sexta-feira, 5 de março de 2021

 

Começou tão bem o meu dia. Com duas boas leituras. Curtas e deliciosas. O PÚBLICO faz 31 anos e, como já tinha ameaçado, convidou Sobrinho Simões para director por um dia. Foi a ele, afinal, ao Sobrinho Simões – e não ao António Damásio – a quem ouvi falar de uma sociedade deslassada. Lembrei-me há dias, de repente, quando a memória nos esmurra a despropósito e sem aviso.

 

“Desde logo porque vamos controlar a pandemia com a imunidade, as vacinas e o desenvolvimento dos tratamentos. Palavra de honra. Os verbos-chave são controlar e cuidar (e também curar, mas só às vezes). É um bom ponto de partida. E também é bom perceber que nem a pandemia nem as destrutivas alterações climáticas são desastres naturais. É verdade que a natureza está metida nisto, mas a natureza não tem culpa — os desastres são fruto dos nossos comportamentos e das nossas acções.”

 

“Progrediremos, se apostarmos na educação de todos, antes de mais das crianças e jovens. A educação visa mudar comportamentos e faz-se sobretudo do exemplo, tantas vezes contagioso. Na organização das comunidades humanas, muito mais analógicas do que digitais, tudo é político. Seria um desperdício inaceitável não aprender com a experiência que vivemos este ano.”

 

A outra foi a das favas do Miguel Esteves Cardoso. Acho que cada vez gosto mais de o ler. Passei de não adorar a não perder uma crónica. Creio que veio com a pandemia. Ler qualquer coisa que fosse sobre rabanetes, à margem dos números da pandemia. De todos os números da pandemia.

 

“Este ano as favas estão paradigmáticas. Reparei logo quando coziam que tinham um perfume que apetecia salpicar depois do banho. Mergulhei um dedo na água de cozer e abri as narinas: parecia uma água de colónia, ténue mas teimosa, irmã do aroma da fava tonka.”

 

Tão bom.

 

De resto, continuam a sobrar-me temas e a faltar-me tempo. Mas, ultimamente, também me falta paciência e boa vontade e sobra-me um profundo nojo pela actualidade. Pela nossa, principalmente. Como é que fazemos para sair disto?

Mas gosto imenso de favas. E já comi as flores das curgetes “fritinhas em tempura”. No Momentos, em Évora, nem sei se ainda existe. O meu filho começou logo a torcer o nariz à porta por causa do aviso de que não se servem batatas fritas, e, depois, não falava de outra coisa, as flores de curgete fritinhas em tempura. O Miguel Esteves Cardoso tem razão: são melhores do que as próprias curgetes.