terça-feira, 28 de março de 2023

Mercadores de Gelo, ou também

Li João Gonzalez (o rapaz que colocou este pequeno país no mapa dos Óscares) dizer que é fascinado por sonhos, que nunca esteve nem nunca vai estar em locais da sua vida tão interessantes como nos sonhos, que o ponto de partida para Ice Merchants (que, ao contrário do que também ele diz, suportaria condignamente o título português) foi uma casa no precipício que, deduzo eu, lhe terá surgido na antecâmara de um sonho; e eu, que raramente recordo o que sonho, se sonho sequer, que, quando recordo, o que recordo não passa de um fragmento minúsculo, um toca e foge do meu inconsciente enfadonho que não enche duas linhas de ilusão, eu, dizia, deixo-me encantar por gente capaz de agarrar os sonhos com duas mãos cheias de vontade, arranca-los de lugar nenhum e fazê-los viver, vibrar, sonhar outra vez.

Não sei se Ice Merchants perdeu um Óscar imerecidamente, se lhe faz falta a insígnia, não é o meu género de filme, não sou de curtas-metragens, nem de Óscares, por sinal, e percebo pouco daquilo que faz estremecer a crítica, tudo em todo o lado ao mesmo tempo faz-me desistir só pelo nome, mas Mercadores de Gelo é um sonho espantoso.

Entretanto, fui abalroada por este “A Gaffe Censurável”. Por falar em talentos espantosos. Querida Gaffe, como não consigo comentar aí, por minha culpa, minha tão grande culpa, desisto; trago-te para aqui. Pergunto-me se não terão excomungado as irmãs, se aquela alegria desapiedada pelos mármores de David não será demasiado para os padrões da debilidade moderna. Verdadeira maravilha. A propósito, o diretor da Galleria dell'Accademia resolveu não deixar os pais da Florida na paz da sua ignorância e convidou-os a ver David ao vivo, enfim, tão vivo quanto possível, e muito mais casto do que um ou outro verso de Álvaro de Campos.

Agora, vou ouvir Lana Del Rey; consertar-me e concertar-me em tons dourados de orquídea que florescem no jardim.