da opinião, o presidente quer e terá um
evidentemente great clima para os EUA. Enquanto o bom clima
não chega, os americanos vão aprender a prevenir incêndios com os finlandeses,
que sabem o que fazem e têm bons solos. Também se requer bons solos. E
ancinhos. Mas Trump está habituado a ter o que quer e, além disso, já falou com
o presidente da Finlândia, alternativamente sobre este ou outros temas, é
indiferente; o que conta é a intenção.
Noutro (perigoso) desvario caseiro, o presidente
norte-americano recusou ouvir a gravação áudio do assassinato de Jamal
Khashoggi. Já classificou o acto como perverso e como muito
más as pessoas que o cometeram. Não quer ouvi-la e acha que não há
razão nenhuma para que a ouça. Eu acho que é capaz de haver para cima de 100
mil milhões de razões para não alarmar o excelentíssimo príncipe da Arábia
Saudita e Trump, ao contrário de uns quantos hipócritas, não tem
pudor em lembrá-lo repetidamente. Afinal, a venda de armas é um excelente negócio, gera
muitos, muitos empregos; a lot. Além disso, as pessoas têm direito
a defender-se de ameaças, como se vê, semana sim, semana não, nos EUA. Esta
semana foi em Chicago. Quando os professores americanos andarem armados,
acabam-se os massacres. Como é que ninguém se tinha lembrado disso antes? E
quando for o Jair a mandar, pode ser que todos os problemas da humanidade
desapareçam por artes bélicas, pois teremos conseguido exterminar todos os maus
da face da Terra; jamais os franceses voltarão a correr o risco de aprender
alemão.
Entretanto, há milhares de refugiados às portas do EUA na
fronteira com o México. Uma caravana, várias caravanas, amálgamas de sonhos
desesperados, de esperanças indomáveis, voluntariosas, fazendo das fraquezas
individuais uma força resistente que renasce, como uma fénix, das cinzas que
tentam e teimam em deixar para trás. Trump não os quer há muito, o México não
tem como continuar a querê-los e nós vamos suspirando com envergonhado e
cobarde alívio, porque não chegou à nossa porta. Ainda. Como será, quando
chegar? O que fazer entre a obrigação moral de ajudar quem precisa e a
frustrante incapacidade de chegar a todos? E se, por um acaso do destino, a
caravana nos transportasse a nós?