sábado, 23 de abril de 2022

Devo ter atingido a idade em que já disponho de mais livros do que aqueles que serei capaz de ler até ao fim dos meus dias. Creio. Pode ser ao contrário, é contabilidade que também serve, embora eu não tenha feito realmente um acerto dessas contas. Inúteis. Há sempre outro livro que me apetece. 

No outro dia, um dia qualquer, em conversa com uma amiga que trabalha numa biblioteca municipal discutíamos sobre a correcção daquele número de não leitores portugueses: os sessenta e um por cento que, em 2020 não leram um único livro impresso. Podiam ter lido digitalmente, conjugação pavorosa, mas parece que nem por isso; ou dez por cento disso, diz o inquérito. Dois mil inquéritos. Não sei. Custa-me acreditar naquele número. Dois mil inquéritos são apenas dois mil inquéritos, por muito que se tente e (re)busque a “representatividade da amostra”. E nos doze meses anteriores ao início da pandemia, oitenta por cento dos portugueses não terá entrado numa biblioteca ou num arquivo. Num "arquivo" ainda entendo, mas, numa biblioteca? 

Discutíamos sobre bibliotecas, precisamente, e sobre se as populações sabem da possibilidade de requisitarem livros de ler, nas bibliotecas municipais. Gratuitamente. Quem não pode ou não quer comprar livros, aí tem a solução para ler, se quiser ler, se gostar de ler. Eu própria devia usá-la mais. Gasto pequenas fortunas em livros. Sem contar o que deixo de viver lá fora, encarcerada no silêncio lancinante dos livros. Mas gosto de possuir os meus livros. Sou caprichosa e ciumenta com os meus livros. Salvaram-me sempre. Perdoo-lhes o mundo que me roubam pelos mundos que me oferecem. 

Se a minha vida se contasse em livros, se ao menos o meu tempo se deixasse contar. Domar.