sexta-feira, 10 de junho de 2022

Nunca fui capaz de apreciar devidamente o génio e a arte de Paula Rego, creio. Há, naquele traço ostensivamente grotesco, uma evidência tão c(r)avada de realidade, de ausência intencionada de belo no sentido tradicionalmente estético do termo, que me esvazia. A violência rude das histórias de Paula Rego é o retrato perfeito de um mundo mais que imperfeito – hostil, tirano, abusador, acusador, tantas vezes insuportável. É realmente preciso coragem para pintar assim, para imaginar assim, mesmo que esse imaginar se alimente de todos os vícios, de todas as pestilências, de todos os mundos. E é preciso dominar – mais do que possuir – um imenso talento. Um talento absurdo. Posso não saber ver, posso não suportar ver, mas isso não significa que não seja capaz de me espantar, com desmedido assombro, quando olho um quadro de Paula Rego. É estranho, que não me entregue à sua obra como me entrego à das palavras que contam o mesmo mundo que contam os seus quadros, a mesma maldade e fealdade, os mesmos pecados (sete, mais de sete, outros sete que não aqueles), os mesmos demónios. Ler não é o mesmo que ver. Ou, talvez, as palavras não me impressionem assim tanto, afinal, e esse desassossego em que me escondo quando leio seja apenas uma farsa que ergui para fugir de todas as mulheres que sou, com que me cruzo e reconheço, nas telas e nas teias dos mundos de Paula Rego.

Seja lá o que isso for, hoje é dia de Portugal. Não é o jubileu britânico – que somos mais cinzentos, apesar de dispormos de mais dias de sol – mas ainda é dia de celebração de qualquer coisa que ameaça com sê-lo cada vez menos e de que, entretanto, me perdi. Para qualquer lado que olhe, assalta-me o país por reformar. Incompetente e pequeno, de várias maneiras. Nem o hino, hoje, me tranquilizou. Viva Portugal, suponho.