quarta-feira, 14 de abril de 2021

Por estes dias, um dos meus dias amanheceu num arco-íris perfeito. Vi a luz separar-se numa cadência ordenada e breve, muito breve, firme como quem abre um leque. E, a seguir, riscar as nuvens a compasso, erguendo-se num arco perfeito. Exibiu-se, soberbo, por momentos; e, de repente, o feitiço desfez-se e o arco-íris apagou-se num soluço mudo, sem deixar rasto.

Durante todo esse dia, o meu céu transfigurou-se como uma tela viva, numa transmutação inquieta. Nuvens acinzentadas e baças como poças de água enlameada que o sol foi corando em tons pálidos de dourado e de magenta, até fazê-las carnudas, drapeadas e brancas como castelos de natas. Depois foi o vento. Soprando em lâminas finas, foi lapidando em farrapos translúcidos como a seda as nuvens antes gordas e gulosas. E o céu azul-cobalto, vestindo-se, assim, de véus vaporosos, foi desfalecendo com a tarde, em tons cada vez mais densos, mais e mais escurecidos, até anoitecerem uma noite sem estrelas.

Por estes dias, noutro dos meus dias, li um belíssimo poema sobre saudade (na verdade, acho que li dois poemas, ambos belíssimos, sobre saudade). Sobre a saudade também das coisas que não vivemos. Muitos dizem-no de Clarice Lispector, esse primeiro poema, mas não creio que seja seu. Não há poemas-poemas, na obra de Clarice Lispector. Não no sentido tradicional do termo, e esse belo poema que li parece ser uma obra abusada de um autor ainda vivo, vivo-vivo, no sentido tradicional do termo, apanhado na pressa da partilha virtual e descuidada, tantas vezes mentirosa. Mas, há momentos em que o Universo inteiro parece conspirar a nosso favor. Momentos em que a urgência do caos sossega por um instante tão fugaz como o primeiro relâmpago, e até a matéria de que se fazem os sonhos nos olha nos olhos. Eu não sonho. Se sonhasse, sonharia um sonho de saudade das coisas não vividas. Um pôr-do-sol por acontecer. Saudade de um abraço não dado, de um amor por fazer. De palavras não ditas, famintas, murmuradas ao ouvido em acordes mudos e lentos como mordiscos.

E, ontem como hoje, choveu uma chuva de gotas grossas. Numa cascata de trilhos abruptos, tão apressados e perfeitos – quem disse que não se pode? – que quase não tocavam os vidros da janela; despedaçavam-se contra o chão, entre baques curtos e húmidos, com cheiro a pedra, se sobre a pedra, e cheiro a terra, se sobre a terra. Um coro de notas desalinhadas, dedilhadas sem pressa sobre as teclas de um piano. 

Hoje como ontem chove uma chuva perfeita.