sexta-feira, 22 de abril de 2022

Guerra e Paz, segundo o PCP

Zelensky fugia para Lviv ao terceiro dia – como, ao quarto, vaticinava com sapiência militar um major-general qualquer para as câmaras de televisão –, a Ucrânia entregava-se aos braços libertadores da Rússia, sem alvoroço, dispensando a Europa e os EUA de uma solidariedade musculada, ao sétimo dia descansavam Vladimir Putin e os seus peões de brilhante xadrez político e geoestratégico, e, para a história do PCP, sobrava um momento Coreia do Norte e as dúvidas sobre se, lá por aqueles outros lados, sempre teria havido uma invasão russa, ou tudo não teria passado de uma operação realmente especial. Um dislate habitual no que toca à relação amorosa do PCP com todos os regimes amigos, e nem é coisa exclusiva do PCP, em boa verdade.

Mas Volodymyr Zelensky, essa abominável personificação do “poder xenófobo e belicista”, nazi senão dos quatro costados, dos costados que importam para exaltar o nojo comunista, incapaz de fazer pela cândida paz que o bondoso Putin lhe quer oferecer a todo o custo nem que para isso se veja obrigado a esmagar, uma a uma, cada uma das cidades da Ucrânia inteira, Zelensky o terrível, armou-se de escrúpulos estapafúrdios e vontades imprudentes de soberania e independência e outras ridicularias do género, e condenou o seu povo a um calvário sem perdão. E é neste discurso absurdo, obsceno às vezes, que o PCP se vê enredado – talvez por ter, como quase todos, pensado impossíveis os quase sessenta dias de guerra que se prolongam numa carnificina ébria de fúria e maldade.

Acredito que haja comunistas incomodados com o rumo do discurso oficial. É impossível que não haja. Desconfio que são, como alguns que eu conheço, os que se mantêm mais ou menos calados, esgrimindo, pontualmente, argumentos de outras guerras, mas sem demasiado alarme, que isto de condenar o pensamento único é muito bonito e nobre e livre, mas, nuns partidos, é bem mais livre do que noutros, mesmo que todos os partidos possuam essa espécie de identidade obediente de grupo que me aflige tanto como numa religião.