segunda-feira, 1 de junho de 2020

Ainda na América

Não há justiça na violência, por muita que seja a revolta perante um acto ominoso como foi a morte gratuita de um homem detido pela polícia. E foi. Podemos fingir que a indignação serve apenas a vontade de protagonismo, ou lá o que é que piam os impolutos, sempre mais avisados do que os demais, e que era, obviamente, possível que George Floyd fosse branco e negro, eventualmente, o polícia que o asfixiou. Possível seria, claro. E, nesse caso, os tumultos que tomaram a América de assalto nos últimos dias seriam exactamente o quê, marchas pacíficas, com gente elegante de mãos dadas e flores ao peito, clamando justiça civilizadamente? Também é possível. Aliás, viu-se, quando aquela boa gente entrou armada no capitólio em Michigan e Trump aconselhou a senadora a dialogar com os manifestantes. Toda a gente sabe dos dotes de Trump no que toca a diálogos, desde que os interlocutores falem a sua língua ou se calam para sempre. Jerk.

A violência gera violência, é o mais esgotado dos slogans. Nada justifica a destruição, os saques, e os vândalos merecem ser julgados pelos seus actos. Mas essa evidência não apaga a outra: um homem foi morto por um polícia de serviço, depois de repetir “I can´t breathe” até perder, primeiro, a consciência e, depois, a vida. Engoli a náusea e vi o vídeo.  Uma parte. Menos do que os 8 ou 9 minutos que ouço ter durado a agonia de Floyd. É preciso ter algum estofo para chegar ao fim daquilo. Cada um vê o que quer, e, numa sociedade cada vez mais polarizada, há sempre quem recuse ver o óbvio. E não falo de racismo, falo do poder cobarde que alguns dos mais fortes gostam de exercer sobre os mais fracos, porque podem. Porque sabem que podem. É a mesma cobardia que guia os trastes que espalham, agora, os caos pelas ruas de várias cidades americanas, sim, e, no entanto, continua a indignar-me mais, até à náusea sim, o joelho daquele polícia no pescoço daquele homem a implorar pela vida, de cara contra o chão. Atirem-me pedras.