Li
João Gonzalez (o rapaz que colocou este pequeno país no mapa dos Óscares)
dizer que é fascinado por sonhos, que nunca esteve nem nunca vai estar em
locais da sua vida tão interessantes como nos sonhos, que o ponto de partida
para Ice Merchants (que, ao contrário do que também ele diz, suportaria condignamente o título português) foi uma casa no precipício que, deduzo eu, lhe terá
surgido na antecâmara de um sonho; e eu, que raramente recordo o que sonho, se
sonho sequer, que, quando recordo, o que recordo não passa de um fragmento
minúsculo, um toca e foge do meu inconsciente enfadonho que não enche duas
linhas de ilusão, eu, dizia, deixo-me encantar por gente capaz de agarrar os
sonhos com duas mãos cheias de vontade, arranca-los de lugar nenhum e fazê-los
viver, vibrar, sonhar outra vez.
Não
sei se Ice Merchants perdeu um Óscar imerecidamente, se lhe faz falta a
insígnia, não é o meu género de filme, não sou de curtas-metragens, nem de
Óscares, por sinal, e percebo pouco daquilo que faz estremecer a crítica, tudo
em todo o lado ao mesmo tempo faz-me desistir só pelo nome, mas Mercadores de
Gelo é um sonho espantoso.
Entretanto,
fui abalroada por este “A Gaffe Censurável”. Por falar em talentos espantosos.
Querida Gaffe, como não consigo comentar aí, por minha culpa, minha
tão grande culpa, desisto; trago-te para aqui. Pergunto-me se não terão
excomungado as irmãs, se aquela alegria desapiedada pelos mármores de David não
será demasiado para os padrões da debilidade moderna. Verdadeira maravilha. A propósito, o diretor da
Galleria dell'Accademia resolveu não deixar os pais da Florida na paz da sua
ignorância e convidou-os a ver David ao vivo, enfim, tão vivo quanto
possível, e muito mais casto do que um ou outro verso de Álvaro de Campos.
Agora, vou ouvir Lana Del Rey; consertar-me e concertar-me em tons dourados de orquídea que florescem no jardim.