quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Neste Natal quero um "primo muito próximo e muito querido", posso?

Além de um bom amigo que lhe financia, ou financiava, um estilo de vida de fazer inveja, José Sócrates também tem um “primo muito querido e muito próximo” que lhe empresta casas de luxo.

Admito. Cada vez que ouço falar o nosso ex-primeiro preciso de escrever cinquenta vezes, à laia de penitência e de forma compulsiva: “toda a gente é inocente até prova em contrário”. Não havendo prova, apenas lata descomunal, é preciso acreditar piamente na bondade dos homens. De alguns. Principalmente daqueles que, qual Madre Teresa, facilmente abdicam de desprezíveis e desprezáveis bens materiais em favor das aflições do próximo, animados da mais pura e assombrosa abnegação. Não é bem fazer o bem sem olhar a quem, pois que, quanto sabemos, olham sempre ao mesmo, mas sempre é mais altruísta do que não olhar a ninguém. Tenho sempre uma enorme admiração por quem é capaz de tão despudorado desapego às coisas mundanas!

O primo, amoroso, emprestou a Sócrates um apartamento de luxo, na Ericeira. Sócrates, encarniçado, não gostou que o jornalista lhe fizesse perguntas sobre o assunto. Com o fastio que lhe é caro, salvo seja!, e habitual, dissertou sobre essa mania que os jornalistas têm de perguntar como é que vivem como vivem antigos ex-primeiros-ministros acusados de crimes de corrupção e branqueamento de capitais, entre outros, mais ainda, quando os primos e amigos, muito próximos e muito queridos, também acumulam a condição de arguido, que há gente para quem a solidariedade, de facto, não tem limites.

Onde será, realmente, que os jornalistas vão buscar a ideia de que têm o direito de fazer perguntas e incomodar as pessoas sobre actos banais da vida privada? Desconfio que os jornalistas pensam que Sócrates não é bem o que chamamos uma pessoa, os seus actos não serão exactamente banais e o modo como sustenta a sua a vida privada é capaz de ser assunto de interesse público. E, sabemos bem, os jornalistas enganam-se demasiadas vezes.

A contragosto, José Sócrates lá foi respondendo, à SIC e sem exemplo, embora as perguntas lhe revelem o nível de jornalismo que se faz e que, seguramente, não estará ao nível da governação que o próprio fez e, isso, talvez o irrite ainda mais.

Cansado da devassa da sua vida privada, José Sócrates denunciou, ali mesmo, a repugnância que lhe provoca o jornalismo português. Ainda bem que, aparentemente, só isso repugna o senhor ex-primeiro-ministro. Não apreciasse ele outras características portuguesas, quiçá desagradáveis a outros quantos de nós, e há muito que as suas indignações ficariam circunscritas aos pátios prisionais desta bela República, eventualmente para lá da cela que poderia adornar com alguns dos quadros que o Tribunal, entretanto, lhe devolveu.