quarta-feira, 20 de abril de 2022

Em Nome de Um Certo Pensamento Único

Estou mais disposta a perdoar Zelensky do que a perdoar Vladimir Putin – ou Sergey Lavrov ou Alexander Dugin, ou por aí…

Ouvi alguém dizer qualquer coisa do género e é exactamente o que sinto. E quase, quase, que alinho na condenação sem simpatia ou piedade de todos os analistas, jornalistas, comentadores, generais e afins que têm vindo a público não dizer da infâmia que é a guerra de Putin: vou chamar-lhe sempre a guerra de Putin. Só não alinho fielmente no furioso arremesso de pedras e injúrias contra todos os que chafurdam na contextualização da inrazão (alguns não dão tantas voltas: estão, obviamente, obedientemente, do lado da Rússia e podem  é a vantagem de viver em democracia) da Ucrânia porque, ainda assim, sou capaz de encontrar algumas diferenças entre Carmo Afonso e Raquel Varela, entre Miguel Sousa Tavares e Alexandre Guerreiro, entre outros "incompreendidos" e "perseguidos" – pode bem ser por simpatizar mais com uns do que com outros (ou antipatizar menos com uns do que com outros, parece a mesma coisa mas não é bem) já que da miserável guerra pouco ou nada percebo.

Não rezo. Se rezasse, rezaria pela persistência da resistência ucraniana. Agora e sempre que esteja em causa um regime como o de Vladimir Putin contra uma democracia, qualquer democracia, por mais cheia de defeitos e vícios e falhas como alguns asseguram ser a democracia na Ucrânia. Tudo o resto, do país e do mundo, mas em particular do país, me parece quase irrelevante, nos últimos dias – do nosso Orçamento de Estado, à deriva do PSD, da mediocridade larvar que continua a fazer a pompa e a desgraçada circunstância da generalidade da nossa classe política, à insistência absurda no uso de máscaras em contexto escolar quando grande parte dos alunos de 11º e 12º ano acaba de regressar das "viagens de finalistas", em festas intermináveis na proximidade física que a idade manda, horas e horas de viagem em autocarros cheios, e se não for nada disso, os bares e as discotecas que funcionam sem máscara há mais de já não sei quantos meses, que até o tempo me parece corrompido.

O meu lado racional avisa-me da loucura que é não procurar a paz por todos os meios, não tentar estancar a brutalidade da guerra – olhar para as imagens que chegam de Mariupol e pensar na insanidade que é continuar a resistir, a vida suspensa, subterrânea, sob os escombros do Inferno. E, depois, há um outro lado de mim capaz de entender – de admirar, de apoiar, até, consciente da vertigem – aquela gente que prefere morrer a render-se à barbárie.

Não rezo, mas, se rezasse, rezaria também pela derrota de Marine le Pen. Quando penso num mundo livre concertado entre Le Penes e Trumpes e seus congéneres, parece-me sempre um mundo um tudo menos livre.