em tempos (também) de censura.
“Pensemos
o amor no seu jogo através do contentamento: as palavras uma por uma no bordado
empolgante dos sentimentos e dos gestos. A mão sobre o papel traça com precisão
as ideias nas cartas que, mais do que para o outro, escrevemos para nosso
próprio alimento: o doce alimento da ternura, da invenção do passado ou o
envenenamento da acusação e da vingança; elas próprias principais elementos da
paixão na reconstrução do nosso corpo sempre pronto a ceder à emoção inventada,
mas não falsa. – Não é falso se te escrevo:
«Repara,
sequiosa é a faca do teu silêncio a revolver-se-me bem no interior do ventre…
Cobre com os teus dedos os meus olhos a fim de eu ver ou não me veja, que te
perco e não me odeio.»
Eis
o ódio, outro principal elemento do amor. Amor cujo objecto nunca será em si a
principal causa, mas apenas o motivo, o ponto de partida, jamais o único
objectivo ou mesmo o fulcro, o outro.
E
se não acredito em mim o amor como sentimento totalmente verdadeiro a não ser a
partir da minha imperativa necessidade em inventá-lo (logo já ele é verdadeiro
mas tu não), recuso-me a negá-lo no entanto pois na realidade existe, é em si
mesmo: vício, urgência, precipício, enquanto tu serves apenas de motivação, de
início, de peça envolvente em que te arrasto neste meu muito maior prazer em me
sentir apaixonada do que em amar-te. Neste meu muito maior prazer em dizer que
te amo do que na verdade em querer-te.
Não
é falso, então, se te escrevo:
«Sei
que te perdi e me afundo, me perco também dentro da minha total ausência de
poder em que me queiras.»"
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Cartas Portuguesas
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Velho da Costa