domingo, 24 de abril de 2022

Ainda assim, de vez em quando preciso de uma leitura inconsequente. Um livro raso, que me distraia e não me consuma. Como fazer palavras cruzadas, um quadro de ponto de cruz ou um debrum de crochet: não me serve para muito, mas tranquiliza-me. E, como há anos que não faço palavras cruzadas, ponto de cruz ou crochet, viro-me para esse tipo de livros que só se lêem uma vez, porque uma vez basta para que logo acabem de dizer o tudo e o pouco que tenham para dizer. Pode ser um José Rodrigues dos Santos, mas, no caso, foi “O Último Olhar”, de Miguel Sousa Tavares. Qualquer um deles se atura melhor a ler do que a ver e ouvir, mas não sei qual dos dois se escandalizaria mais se tropeçasse nisto, nesta equivalência mal-amanhada, sendo evidente que se desprezam estimadamente. Falo dos autores, não dos livros, evidentemente. Não interessa nada. Interessa-me apenas dizer que o homem que escreveu “Equador” ou “Rio das Flores” não é o mesmo homem que escreveu “O Último Olhar”. Ou eu era demasiado nova e demasiado fácil de contentar então. Não é tão mau, sofrível como dele se diz aqui – aquelas frases soltas, descontextualizadas tornam-se demasiado trôpegas, apesar de tudo injustamente trôpegas, muito mais estéreis do que são realmente quando se lê tudo –, mas está longe de deixar marca.

E, ainda sobre livros, é a segunda vez que alguém, outro alguém, me envia um email a indicar-me um livro com a sugestão de falar dele neste canto. Partindo do princípio que não houve equívoco em nenhuma das vezes – coisa que se me afigura bastante mais razoável, tendo em conta o número insignificante de leitores, e apenas o número de leitores é insignificante e é exactamente como eu gosto, que tem o “outradecoisanenhuma” –, devo dizer, primeiro, que me deixa profundamente sensibilizada, que gente que não conheço nem virtualmente falando (escrevendo, em bom rigor) use do seu tempo para ler o que aqui escrevo – coisa que eu também faço, é certo, mas porque há blogues realmente bons –, segundo e mais grave, que haja quem possa pensar que alguma coisa do que aqui escrevo possa ter esse tipo de eco noutras paragens. Não tem e não pretendo que tenha. Tanto mais, que este é um blogue que nem sei bem se chega a sê-lo, nunca me apeteceu aprofundar as razões de por que escreve em blogues quem escreve em blogues. Há umas razões mais evidentes do que outras, algumas das quais me repugnam especialmente – algumas das que se apontam nestas magníficas Avenidas, numa escrita tão indecente de boa que devia ser proibida (que ninguém se atreva, não te atrevas tu, que me fazes demasiada falta) –, mas as minhas são bastante inúteis, e em nenhuma delas pretendo aconselhar ou desaconselhar, leituras ou outra coisa qualquer, matéria, a dos conselhos, em que sou absoluta e dedicadamente incompetente.