A propósito de "O Impostor", de Javier Cercas, que acabei de ler. A fabulosa – e infame – história de Enric Marco, o falso sobrevivente de um campo de concentração nazi, que durante trinta anos viveu e fez viver a mais formidável farsa do século. Várias vezes, Javier Cercas escreve que não (?) pretendia perdoar ou reabilitar Enric Marco pela sua odiosa audácia, mas, como acontece quase sempre com os bons livros e os bons escritores, os seus leitores acabam enamorados dos patifes. Ou talvez seja só eu. Enric Marco foi um admirável patife. Tão admirável que não é nada absurdo pensar que o seu último golpe de génio tenha sido esse, precisamente, o de deixar Cercas dissecar reverentemente, crua mas reverentemente, a sua assombrosa mentira. No fim, já ninguém recorda a integridade de Benito Bermejo, o rigoroso historiador que desmascarou Marco: quem quer saber do sabor morno da verdade, depois de se perder pela labiríntica e espantosa teia de ilusões que Marco cerziu pacientemente, com a maestria dos melhores contadores de histórias, fundindo a mediocridade de uma existência comum com o fulgor trágico das lendas que sobrevivem ao tempo? A questão não é saber quem nunca quis (re)inventar-se, mas quantos ousam, até onde e quanto desse atrevimento é verdadeiramente genial.