quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Holocausto



Roubei um título, uma história e uma obra de arte.

Vi pela primeira vez A Lista de Schindler no cinema, quando estreou em Portugal. Fiz um esforço enorme para não chorar. Enorme. O tempo todo. Quando o filme acabou, tinha marcas profundas, encarnadas, das minhas unhas cravadas nas palmas das minhas mãos. Sei que é um mecanismo de defesa inconsciente quando preciso de controlar emoções violentas.

Uma das cenas que mais me marcou – posso recordá-la vivamente de memória – é protagonizada por Ralph Fiennes: em tronco nu, numa (outra) manhã qualquer, Amon Leopold Göth assoma à varanda da sua casa, com vista privilegiada para o campo de concentração nazi de Plaszow. Agarra na espingarda, observa a azáfama dos condenados, ajusta a mira da arma e escolhe a primeira vítima. Pousa o cigarro e aponta certeiro à mulher agachada no chão. Assim que ela se ergue, dispara a matar. Recolhe, indolente, o cigarro pousado no muro e, entre duas passas, escolhe uma segunda vítima. Aleatoriamente, sem qualquer critério especial. Apenas porque pode e porque isso lhe dá gozo.

Quando vejo imagens do líder do Chega, nos palcos das suas imensas vaidades, de joelhos no chão e braço estendido fingindo que faz-e-não-faz a saudação nazi, não sei se me repugna mais a imbecilidade ou a cobardia. Será a imbecilidade. Até a cobardia exige uma certa têmpera.