Começou tão bem o
meu dia. Com duas boas leituras. Curtas e deliciosas. O PÚBLICO faz 31 anos e,
como já tinha ameaçado, convidou Sobrinho Simões para director por um dia. Foi
a ele, afinal, ao Sobrinho Simões – e não ao António Damásio – a quem ouvi falar
de uma sociedade deslassada. Lembrei-me há dias, de repente, quando a memória nos
esmurra a despropósito e sem aviso.
“Desde logo porque
vamos controlar a pandemia com a imunidade, as vacinas e o desenvolvimento dos
tratamentos. Palavra de honra. Os verbos-chave são controlar e cuidar (e também
curar, mas só às vezes). É um bom ponto de partida. E também é bom perceber que
nem a pandemia nem as destrutivas alterações climáticas são desastres naturais.
É verdade que a natureza está metida nisto, mas a natureza não tem culpa — os
desastres são fruto dos nossos comportamentos e das nossas acções.”
“Progrediremos, se
apostarmos na educação de todos, antes de mais das crianças e jovens. A
educação visa mudar comportamentos e faz-se sobretudo do exemplo, tantas vezes
contagioso. Na organização das comunidades humanas, muito mais analógicas do
que digitais, tudo é político. Seria um desperdício inaceitável não aprender
com a experiência que vivemos este ano.”
A outra foi a das
favas do Miguel Esteves Cardoso. Acho que cada vez gosto mais de o ler. Passei de não adorar a não perder uma crónica. Creio que veio com a pandemia. Ler
qualquer coisa que fosse sobre rabanetes, à margem dos números da pandemia. De
todos os números da pandemia.
“Este ano as favas
estão paradigmáticas. Reparei logo quando coziam que tinham um perfume que
apetecia salpicar depois do banho. Mergulhei um dedo na água de cozer e abri as
narinas: parecia uma água de colónia, ténue mas teimosa, irmã do aroma da fava
tonka.”
Tão bom.
De resto, continuam
a sobrar-me temas e a faltar-me tempo. Mas, ultimamente, também me falta paciência e
boa vontade e sobra-me um profundo nojo pela actualidade. Pela nossa,
principalmente. Como é que fazemos para sair disto?
Mas gosto imenso de
favas. E já comi as flores das curgetes “fritinhas em tempura”. No Momentos, em
Évora, nem sei se ainda existe. O meu filho começou logo a torcer o nariz à
porta por causa do aviso de que não se servem batatas fritas, e, depois, não
falava de outra coisa, as flores de curgete fritinhas em tempura. O Miguel
Esteves Cardoso tem razão: são melhores do que as próprias curgetes.