Nem
sabia o que era um picker,
o que diz muito do meu alheamento de algum do mundo real. Não compro muitas
coisas online, mas compro coisas online: obviamente, tem de haver alguém que
recolha o meu pedido e o faça chegar a outro alguém que mo possa enviar, desencadeando-se – a partir daquele meu clique para efectuar pagamento –
um mecanismo em roda dentada de procedimentos essenciais invisíveis aos meus olhos, mas muito
pouco românticos. "On Falling", de Laura Carreira tenta ser um
retrato sensível dessa precariedade laboral, filmando a rotina exaustiva da
protagonista com uma precisão quase documental, mas a insistência em
composições melancólicas e um ritmo ostensivamente contemplativo acaba por esvaziar
um pouco a mensagem, tornando a sequência bastante previsível em alguns pontos, e um pouco forçada noutros, até com alguma ingenuidade. Não adorei, embora haja momentos de
filmagem muito bons – desde logo, o inicial, que retrata a chegada dos
funcionários ao armazém: Laura Carreira, à conversa com o público no final da
sessão, confessou ter demorado a habituar-se àquela porta giratória de entrada, mas considero-a uma das cenas mais impactantes do filme. Depois, faltou uma
progressão dramática convincente. Há um certo vazio, uma passividade consciente
e exagerada na trajectória de Aurora – bem interpretada por Joana Santos – que
vai além de um reflexo do trabalho robótico e alienante. Embora a ideia
original seja realçar a culpa do sistema que explora e desumaniza, é
evidente, ali também, a importância de cada uma das nossas opções pessoais. Disse-se
muito – a própria actriz – sobre a necessidade latente de estabelecer contacto com o
outro, o desejo de intimidade de Aurora, encurralada na sua solidão mecânica,
mas, a mim, pareceu-me sempre mais o contrário, Aurora entregue à estanquicidade
do seu telemóvel, como, daí a pouco, a mulher ao meu lado: uma mão
levando à boca a canja de galinha, a outra correndo o écran, interminável,
apesar dos amigos que a traziam. Há muito do inferno dos outros em nós.