sábado, 20 de março de 2021

No silêncio espesso da noite, sobram agora os gemidos das cordas grossas que seguram os barcos no cais improvisado à entrada da praia. Soam como lamentos de almas malditas, num ranger tormentoso embalado pelo baloiçar compassado das carcaças. As luzes amareladas dos candeeiros de rua, ao longe, emprestam ao ar uma luminosidade sépia, bruxuleante como a chama de uma vela. Uma brisa suave arrasta-se sobre a superfície lustrosa da água ondulando-a sob o seu toque, uma massa espelhada de prata subindo e descendo, drapeada a pulsos lentos, lânguidos como desmaios.

Do lado de cá do molhe, o pequeno farol permanece aninhado na sua torre listrada, acendendo o céu, de tempos a tempos, num esgar mudo. Escarlate.