terça-feira, 23 de novembro de 2021

Rendeiro e Marcelo entram num bar. Ou, de um país. Alegadamente.

Nem sei bem por onde começar. Há momentos em que o absurdo atordoa.

João Rendeiro – que fugiu do País e, agora, deixa a mulher a cumprir uma pena de prisão domiciliária, enquanto o próprio leva uma vida normal, sem peruca e sem rabo de cavalo, num outro país voltado para o mar onde se fala português (já não sei quem disse que, às tantas, nunca de cá saiu, está escondido na cave lá de casa, entre matisses falsificados: também parece absurdo, mas, nunca fiando…) – deu uma inacreditável entrevista a Júlio Magalhães na estreia desse novo canal de televisão que dá pelo nome CNN Portugal e que promete “credibilidade”. Como, dessa entrevista, só ouvi o resumo extremamente desagradável (ou brilhante) da Joana Marques, pode ser que aquilo tenha tido menos de desagradável (para evitar outros palavrões) e mais de credível. Absolutamente inacreditável é ouvir Marcelo Rebelo de Sousa, presidente desta República cada vez mais de faz-de-conta responder ao ultraje com graçolas.

Como é que aguentamos isto sem escândalo, é coisa que me transcende. Tal como a história dos negócios de Luís Filipe Vieira, que a SIC Notícias tem vindo a retratar na  reportagem imperdível  "Testa de Ferro". Ou aquela outra, no EXPRESSO, assinada por Inês Serra Lopes, onde se dá conta de como o Estado e algumas empresas, as que podem, se concubinam com a bênção dos advogados que facilitam a coisa como experientes matronas, alternando entre o interesse do Estado e os interesses das empresas, com os "tribunais arbitrais" como cama de fundo de onde o Estado sai quase sempre condenado e a pagar indemnizações generosas. Mas, tudo isto nos passa diante, e adiante. Sem dor, sem um pestanejar. Às vezes penso se a indignação inflamada que nos assalta pontualmente com os casos Rendeiro, Berardo, Salgado e todos os seus acólitos, e que se apaga sem passar, afinal, de um fogacho, é por convicção e princípio ou apenas por inveja, de facto; porque a orgia nos está vedada a nós, reles pagadores de impostos, a quem nem um miserável atraso no pagamento do IUC o mesmo Estado folgazão é capaz de perdoar.

Apetece desistir.

“Descaminho”. Até há algum tempo desconhecia a palavra “descaminho” para designar um crime. Ouço dizer “descaminho” e soa-me a desamor, a desgosto intolerável. Há dias, demasiados, em que Portugal me sabe assim.