Zelensky
fugia para Lviv ao terceiro dia – como, ao quarto, vaticinava com sapiência
militar um major-general qualquer para as câmaras de televisão –, a Ucrânia
entregava-se aos braços libertadores da Rússia, sem alvoroço, dispensando a Europa e os EUA de uma solidariedade musculada, ao sétimo dia
descansavam Vladimir Putin e os seus peões de brilhante xadrez político e geoestratégico,
e, para a história do PCP, sobrava um momento Coreia do Norte e as dúvidas
sobre se, lá por aqueles outros lados, sempre teria havido uma invasão russa, ou tudo não teria passado de uma operação realmente especial. Um dislate habitual no que toca à relação
amorosa do PCP com todos os regimes amigos, e nem é coisa exclusiva do PCP, em boa verdade.
Mas Volodymyr Zelensky, essa abominável personificação do “poder xenófobo e belicista”, nazi senão dos quatro costados, dos costados que importam para exaltar o nojo comunista, incapaz de fazer pela cândida paz que o bondoso Putin lhe quer oferecer a todo o custo nem que para isso se veja obrigado a esmagar, uma a uma, cada uma das cidades da Ucrânia inteira, Zelensky o terrível, armou-se de escrúpulos estapafúrdios e vontades imprudentes de soberania e independência e outras ridicularias do género, e condenou o seu povo a um calvário sem perdão. E é neste discurso absurdo, obsceno às vezes, que o PCP se vê enredado – talvez por ter, como quase todos, pensado impossíveis os quase sessenta dias de guerra que se prolongam numa carnificina ébria de fúria e maldade.
Acredito
que haja comunistas incomodados com o rumo do discurso oficial. É impossível
que não haja. Desconfio que são, como alguns que eu conheço, os que se mantêm
mais ou menos calados, esgrimindo, pontualmente, argumentos de outras guerras,
mas sem demasiado alarme, que isto de condenar o pensamento único é muito bonito
e nobre e livre, mas, nuns partidos, é bem mais livre do que noutros, mesmo que
todos os partidos possuam essa espécie de identidade obediente de grupo que me
aflige tanto como numa religião.