Além de um bom amigo que lhe financia, ou financiava, um
estilo de vida de fazer inveja, José Sócrates também tem um “primo muito
querido e muito próximo” que lhe empresta casas de luxo.
Admito. Cada vez que ouço falar o nosso ex-primeiro
preciso de escrever cinquenta vezes, à laia de penitência e de forma
compulsiva: “toda a gente é inocente até prova em contrário”. Não havendo prova,
apenas lata descomunal, é preciso acreditar piamente na bondade dos homens. De
alguns. Principalmente daqueles que, qual Madre Teresa, facilmente abdicam de
desprezíveis e desprezáveis bens materiais em favor das aflições do próximo,
animados da mais pura e assombrosa abnegação. Não é bem fazer o bem sem olhar a
quem, pois que, quanto sabemos, olham sempre ao mesmo, mas sempre é mais
altruísta do que não olhar a ninguém. Tenho sempre uma enorme admiração por
quem é capaz de tão despudorado desapego às coisas mundanas!
O primo, amoroso, emprestou a Sócrates um apartamento de
luxo, na Ericeira. Sócrates, encarniçado, não gostou que o jornalista lhe
fizesse perguntas sobre o assunto. Com o fastio que lhe é caro, salvo seja!, e
habitual, dissertou sobre essa mania que os jornalistas têm de perguntar como é
que vivem como vivem antigos ex-primeiros-ministros acusados de crimes de
corrupção e branqueamento de capitais, entre outros, mais ainda, quando os
primos e amigos, muito próximos e muito queridos, também acumulam a condição de
arguido, que há gente para quem a solidariedade, de facto, não tem limites.
Onde será, realmente, que os jornalistas vão buscar a
ideia de que têm o direito de fazer perguntas e incomodar as pessoas sobre actos
banais da vida privada? Desconfio que os jornalistas pensam que Sócrates não é
bem o que chamamos uma pessoa, os seus actos não serão exactamente banais e o
modo como sustenta a sua a vida privada é capaz de ser assunto de interesse
público. E, sabemos bem, os jornalistas enganam-se demasiadas vezes.
A contragosto, José Sócrates lá foi respondendo, à SIC e sem
exemplo, embora as perguntas lhe revelem o nível de jornalismo que se faz e
que, seguramente, não estará ao nível da governação que o próprio fez e, isso,
talvez o irrite ainda mais.
Cansado da devassa da sua vida privada, José Sócrates
denunciou, ali mesmo, a repugnância que lhe provoca o jornalismo português.
Ainda bem que, aparentemente, só isso repugna o senhor ex-primeiro-ministro.
Não apreciasse ele outras características portuguesas, quiçá desagradáveis a
outros quantos de nós, e há muito que as suas indignações ficariam
circunscritas aos pátios prisionais desta bela República, eventualmente para lá
da cela que poderia adornar com alguns dos quadros que o Tribunal, entretanto,
lhe devolveu.