domingo, 21 de março de 2021

Gosto mais de ler prosa do que de ler poesia, confesso. Não sei se porque sou incapaz de escrever poesia. Como é que se faz, tudo dizer, tudo fazer caber num pequeno verso, tudo contar numa palavra intoleravelmente precisa, certeira como uma flecha? Há a poesia da música, é verdade, e há poemas que prefiro ouvir musicados, talvez porque tenha ouvido assim da primeira vez. Mas, falava da musicalidade de um poema falado, mesmo que falado em silêncio.

Não sei se é possível aprender a escrever poesia. Há talentos impossíveis de fingir para lá das imprudências que rabiscamos, por exemplo, em cantos insabidos e enxabidos como este.

A poesia é astuta, caprichosa e implacável com os impostores. Não se deixa manipular. E há poemas escritos intencionalmente para nós. Sabem-nos de cor. Cada interstício da nossa alma, todos os tons dos nossos abismos, as esquinas afiadas dos nossos labirintos. Os pecados que já cometemos, os que ainda não ousamos. Os que só descobrimos (e admitimos) por vê-los ali expostos, na crueldade opulenta de uns versos sangrados. E também os nossos espantos, claro. Todos os caminhos maravilhosos em que nos perdemos.