Há dias que o meu
céu desfalece em cores indizíveis. Um manto espesso de lava num caldo de lilases ungidos entre os frescos de Miguel Ângelo sonhando capelas sistinas, que a minha câmara fotográfica se recusa a
reproduzir fielmente. Só pode ser por ciúme.
E a outra planta que
tenho na varanda, de que tão-pouco sei o nome, de folhas curtas e ovaladas e
flores translúcidas tingidas a rosa-pálido ressuscitou pela terceira vez.
Sempre que a vejo definhar, embalada pelos últimos dias de Outono, os caules
finos mirrando, despidos já das tiaras de pétalas frágeis como hóstias, os
vincos rasgados à mercê dos dias nos troncos miúdos, prenuncio-lhe o fim. Mas
não. No início de cada Primavera, há já três Primaveras, de cada haste
absurdamente ressequida brotam, em sopros tímidos, pequenos fios espiralados brancos como a neve. É
o primeiro sinal de que a vida aguarda sem se esgotar. Em poucos dias, os
caules tornam-se gordos, seivosos, e as pétalas rosáceas e transparentes
emergem, por fim, precipitadamente, com a vontade impetuosa das paixões proibidas.