quarta-feira, 21 de novembro de 2018

“The world is a very dangerous place”

Deve ser difícil manter uma conversa séria com Donald Trump. Pelo menos, no que diz respeito a garantir uma presidência funcional de um país que se quer grande. Excepto no que toca a conversas de balneário ou negócios mais ou menos obscuros (aí, o homem agarra quem quer que seja, por onde quer que seja, ao estilo do que por cá chamaríamos um pato-bravo), o vocabulário do presidente dos EUA está ao nível de uma criança que ainda não completou o primeiro ciclo escolar. Tem uma mão cheia de adjectivos que oscilam entre o bomóptimomau, de vez em quando, um erudito perverso, eventualmente, apimentados com um eloquente muito e que servem para tudo, do clima às pessoas, dos ataques terroristas aos dantescos incêndios na Califórnia. As pessoas são boas, às vezes são mesmo great, ou, quando más, podem chegar a badbad people, a repetição elevando e enfatizando o grau de maldade do indivíduo.

O senhor presidente tem uma opinião forte acerca das alterações climáticas. Graças a um tio que, no caso, era mais do que great, era mesmo um brilliant genius – que a família tem bons genes, basta olhar para a Ivanka – e com quem também discutia questões nucleares all the time. Pela força, da opinião, o presidente quer e terá um evidentemente great clima para os EUA. Enquanto o bom clima não chega, os americanos vão aprender a prevenir incêndios com os finlandeses, que sabem o que fazem e têm bons solos. Também se requer bons solos. E ancinhos. Mas Trump está habituado a ter o que quer e, além disso, já falou com o presidente da Finlândia, alternativamente sobre este ou outros temas, é indiferente; o que conta é a intenção.

Noutro (perigoso) desvario caseiro, o presidente norte-americano recusou ouvir a gravação áudio do assassinato de Jamal Khashoggi. Já classificou o acto como perverso e como muito más as pessoas que o cometeram. Não quer ouvi-la e acha que não há razão nenhuma para que a ouça. Eu acho que é capaz de haver para cima de 100 mil milhões de razões para não alarmar o excelentíssimo príncipe da Arábia Saudita e Trump, ao contrário de uns quantos hipócritas, não tem pudor em lembrá-lo repetidamente. Afinal, a venda de armas é um excelente negócio, gera muitos, muitos empregos; a lot. Além disso, as pessoas têm direito a defender-se de ameaças, como se vê, semana sim, semana não, nos EUA. Esta semana foi em Chicago. Quando os professores americanos andarem armados, acabam-se os massacres. Como é que ninguém se tinha lembrado disso antes? E quando for o Jair a mandar, pode ser que todos os problemas da humanidade desapareçam por artes bélicas, pois teremos conseguido exterminar todos os maus da face da Terra; jamais os franceses voltarão a correr o risco de aprender alemão.

Entretanto, há milhares de refugiados às portas do EUA na fronteira com o México. Uma caravana, várias caravanas, amálgamas de sonhos desesperados, de esperanças indomáveis, voluntariosas, fazendo das fraquezas individuais uma força resistente que renasce, como uma fénix, das cinzas que tentam e teimam em deixar para trás. Trump não os quer há muito, o México não tem como continuar a querê-los e nós vamos suspirando com envergonhado e cobarde alívio, porque não chegou à nossa porta. Ainda. Como será, quando chegar? O que fazer entre a obrigação moral de ajudar quem precisa e a frustrante incapacidade de chegar a todos? E se, por um acaso do destino, a caravana nos transportasse a nós?