Acordei
antes do despertador, com a voz dos pássaros numa tagarelice oleada de assobios
rebolados e agudos, encaracolados como ondas de mar. Da minha janela ainda se ouvem
os pássaros e ainda se vê o mar. Nunca vivi longe do mar. Penso sempre que jamais poderia viver longe do
mar, e dou-me conta da enormidade que é pensar-se que jamais se poderia
viver outra coisa diferente, como se a vida não se abatesse sobre nós como lhe
convém. A liberdade de escolha, esse enorme embuste com que nos entretêm os sonhadores.
Sinto o meu corpo morno, o braço um pouco dormente encostado ao rosto junto à minha boca. Sou capaz de dormir um sono inteiro sem mudar de posição uma única vez. Às vezes penso que não durmo: morro todas as noites e renasço a cada manhã – deve ser por isso que nunca sonho.
Sinto o corpo morno, levemente suado, e a pele do meu braço junto à minha boca tem um breve sabor a sal. Há um pequeníssimo instante em que tudo é perfeito, quieto, e sou só eu. Depois o despertador rebela-se, e avisa-me do mundo que chama por mim.