sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Ainda me sinto enojada com a notícia do menino de nove anos, a quem colegas da escola agrediram tão barbaramente que resultou na amputação de dois dedos da mão.

É possível que a violência obscena que grassa nas redes, mais do que impunemente, exaltada por turbas de milhares, milhões, de seguidores frementes de raiva não tenha qualquer influência neste crescendo de horrores – violações em grupo de adolescentes por adolescentes, publicadas no TikTok; agressões filmadas e partilhadas como troféus; a agressão convertida em entretenimento –, que sempre houve velhos do restelo contra o avançar do mundo, da rádio à internet, e que a maldade intrínseca medra sozinha. É possível, mas não acredito.

Se é verdade que a natureza humana é complexa e sombria de mil e uma maneiras, a eleição de Donald Trump como presidente da (ainda?) nação mais poderosa do mundo democrático, a sua aceitação como símbolo de poder e mudança elevada, agora, à idolatria, abriu a caixa de Pandora, animou-a, desencadeou um movimento de subducção que ameaça a civilidade. Não é uma casualidade simplista, como se Trump fosse, de repente, única e directamente responsável pela violência do mundo, mas foi, evidentemente, um catalisador. A sua aprovação como chefe de Estado, daqueles Estados, contribuiu para normalizar e legitimar a brutalidade, primeiro, no discurso político, depois, na acção governativa. Trump ergueu um exército de servos para quem o poder e o dinheiro estão acima de qualquer outro valor, e qualquer meio é válido para lá chegar: insultar, perseguir, intimidar. "Quiet, piggy" para calar uma jornalista, ou sugerir ameaças de morte sobre um grupo de adversários políticos; atiçar, constantemente, a sua matilha contra todos os que ousam desafiá-lo. Não é também isto que faz um ditador? Provavelmente, nem seria preciso perder tanto tempo a branquear os ficheiros Epstein, deixando apenas o rastro de todos os inimigos: Donald Trump tornou-se intocável.

Não admira que Cristiano Ronaldo se tenha juntado à corte, acompanhando o dono Mohammad bin Salman. Cristiano Ronaldo é um formidável atleta. Tem aquela capacidade rara de converter críticas em metas, superando-se permanentemente; depois disso, é outro homem deslumbrado por si próprio, pelo seu poder. A sua associação a figuras autoritárias não é acidental, é o símbolo de um tempo onde o poder pessoal, a riqueza e a impunidade parecem ter-se assumido como valores supremos. E o poder desta gente sobrevive à custa dos que fazem da idolatria um modo de vida. Como foi que disse Salvador Sobral, naquele concerto pelas vítimas de Pedrogão Grande, na ressaca da vitória do festival Eurovisão? Pois. Com a diferença, enorme diferença, de que Salvador Sobral estava – e suponho que ainda – visceralmente consciente da farsa.

 

Devia ser permitido adorar apenas os mortos.