quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Há muito anos que não passava férias em Espanha. Espanha e um pedacinho de França, mesmo ali à mão, um pulinho para visitar Saint-Jean-de-Luz e L’Église Saint-Jean-Baptiste, a bela igreja basca onde se celebrou o casamento de Luís XIV com a infanta Maria-Teresa. Não foi por isso que lá fui, mas queria muito vê-la. Também dizem que aí se filmaram algumas das cenas d' A Paixão de Shakespeare; não sei, lembro-me quase nada do filme, e o que dizem é o que dizem, talvez volte a vê-lo um dia destes.

Mas foi pelas Astúrias que me encantei. Apesar de quase quase ter sido atropelada por uma vaca. Não seria a primeira vez, é um facto, mas seria a primeira vez no sentido literal. Para que conste, nunca me meti com os bichos, segui escrupulosamente as instruções das guias (que guiavam pouco, diga-se, uma pequena apresentação, duas ou três instruções e a informação vital de que estaríamos incomunicáveis na maior parte do percurso), andava distraidamente maravilhada com os céus (dos Picos) da Europa àquela hora, e a coisa poderia ter corrido muito mal. Valeu-me o meu anjo da guarda, que me fez surda aos cuidado!, cuidado! que me gritavam do outro lado, e ainda bem. Se me tivesse voltado, reagido de alguma forma àquela galopar solto e fundo no meu caminho, pois claro, era isso que ressoava e fazia tremer ligeiramente o chão sob os meus pés, é preciso estar mesmo com a cabeça nas nuvens…, talvez me tivesse enfiado, numa atrapalhação, na boca do lobo, que é como quem diz, nos cornos, generosíssimos, da vaca. Assim, só vi o quadro quando o quadro já não era mais do que aquele corpanzil a passar-me ao lado, rasante. Obrigada, Anjo Meu.

Dizia que me encantei com as Astúrias. Mais do que tudo o resto, e o resto também é história; e História: depois de ver a Catedral de Burgos podemos morrer sem ver qualquer outra. Digo eu, que as persigo há anos e sei que ainda me falta caminho.

Sobre o Guggenheim, que também vi e nunca tinha visto. Um amigo um pouco bruto e muito avesso aos humores da “arte moderna” achou por bem prevenir-me: basta vê-lo por fora; o que há dentro não interessa nada. O que há dentro, pelo menos em parte, vai mudando, isso eu também sabia. Desta vez, entre outras artes, havia dentro Yayoi Kusama, Lynette Yiadom-Boakye e Oskar Kokoschka. Aquilo de que gostamos ou não, na arte como no demais, não é explicável e importa apenas a nós próprios. Eu não gosto de Lynette Yiadom-Boakye, Oskar Kokoschka era um génio e Yayoi Kusama é realmente esquizofrénica – no sentido formidável do termo. Não compraria nenhuma das suas obras, até porque a minha conta bancária não permite; se permitisse, não sei se me atreveria. Há um magnetismo quase maligno, fabulosamente maligno, naquela explosão de formas e cores e traços e pontos e telas, labiríntico, pegajoso como uma densa teia de aranha: um breve momento de pânico e é o fim.

Já falei de Oviedo? Podia viver lá.